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Economista defende na Unicamp tese de que
o coração da indústria brasileira continua batendo forte

Pesquisa contesta idéia
de que São Paulo se transformou
em metrópole de serviços

LUIZ SUGIMOTO

O economista Miguel Matteo, autor da tese: "Ninguém pode dizer que a indústria de São Paulo está perdendo importância" (Foto: Antônio Scarpinetti)Desde os anos 1980, corre a idéia de que a indústria da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) tem se esvaído para o interior do Estado ou para outras unidades da federação. O coração da indústria brasileira estaria se transformando na metrópole contemporânea, baseada no setor de serviços, conectada pela tecnologia da informação em uma rede inteligente e integrada de cidades globais.

Indústria demanda
serviços mais sofisticados

A profunda mudança na estrutura do emprego na região, com os trabalhadores de serviços ultrapassando em quantidade os da indústria, alimenta teorias sobre a crise do fordismo e a substituição do setor secundário por um terciário pujante, jovem e empreendedor. Daí, conceitos não muito bem-fundamentados como da “desindustrialização”, “interiorização do desenvolvimento”, “metrópole de serviços”.

Tese de doutorado apresentada no Instituto de Economia (IE) da Unicamp nos alerta, contudo, para certa ilusão de ótica. “Na verdade, é a indústria que continua determinando a dinâmica da economia na metrópole. O setor terciário realmente se desenvolveu bastante, mas em função da indústria, e não ‘apesar’ dela”, afirma o economista Miguel Matteo, autor da tese orientada pelo professor Jorge Ruben Biton Tapia.

Na opinião de Matteo, que chefia a Divisão de Estudos Econômicos da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), a falsa imagem de uma metrópole transmutada se deve em boa parte à grave crise no sistema estatístico nacional no período de 1985 a 1995. “O IBGE quase fechou as portas. Os censos econômicos de 1990 não foram realizados e o censo demográfico só saiu no ano seguinte”, recorda.

Vista da cidade de São Paulo: estudo mostra que ocorreu uma profunda transformação na indústria da RMSP em comparação com as plantas dos anos 70 (Foto: Jorge Maruta/USP)Segundo o economista, novos números levantados no final dos 90 e a exitosa reestruturação do IBGE já mostravam que a indústria da RMSP teima em crescer, apesar das crises econômicas sucessivas e da abertura do mercado. Sua tese sustenta-se principalmente em duas Pesquisas da Atividade Econômica Paulista (Paep) da Fundação Sedae, referentes a 1996 e 2001.

“Ainda no meu mestrado, demonstrei que a anunciada fuga da indústria para o interior era um movimento limitado a um raio de cem quilômetros. O ‘interior’, no caso, forma uma mancha geográfica extremada pelas regiões de Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e a Baixada Santista”, explica.

Esta mancha, que em 1970 concentrava 90% de toda a atividade industrial do Estado de São Paulo, manteve-se neste patamar nos anos 80 e 90. Nas Paep de 1996 e 2001, o resultado foi o mesmo. “Esses 90% equivalem a mais de 40% da atividade industrial brasileira. Ninguém pode dizer que a indústria de São Paulo está perdendo importância”.

Miguel Matteo informa que houve um rearranjo interno, em que municípios como Campinas, Guarulhos, Osasco, Barueri e São José dos Campos ganharam peso, enquanto São Paulo perdeu. “Mesmo a região do ABC, que estaria condenada a virar uma zona fantasma devido à idéia corrente de fuga de indústrias, preservou o mesmo nível de atividade industrial”.

É este quadro que fundamenta a crítica do autor a conceitos como da “desindustrialização” enquanto sugere a fuga de indústrias de São Paulo. “O risco de desindustrialização existe, mas não no sentido espacial, e sim no sentido de a indústria não suportar a concorrência, o dólar baixo, a falta de investimento por conta dos juros altos”.

Renovação – Inegável, como aponta o economista, é a profunda transformação da indústria da RMSP em comparação com as plantas gigantescas e os grandes contingentes de empregados dos anos 70. Por conta da concorrência trazida pela abertura do comércio exterior, que obrigou ao enxugamento de custos, as indústrias passaram a priorizar seu produto principal, terceirizando inúmeras atividades de apoio.

