| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 385 - 18 a 24 de fevereiro de 2008
Leia nesta edição
Capa
Afásicos
Arte cósmica
Cidadania
Cooperação
Soro de leite
Metrópoles
São Paulo
Gordura alimentícia
Coloração de embutidos
Mielomeningocele
Transplantes
Teses
Livro da semana
Unicamp na mídia
Portal Unicamp
Bondes de Campinas
 


3

Artista plástico português concebe projeto
para reforma da área do antigo Observatório a Olho Nu

A arte cósmica de Eduardo Nery

MANUEL ALVES FILHO

O artista plástico português Eduardo Nery durante visita ao Museu Exploratório de Ciências: privilegiando a relação entre arte e ciência (Foto: Antônio Scarpinetti)No final de janeiro último, o artista plástico português Eduardo Nery, um dos mais prestigiados do seu país, visitou a Unicamp. Veio conhecer o espaço onde funciona o Museu Exploratório de Ciências, mais especificamente a área do antigo Observatório a Olho Nu, construído na década de 80. Lá, ele deverá realizar sua primeira obra em terras brasileiras, dentro do que se convencionou chamar de “arte pública”, embora o próprio Nery não aprecie muito o termo. “Prefiro chamar de arte inserida na arquitetura”, justifica. A idéia do artista, cujos detalhes serão definidos nas próximas semanas, é instalar uma praça no local. O principal material a ser empregado, adianta, é o mosaico português. “Um dos vetores mais importantes da minha obra é o sentido cósmico. Como aquele espaço nasceu para ser um observatório a olho nu, pensei desde logo que haveria uma forte razão para que eu trabalhasse esse tema. Felizmente, a proposta recebeu o apoio da Universidade”, acrescenta.

Local deve abrigar praça com mosaicos portugueses

Nery chegou à Unicamp por intermédio da professora Lygia Eluf, do Instituto de Artes (IA). Embora já conhecesse a obra do artista plástico, ela o encontrou pessoalmente apenas no final do ano passado, em Portugal. Na oportunidade, a docente o convidou para visitar a Universidade. No seu retorno ao país, Lygia tomou conhecimento da liberação de recursos para a reforma física do Museu Exploratório de Ciências. Imaginou, então, que essa intervenção poderia contemplar um trabalho de Nery. Após algumas conversações, outro convite foi formulado e o artista finalmente veio conhecer espaço e pessoas. Em sua estada em Campinas, ele encontrou-se, entre outros, com o reitor José Tadeu Jorge e com o professor Marcelo Knobel, coordenador do Museu. “Senti um grande entusiasmo por parte de todos. O próximo passo é fazer um esboço do projeto e submetê-lo à apreciação da Unicamp. Caso seja aprovado, aí sim farei o projeto final. Até lá, a Universidade se ocupará de questões práticas, como a obtenção de recursos para financiar a obra”, diz.

Segundo o que foi acordado, Nery deverá retornar à Unicamp no início de março. Até lá, a Universidade buscará financiamento para a obra. Uma das idéias é envolver no projeto a comunidade portuguesa de Campinas e região. De acordo com o calendário apresentado ao artista plástico, a praça seria inaugurada no dia 12 de julho, acompanhada de uma exposição sua. Entre as obras de Nery, destaca-se um painel imenso executado no Aeroporto de Macau, na China. Na entrevista que segue, ele fala sobre o trabalho que pretende fazer na Unicamp, arte pública e a relação entre ciência e arte.

Jornal da Unicamp – Qual a razão da sua visita à Unicamp?
Eduardo Nery – Primeiramente, vim para conhecer o espaço, mas também para conhecer as pessoas. Não se consegue resolver nada sem ver entusiasmo nas pessoas e sem estarmos sintonizados nos objetivos, prioridades e prazos. Algumas coisas são concretas, como os prazos e o dinheiro. Outras, igualmente importantes, são as relações entre as pessoas. Acho que a relação foi muito rica. Saio daqui com a sensação de que todos estão entusiasmados.

JU – Já tem idéia de que obra fará aqui?
Nery – Minha visita durou apenas três dias. A idéia que trouxe não é mais a mesma, mas na minha cabeça já está tudo muito claro do que quero fazer.

