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Jornal da Unicamp 179 - Página 11

1 a 7 de julho de 2002
Agora semanal


Estudo fundamenta medidas para tratamento e descarte de resíduos

Monitoramento feito por química gera ações concretas e trabalho de conscientização

Raquel do Carmo Santos

Cada aluno que se formava no curso de Química da Unicamp há alguns meses, carregava uma triste constatação ao final dos quatro anos de dedicação: para que seus experimentos e testes fossem realizados ao longo do curso, ele gerava uma média de 11 quilos de resíduo químico. Este número expressivo foi levantado pela química Regina Clélia da Costa Mesquita Micaroni, em sua tese de doutorado. Sabia-se, antes do seu trabalho de monitoramento, que algumas ações já estavam sendo iniciadas no Instituto de Química pela Comissão de Segurança, mas os dados levantados por Regina acabaram substanciando uma série de iniciativas em outras esferas do meio acadêmico. Ela acredita, inclusive, que tenha contribuído pelo menos para a criação de uma linha especial de financiamento da Fapesp para gerenciamento de resíduos químicos. Desde o ano passado, a Fapesp tem tentado implementar normas para que, nos projetos que gerem resíduos, sejam contemplados custos para o tratamento e descarte final do material.

Orientada pelos professores Maria Izabel Maretti Silveira Bueno e Wilson de Figueiredo Jardim, Regina Clélia iniciou, em 1997, o monitoramento das atividades geradoras de resíduos do instituto. No total, o estudo envolveu 21 disciplinas de ensino, além de incorporar alguns laboratórios de pesquisa. A partir da constatação do elevado índice de resíduos, Regina, com o apoio irrestrito da diretoria do IQ, começou o trabalho de conscientização da comunidade local. "Esta talvez tenha sido a etapa mais trabalhosa, pois a conscientização consiste, muitas vezes, em alterar procedimentos realizados há anos da mesma forma". Além disso, tanto Regina Clélia como Maria Izabel concordam que é preciso criar uma cultura de responsabilidades por parte do gerador do resíduo. "O aluno e mesmo o docente precisam entender que são os maiores responsáveis por tratar e estocar com segurança o resíduo por eles gerado", comenta a pesquisadora.

De acordo com a química, existem resíduos, principalmente orgânicos, que podem ser destilados e recuperados para reutilização. Outros são incinerados, mas há também alguns que produzem na queima substâncias ainda mais tóxicas, e, portanto, precisam de uma solução que cause o mínimo de danos possíveis para o meio ambiente. Neste caso, o exemplo mais característico do IQ é a mistura água-acetonitrila, que, a partir de um processo de exposição à luz solar (chamado de fotólise), trabalho desenvolvido também por Regina em sua tese, consegue-se a sua degradação completa, sem qualquer custo. Além dos orgânicos, há ainda os metais pesados, que sabidamente necessitam ser devidamente "passivados" ou recuperados, geralmente por precipitação.

A pesquisa, no entanto, não se resumiu em identificar e quantificar os números referentes à geração de resíduos. Ao longo do trabalho, foram sendo propostas alternativas para a minimização da geração, com conseqüente diminuição do impacto ambiental e da quantidade de material a ser descartado. Uma vez identificadas as disciplinas mais críticas – em termos de volume e toxicidade do resíduo, no IQ são as de Química Analítica – pôde-se, por exemplo, sugerir a diminuição de escala de alguns experimentos. Em muitos casos, conseguiu-se uma redução de 36% do resíduo químico gerado no laboratório e, o que é mais importante, sem comprometer a qualidade do experimento. "Embora possa servir de base em diversos experimentos, este tipo de proposta não deve ser generalizada; o comprometimento da minimização pode afetar a precisão analítica. Portanto, esta alternativa deve ser muito bem avaliada", alerta Maria Izabel.

Outra economia que se observou foi com relação ao consumo de reagentes. Segundo Regina Clélia, observou-se uma redução de 59% no gasto com os reagentes ao se optar pela minimização. "Os alunos conseguiram fazer com que sobrassem não só material, como também tempo maior para o experimento."

Maria Izabel destaca ainda a reação extremamente positiva dos alunos. Ela é professora da Unicamp desde 1984 e garante que não era costume ouvir a frase "Onde descarto este material?", com tanta freqüência entre os alunos. 'É importante que esses futuros profissionais comecem desde os primeiros anos de curso a se conscientizar do problema e entendam a importância de se preocupar com a geração de resíduo. Isto, sem dúvida, produzirá frutos para a vida profissional do indivíduo, assim como à sociedade".

Órgão gestor pode ser criado

A Unicamp, de maneira geral, não está à parte deste problema. Desde julho do ano passado um grupo de trabalho discute a montagem de um sistema de gerenciamento de resíduos químicos, biológicos e radioativos. Numa primeira etapa dos trabalhos, a equipe composta de 12 membros procedeu a identificação das unidades e locais geradores de resíduos. Coordenado pelo professor do Instituto de Química Fernando Coelho, o grupo apontou dois principais tipos de resíduos existentes na Universidade. O primeiro deles é do tipo passivo, ou seja, está estocado há muito tempo e não há como reaproveitar.

