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Obra de José Tonezzi aborda aspectos teóricos
e metodológicos de trabalho pioneiro desenvolvido no IEL

Em livro, ator-diretor leva
teatro ao mundo dos afásicos

CARMO GALLO NETTO

O ator, diretor e professor José Tonezzi: "Fui levado a entender que as limitações podem não ser um obstáculo e sim uma solução, uma matéria-prima"  (Foto: Antoninho Perri)Resultante inicial da dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, em 2003, decorrente por sua vez dos sete anos de experiências de utilização do teatro no trabalho com afásicos, o livro recém-lançado por José Tonezzi, Distúrbios de Linguagem e Teatro: o Afásico em Cena, incorpora também reflexões e experiências que o influenciaram como ator e diretor de teatro.

Dissertação de mestrado
deu origem ao trabalho

A obra aborda aspectos teóricos e metodológicos de um trabalho pioneiro desenvolvido no Centro de Convivência de Afásicos (CCA), espaço de interação de pessoas afásicas e não-afásicas, ligado ao Laboratório de Neurolingüística do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp.

Tonezzi é bacharel em Artes Cênicas e mestre em Psicologia Educacional pela Universidade. Premiado em vários festivais nacionais de teatro, participou de eventos teatrais no exterior e, mais recentemente, de um estágio na França. Atualmente, é professor de pós-graduação da Universidade de Franca (Unifran) e doutorando em Teoria e Técnica Teatral pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).

As afasias são problemas de linguagem decorrentes de lesão cerebral que afetam pessoas sem queixas de ordem neurológica com relação à suas condições lingüístico-discursivas. Resultam principalmente de acidente vascular cerebral (AVC), traumatismos cranianos e tumores. Manifesta-se em vários graus, que vão da dificuldade de compreensão à da fala, mais manifesta.

Em vista do papel da linguagem em praticamente todas as esferas da vida social, não é difícil imaginar a série de questões pessoais, profissionais, emocionais, entre outras, com que se depara a pessoa afásica, agravadas pelo preconceito, pelo isolamento social e pelo esforço que deve levar a cabo para se comunicar e fazer valer seu direito à expressão.

Tonezzi mostra no livro como levou o teatro a um grupo de afásicos, oferecendo uma maneira de explorar a linguagem e a comunicação entre eles, além de lhes recuperar a segurança e a auto-estima. Sem subestimá-los e sem temer que se deparassem com suas incapacidades e limitações, proporcionou-lhes desafios que o tempo fez menores e mais fáceis de conduzir.

Primórdios – Ele lembra que, ao começar a trabalhar no CCA, não sabia o que era afasia e foi orientado para trabalhar como se as pessoas tivessem problemas comuns a quaisquer grupos, pois todas as pessoas têm dificuldades e deficiências que precisam ser superadas, o que o levou a encarar o grupo como um profissional de artes cênicas. Para ele, “esse primeiro passo foi primordial e tinha em vista um horizonte bem inovador para a época”.

Como é comum no trabalho com teatro, Tonezzi estabeleceu um programa de exercícios de iniciação teatral destinado a pessoas que nunca fizeram teatro e que têm como intuito a integração, a dinâmica, o jogo, o conhecimento, o autoconhecimento, a expressividade, a representação e a improvisação, que se desenvolvem num crescendo. Conta que, como em qualquer outro grupo, foi descobrindo as características e as dificuldades de cada um, que ali se revelaram mais sensíveis. Aprendeu a trabalhar o tempo do entendimento e do desenvolvimento individual e também o tempo da apropriação e do processamento de cada um e de todos.

Durante os primeiros anos, não teve preocupações acadêmicas e as reflexões sobre o trabalho vieram posteriormente, com o estímulo de colegas ligados ao CCA, gerando uma dissertação de mestrado em que procurou expor a possibilidade da intersecção do teatro com o problema da afasia, que basicamente se situa na comunicação e na expressão.

Reflexões – Tonezzi entende que as afasias se constituem um terreno muito rico para uma reflexão do próprio teatro, justamente porque ela incide na questão da linguagem, da expressão e da comunicação, que costumeiramente o ator tem que dominar. Daí, diz ele: “Como fazer essa intersecção e admitir também, por que não, que a pessoa afásica tem potencial artístico? Trago, então, esse questionamento para o âmbito de teatro e o teatro para o âmbito das afasias, da linguagem. Resvalo em questões bastante contemporâneas das artes em geral e do teatro especificamente, porque no século XX o artista cênico não é mais o ator convencional, aquele que apenas representa um papel a partir de um texto estabelecido. O artista cênico adquire outro estatuto: tem a performance, o happening, o entrecruzar de linguagens – do teatro com a dança, com a música, com as artes circenses, com as artes plásticas –, o que vai gerar um espaço híbrido das artes em que o sujeito pode ser ele mesmo, desde que mostre sensibilidade e capacidade”.

A partir do próprio trabalho com os afásicos, o diretor de teatro começou a enxergar outras possibilidades da cena além da visão convencional: “Passei a ver nas dificuldades e limitações humanas não mais um obstáculo, mas uma rica matéria, o que abriu em meu trabalho um novo horizonte de possibilidades”.

Afirmou ainda que o contato com os afásicos o levou a perceber o quanto se pode com o teatro acrescentar à vida dessas pessoas e quanto elas podem, por sua vez, contribuir para o teatro. “Com essas constatações, fui levado a entender que as limitações podem não ser um obstáculo e sim uma solução, uma matéria-prima”.

O livro começa com uma frase de um dos integrantes do grupo de afásicos: “[...] Histórias, parecidas, parecidas, com eu, com ele, parecidas... mas próprias, cada uma é própria! Por que essa particularidade? Porque as pessoas são diferentes! Diferentes!”. A citação, segundo Tonezzi, "mostra uma consciência que a gente muitas vezes não tem, ou perdeu, de que o que faz a riqueza tanto nossa individualmente quanto a riqueza das relações sociais é justamente o fato de sermos diferentes um do outro".

Trecho

Quando convidado a trabalhar no CCA, não fazia idéia do que seria a afasia. Claro, já tinha visto pessoas com a parte do corpo paralisada, que caminhavam arrastando uma perna, e sempre relacionava isso a algum tipo de “paralisia infantil”. Também havia conhecido pessoas com dificuldade em se expressar ou em entender, mas isso para mim dizia respeito a “problemas da cabeça”. Eu fazia parte de um coro social que, desinformado e sem nenhum contato com alguém naquelas condições, preferia obviamente “deixar isso pra lá”.

Ao deparar com aquelas pessoas, afásicas e não afásicas, empenhadas em expor, investigar e trocar informações sobre a afasia, senti-me bastante deslocado, obviamente em função de minha ignorância a respeito do assunto. Considerava (e com razão) que o tema levava a algo apaixonante, porém, complexo e ainda quase desconhecido: o cérebro humano. Para mim, as dúvidas continuam imensas e consola-me o fato de saber que, sobre o cérebro, continua havendo mais dúvidas do que respostas.

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