JU – Pode adiantar algo sobre sua idéia?
N
ery – Em relação à praça, ela é um círculo. Como lá haverá muitos experimentos, isso tornará meu trabalho mais difícil. Lutei para ter uma parte relativamente livre, mas vou tratar o espaço todo como se não fosse haver experimentos, para sentir que existe uma unidade. E essa unidade começa logo com um grande círculo com estrelas. Sempre tive um grande interesse pela ciência. Sempre trabalhei a relação entre arte e ciência ao longo do tempo. Um dos vetores mais importantes da minha obra é o sentido cósmico. Tenho uma paixão pela astronomia. Perguntei se isso seria um bom tema para trabalhar, e recebi apoio. Achei que havia uma razão forte para isso. Além disso, fui informado que aquele espaço nasceu para ser um observatório a olho nu. É um lugar que senti como mágico. Sei que isso tudo é muito subjetivo, mas a arte é subjetiva.

JU – Como percebeu o espaço?
Nery – Eu terei pouco espaço para tratar. Mesmo assim, vou tratar uma parte como se fosse o dia, com áreas de penumbra que vão se encaminhando para o preto. O preto, claro, é ligado à noite. Haverá também um sol. No local, há os pontos cardeais e há uma rosa dos ventos marcada no chão. É provável que a mantenha. Imaginei também que a praça, que está localizada num ponto acima do Museu, deveria expandir-se, começando pelos taludes. A base é mais larga que em cima. Neste momento, o local tem grama e terra. Na parte debaixo, quero propor que a intervenção seja maior. Mas, por enquanto, é somente uma intenção, em razão dos prazos curtos. Em cima, vou usar cores intensas em uma parte pequena. Também vou usar uma técnica mais ou menos tradicional de mosaico, também com cor. Nas áreas maiores, dominarão o preto e o branco. Aqui no Brasil, essa técnica é chamada de calçada portuguesa, mas eu a chamo de calçada mosaico. Ou seja, a pedra vai dominar.

JU – Pelo que percebo, é uma intervenção grande. O senhor trabalha com uma equipe? Pensa em usar mão-de-obra local?
Nery – Esse é um ponto fundamental. Embora a concepção do trabalho seja individual, não sou eu que o executo, nem seria possível. Conheci aqui uma portuguesa – isso foi coincidência -, de nome Isabel Ruas, que tem uma oficina de mosaico em São Paulo. Estive com ela e conversamos sobre as várias possibilidades. Uma exigência, por exemplo, é o uso de material que não seja escorregadio e que não proporcione a formação de poças d’água. Ou seja, tenho que pensar em coisas práticas e concretas e em outras mais mágicas. Todos esses aspectos não são fáceis de articular, em vista dos prazos.

JU – Como pretende dar conta de tudo isso dentro dos prazos estabelecidos?
Nery – Minha idéia é retornar no início de março, quando as coisas aqui estiverem mais estruturadas, já com um esboço muito próximo do real. Em seguida, desenvolvo o projeto propriamente dito. Nesse meio tempo, vamos mantendo contato. Já estou pedindo para que cálculos sejam feitos. Começarei a trabalhar logo que tiver oportunidade. Nessa minha volta, já poderei ter uma primeira aprovação do meu trabalho.

JU – Essa seria a sua primeira obra no Brasil?
Nery – Sim, mas espero que possa fazer outras. A expectativa é positiva. Claro que precisamos resolver algumas questões, inclusive a questão dos recursos. Mas estamos otimistas. Eu propus que no futuro, e nisso eu não preciso estar envolvido, a arquitetura paisagística da praça seja um elemento importante. As árvores, os bancos etc precisam participar do mesmo jogo.

JU – Gostaria que o senhor falasse um pouco do conceito de arte pública. Como tem sido sua experiência dentro dela?
Nery – Arte pública é um termo equivocado, pois dá margem a confusões. Há obras que efetivamente são para espaços públicos. Portanto, todos podem ver. Mas há coisas que estão associadas à arquitetura e que não são públicas; ou são semipúblicas. Alguns espaços, por exemplo, têm um guarda na porta que controla a entrada das pessoas e que não permite que determinada dependência seja fotografada. E ainda há as casas particulares, que também contam com a arte associada à arquitetura. Ou seja, há uma fronteira a se definir. Num plano urbano, penso que é mesmo arte pública. Eu costumo dizer que trabalho com arquitetura ou espaço urbano. Tenho ao longo dos anos trabalhado com obras mais do domínio privado, como a tapeçaria. Também costumo pintar e fotografar. Em relação à arte pública, que eu prefiro chamar de arte inserida na arquitetura, tenho trabalhado mais com azulejo. A cultura portuguesa está envolvida com esse material desde o século 16. Eu próprio acabo de escrever um livro sobre a estética do azulejo.