Um outro tipo é o de geração contínua. Este é gerado a partir das atividades desenvolvidas pelo laboratório ou local e não há como evitar. Portanto, uma das principais propostas do grupo é a criação de um órgão gestor, com representantes de todas as unidades, que faria o acompanhamento, a separação, o tratamento e o descarte do material. Ele explica que as substâncias devem ser separadas de acordo com suas semelhanças e a partir daí estudar cada caso.

Neste momento, o grupo trabalha em duas vertentes diferentes. Na primeira está aguardando a aprovação pelo Consu, do Programa de Gerenciamento de Resíduos Biológicos, Químicos e Radioativos da Universidade. O pesquisador acredita ser importante o respaldo da instância máxima da Universidade em todos os procedimentos. As ações que não requerem aprovação do Consu referem-se à atualização do passivo e descarte do mesmo. O vice-reitor, professor José Tadeu Jorge, enviou às Unidades um documento solicitando que se indique uma pessoa responsável para as ações na Unidade. No dia 10 de julho, esses representantes estarão reunidos para um workshop em que serão apresentadas todas as propostas até o momento.

O caminho sem volta dos aposentados

Entre 1991 a 1998, do governo Collor ao fim do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil conheceu um verdadeiro boom de pedidos de aposentadoria no serviço público. Na época foram registradas mais de 150 mil solicitações de aposentadorias por parte de servidores que trabalhavam em autarquias federais.

Segundo o professor Abdias Vilar de Carvalho, os servidores foram praticamente "coagidos" a solicitar a sua aposentadoria, porque convinha ao governo. Em sua defesa de tese O caminho do tempo: Trajetória de vida do servidor público aposentado, defendida recentemente junto ao Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Abdias investigou como foi esse processo.

"Em primeiro lugar, os servidores públicos não queriam se aposentar; foram praticamente forçados pelo governo a fazê-lo, fato que acabou criando um trauma psicológico e ao mesmo tempo lançando-os num mercado para um novo trabalho, de forma desigual e insegura", diz. Em segundo lugar, com a quebra da relação de confiança que adquirira com o emprego, o clima de insegurança se intensificou, de forma a impor aos servidores a pedir a aposentadoria de maneira não planejada, acarretando sérios prejuízos tanto para o governo, sobretudo com a Previdência, quanto para as próprias famílias dos servidores.

A pesquisa de Abdias foi feita com base em depoimentos de 49 entrevistados e em informações veiculadas pela imprensa, que abordavam o clima de insegurança à época no Brasil. Todo esse processo "talvez tenha ocorrido por dois fatores básicos, que servem como parâmetros: primeiro, a Lei 8.112, de 1991, que unificou os vários sistemas de contrato de trabalho para o servidor público. Isso permitiu a integralidade dos salários dos trabalhadores do setor, por ocasião da aposentadoria; e segundo, a Emenda Constitucional nº 20, de 1998. Abdias explica que essa Emenda 'alterava substancialmente o regime de aposentadoria até então vigente no País, com destaque para o que se relacionava com o tempo de garantia de direitos".

"Como compreender então o processo de aposentadoria nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso?", questiona o professor. E ele mesmo dá a resposta: "No governo Collor não houve ameaça do direito constitucional da aposentadoria e nem às suas formas. Pelo contrário, é com a Lei nº 8.112, no fundo uma regulamentação dos artigos constitucionais que as garantias foram ampliadas para todo o conjunto da categoria do funcionalismo". No entanto, foi em seu governo que rompeu-se "o tabu da intocabilidade do servidor" representada pela valorização e garantia do emprego público, avalia Abdias. Até então nunca houve um processo de disponibilidade de servidor.

No governo de Fernando Henrique há modificações na legislação previdenciária e nas garantias constitucionais para a aposentadoria". O cálculo agora é outro, o tempo exigido é maior e acabaram-se as aposentadorias especiais, exceto para professores primários. "É no governo de Fernando Henrique que, devido às ameaças, uma vez que os direitos anteriores haviam ficado garantidos, ocorre a corrida às solicitações de aposentadoria. Isso acontece justamente porque não houve e não há ainda uma relação de confiança entre servidor e governo, pois o governo, contando com a maioria do Congresso, poderá alterar, a qualquer momento, a legislação, mexendo inclusive nos direitos adquiridos". Abdias conta que foi buscar a raiz dessa desconfiança na "traumática" experiência dos servidores públicos, que durante o governo Collor foram colocados à disposição. "Ou seja, ninguém, a partir de então, acredita em direitos adquiridos, garantidos e tantos outros", conclui o pesquisador. (A.R.F)