“O faxineiro da Volkswagen está agora numa empresa de serviços, embora varra o mesmo chão de fábrica. O torneiro mecânico é uma profissão em extinção, substituído por robôs e centros de usinagem. Encomenda-se a porta do carro pronta, ao invés de moldar a chapa de aço, assim como inúmeros componentes do automóvel. A montadora foca suas atenções na concepção e na montagem dos veículos”, ilustra o autor.

Matteo observa, por outro lado, que a indústria da Grande São Paulo demanda serviços cada vez mais sofisticados e com grande base de conhecimento, como fabricação de software, programas de gestão e tecnologias inovadoras. “São essas prestadoras que começam a oferecer serviços para a indústria e, depois, para outros segmentos, como na automação de bancos e de supermercados”.

Idéia central – A idéia central defendida na tese de doutorado é que a atual renovação industrial em São Paulo vem sendo possível graças à articulação de um conjunto de inovações produtivas e tecnológicas e à crescente integração com os serviços. “A metrópole paulista é, ainda, uma região que tem seu dinamismo econômico conferido pela indústria, e não pelos serviços”, reitera o economista.

Miguel Matteo ressalta que seu estudo não pretende diminuir a importância da RMSP no setor terciário, sobretudo o mais avançado. “Um setor de serviços tão bem encorpado e sofisticado como o de São Paulo não se reproduz em qualquer lugar. Se pessoas do país inteiro vêm buscar atendimento em hospitais como o Sírio Libanês, Albert Eistein ou Incor, o mesmo acontece em relação aos serviços oferecidos pelas empresas”.

O desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação, conforme Matteo, viabilizou o surgimento de prestadoras de serviços organizadas de forma similar à industrial. “Há a prestadora que atende a outra prestadora, que por sua vez atende a indústria. O encadeamento é tão forte que torna difícil uma definição precisa entre o que é indústria e o que são serviços”.

Histórico – Uma preocupação do autor foi de compreender todo o processo evolutivo que levou a metrópole paulista aos patamares de hoje: desde a economia cafeeira, da qual foi centro administrativo e financeiro, e de onde provieram os capitais e o mercado para sua industrialização, até a formação da Região Metropolitana.

“Há muito mais continuidades do que rupturas neste processo histórico e não se muda a característica de uma região apenas porque a economia está diferente. Dizer que a metrópole industrial virou uma metrópole terciária é simplificar demais a história”, conclui Miguel Matteo.

Fábricas fumacentas que não esfumaçaram

Na tese intitulada Além da metrópole terciária, o economista Miguel Matteo não se limitou a demonstrar a adaptação da economia da Região Metropolitana de São Paulo diante das transformações do capitalismo contemporâneo – ao invés do propalado surgimento de uma nova metrópole. Ele também questiona conceitos relacionados com a divisão territorial da economia paulista, como “descentralização concentrada”, “interiorização do desenvolvimento” e “city region”.

Tais conceitos, na opinião do autor, levam a equívocos como o de identificar o “interior” como uma região em contraposição à RMSP. “A economia da metrópole só pode ser entendida quando se contextualiza sua inserção na macro-metrópole paulista, dada a formação de uma densa aglomeração econômica, que, ao contrário de se contrapor à RMSP, a complementa”.

Referindo-se à mancha geográfica que se estende a cidades como Santos e Cubatão, Campinas, Jundiaí, Piracicaba e Limeira, Jacareí e São José dos Campos, e Sorocaba e Itu, o autor da tese lembra que esta macro-região tem uma participação importante nas transformações ocorridas na economia da metrópole, abrigando muitas das fábricas de chaminés fumacentas e máquinas barulhentas que de lá estão desaparecendo.

“Diante da valorização imobiliária, ficou impossível para a Kopenhagen manter sua fábrica no Itaim Bibi. Vendeu um quarteirão inteiro para uma incorporadora e se instalou na região de Campinas, mas mantendo-se perto do seu grande mercado consumidor”, exemplifica Matteo.

O economista ressalta, porém, que nem todas as grandes indústrias estão saindo da metrópole, que ainda concentra, por exemplo, dois terços do setor de confecções do Estado, empregando desde a costureira de Ermelino Matarazzo até o estilista da São Paulo Fashion Week. “Além disso, enxergamos apenas as que saem, pois aquelas que entram não fazem barulho, como as de cosméticos, farmacêuticas, mecânica de precisão e automação eletrônica. Nem parecem indústrias”.

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