JU – É possível se falar em função da arte pública?
Nery – Não é fácil falar sobre isso, porque pouco se sabe a respeito. Tenho me perguntado ao longo da minha vida por que não há estudos antropológicos ou sociológicos da arte. Muitos jovens estão à procura de um tema para uma tese, e a tese poderia ser essa. Estudar e entrevistar as pessoas, para ver como elas reagem à determinada obra. Tenho analisado isso por minha intuição. Em Macau, no aeroporto, estou convencido de que o que mais tocou as pessoas foi a cor, embora a obra contemple temas ligados à cultura chinesa e portuguesa. Mas creio que o que mais contou foi a vibração da cor.

As pessoas têm vidas tão chatas, tem cotidianos tão pesados, que a arte tem papel importante para melhorar o cotidiano delas. Não estou dizendo que isso resolva os problemas, claro que não. Mas ajuda. Por hipótese, se tirassem minhas obras do lugar, penso que as pessoas sentiriam falta, porque aquilo entrou na vida delas, mesmo que pela via do inconsciente. Existe um viaduto enorme em Lisboa, com dois mil metros quadrados, no qual trabalhei. Antes eram paredes cinzentas, inóspitas, mas que agora estão cheias de cor. As pessoas passam ali, e aquilo entra no seu viver. É difícil dizer mais do que isso, pois não há estudos. É tudo muito subjetivo.

JU – A percepção muda de uma pessoa para outra, não?
Nery – Sim. É tudo subjetivo. As pessoas podem pensar que o vermelho tem a ver com o Partido Comunista ou com o clube de futebol Benfica, por exemplo. Portanto, há interpretações que muitas vezes não têm nada a ver com o artista. As pessoas têm preconceitos, idéias feitas etc. Estudos internacionais sobre preferência de cor indicam que o laranja é um dos preferidos das pessoas. No entanto, o laranja está ligado a um partido político de Portugal. Se eu utilizá-lo, podem pensar que tenho simpatia por esse partido. A esmagadora maioria das pessoas não tem contato com as artes plásticas. Não vão a museus e não vão às galerias de arte por uma série de motivos. O artista, ao fazer a arte vir cá para fora, está em contato tanto com pessoas com muita exigência quanto com pessoas que não têm qualquer contato com as artes plásticas. Por isso, esse diálogo é sempre difícil, mas não é impossível. O diálogo é sempre por aproximação. Não posso ter segurança. Faço o meu melhor, julgo tocar as pessoas, mas não posso assegurar que isso de fato aconteça.

JU – No Brasil, há um movimento em busca do resgate de espaços públicos degradados que se vale do grafite. Este poderia ser considerado uma expressão de arte pública?
Nery – Eu não sou um defensor do grafite, embora reconheça que há pintores muito bons dentro do gênero. Vou falar de Portugal, que conheço. Infelizmente, há muita gente que só suja e estraga paredes, portas. Há sítios que eram lindíssimos em Lisboa, emblemáticos para os turistas e para nós, que foram grafitados. Para mim, isso é poluição visual. É poluição visual porque não tem estrutura, sentido poético ou comunicação. Mas repito: há bons artistas do grafite, mas são poucos. Eu tenho várias obras vandalizadas. Eu cito isso não só como autor, mas como homem de cultura.

JU – O senhor tem uma crítica à massificação da arquitetura. Poderia explicá-la?
N
ery – Efetivamente, além da degradação de certas zonas das cidades, há uma massificação da arquitetura. A arquitetura é feita em série. As pessoas sentem-se mal nesse ambiente. Elas não se identificam com isso. Uma pessoa que foi retirada de um bairro, que tinha uma pequena casinha com quintal, e é metida num daqueles prédios apertados e todos iguais, sente-se mal. As pessoas sentem-se segregadas, atiradas em outro tipo de bairro. Nesse caso, o artista plástico poderia ter papel importante, se as prefeituras tivessem a percepção de que ele pode intervir no espaço. Isso seria motivo de diferenciação.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2008 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP