| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição Especial 382 - 3 a 9 de dezembro de 2007
Leia nesta edição
Capa
Opinião: José Tadeu Jorge
Rede da elite acadêmica
Espectro do ranking
Berço da pesquisa
Celeiro de cérebros
Impacto social
O papel da universidade pública
A Unicamp de fora
Inovação internacional
Cidadãos de todas as latitudes
 


4

Revisão de critérios amplia espectro do ranking

ÁLVARO KASSAB

O inglês Ben Sowter, coordenador do ranking organizado pela QS Quacquarelli Symonds e publicado no The Times Higher Education Supplement, vê a inclusão da USP e da Unicamp como uma das surpresas da lista. No caso da Unicamp, Sowter sugere que a Universidade já poderia estar no ranking caso tivessem sido adotados, em edições anteriores, critérios introduzidos no último levantamento. Na entrevista que segue, Sowter revela as novidades do ranqueamento e analisa os rumos da universidade contemporânea.

Jornal da Unicamp – Em que medida este ranking pode ser um indicador dos rumos da universidade contemporânea?

Ben Sowter – Toda lista classificatória tem de fazer concessões de alguma natureza. Fatores sujeitos à mensuração e à disponibilidade de dados influenciam decisões estratégicas tomadas no decorrer da confecção das tabelas. Não são raros os casos em que muitas das virtudes das universidades não são passíveis de avaliação por tabelas classificatórias.

De um modo geral, essas classificações estabelecem, de uma maneira razoavelmente forte, uma correlação com a percepção de qualidade no meio industrial, de modo que, como um indicador genérico, tais ranqueamentos são consistentes. As alterações na metodologia empregada este ano devem servir para estabilizar os resultados a cada ano, e fazer da classificação um importante instrumento a ser sempre usado como um componente no âmbito de uma decisão complexa.

JU – O que faz do ranking do Higher Education Supplement diferente dos demais?

Sowter – Há três sistemas internacionais classificatórios de universidades de maior importância. Acredito que aquilo que diferencia o do The Times dos demais é o fato de ele ser focado numa abordagem voltada a linhas das ciências sociais ao invés de apenas na chamada ciência pura. Os componentes são singulares em nosso trabalho – pelo menos no contexto internacional. Prevêem uma classificação mais inclusiva, que abarca instituições menos conhecidas, sediadas às vezes em países que aparentemente não teriam chances de figurar no levantamento. Vale lembrar que 28 nações estão representadas entre nossos 200 melhores classificados.

JU – O levantamento entrou na sua quarta edição. Quais foram as mudanças mais significativas registradas ao longo desse período de quatro anos?

Sowter – O exercício em si vem ganhando reconhecimento e, portanto, os coeficientes de participação nunca foram tão grandes, assim como a massa de dados recolhidos nas universidades. A equipe que dá suporte a esse trabalho cresceu consideravelmente, levando a um maior empenho na verificação e validação dos resultados. A análise dos empregadores foi incluída em 2005 e tem sido reforçada a cada ano – em 2007, mudamos a verificação de citações para o banco de dados da Scopus [empresa cuja sede fica na Holanda], o que nos permitiu agregar um serviço de inteligência à força-tarefa de pesquisa de 127 instituições.

JU – O ranking revela uma assimetria entre os indicadores das instituições de países ricos e das nações em desenvolvimento. Entre as 200 contempladas, por exemplo, temos apenas quatro instituições baseadas em três países em desenvolvimento. É possível reverter essa realidade? Se sim, de que maneira? 

Sowter – Acredito que isso seja até certo ponto inevitável, muito embora esse fenômeno se manifeste em menor grau em nossas classificações do que em outras. Dinheiro é um forte atrativo para os pesquisadores mais destacados, e os países mais abastados, aos quais você se refere, são também, em geral, destinos historicamente procurados por estudantes estrangeiros. Alguns desses países mais prósperos também têm o inglês como língua nativa, o que lhes dá uma vantagem nos círculos acadêmicos.

Estamos trabalhando na tradução de nossas pesquisas em mais línguas – inglês e espanhol são as opções do momento – podendo, assim, levá-las a novas regiões do mundo. De um modo geral, fazer parte dessas classificações é um grande desafio para as universidades de países em desenvolvimento e um grande crédito para as poucas que conseguem.

JU – O aumento da demanda por acesso a universidades de qualidade é uma tendência mundial. Há quem veja nos cursos mais curtos, voltados para o mercado e mais especializados, uma saída para o impasse. O senhor concorda com essa opção?  Como resolver esta equação?

Sowter – Sob certa perspectiva, estar apto a fazer esses cursos numa universidade renomada aumentaria o acesso às melhores “grifes” educacionais. Qual seria, entretanto, seu custo? Cursos vocacionais, com os graus de especialização que você menciona, podem ser ótimos para o desenvolvimento de determinado conjunto de habilidades, não se constituindo, porém, um benefício para a educação da sociedade como um todo – certamente não às custas de graus plenos.

O que é possível tornar-se realidade é que, particularmente em relação aos países desenvolvidos, um bacharelado não proverá adequado discernimento entre aqueles que estão em busca de emprego. Haverá uma luta para que seja “adornado” o currículo educacional – uns optarão por programas de MBA, masters ou PhD; por outro lado, muitos buscarão um remédio mais rápido proporcionado, por exemplo, por um curso profissionalizante de curta duração.

JU – O senhor concorda com a tese de que é preciso romper as barreiras departamentais?

Sowter – Ah... Convergência! Não creio que “barreira” seja um termo apropriado – apesar de que, muitas vezes, possa dar essa impressão. O conhecimento precisa ser decomposto em unidades para que possamos administrá-lo e levá-lo adiante. E eu não tenho expectativas de ver uma mudança no modo em que as universidades são estruturadas. Aquelas que conseguirem serão as mais aptas a estabelecer uma sinergia.

O ambiente acadêmico ideal poderia assemelhar-se a uma série de células adjuntas separadas por membranas, sendo o “combustível” individualmente por elas requerido – o conhecimento – trocado por osmose. As zonas fronteiriças devem existir simplesmente para a administração de pessoas e organizações, mas não deveriam ser vistas ou usadas como barreiras.

JU – Nesse contexto, especialistas apontam uma situação paradoxal: apesar de todo o avanço da ciência, a maior parte gerado nas próprias instituições de ensino superior, a universidade não está conseguindo acompanhar a evolução do conhecimento. Isso de fato acontece? Qual seria o modelo ideal?

Sowter – Penso ter, de certa forma, abordado isso em minha resposta anterior, mas entendo que o foco não deveria estar no nível da universidade, mas na comunidade acadêmica, em todas as nações e no âmbito das disciplinas. Creio que o melhor ambiente, tanto para o sucesso institucional como para o aprimoramento da sociedade, deveria ser o da “competição colaborativa”, – se dois laboratórios trabalham objetivando a cura do câncer, até alcançá-lo existe uma série de passos a serem dados.

As descobertas feitas ao longo desse caminho precisam ser reveladas integralmente, tendo em vista que o outro laboratório pode estar em melhor posição para dar o próximo passo. É preciso sentir-se à vontade para ver reconhecido cada pequeno passo, mas não interromper o progresso na busca da grande vitória.

JU – Guardando as peculiaridades de cada país, a dicotomia financiamento público e privado é recorrente. Na sua opinião, qual é o papel do Estado e o da empresa no financiamento da pesquisa e do ensino?

Sowter – Acredito que o fato dessas instâncias assumirem uma abordagem mais personalista está de acordo com os interesses das universidades – a competição move o progresso, e os governos necessitam que seus setores de educação superior sejam competitivos para gerar capital humano e pesquisa para impulsionar o crescimento econômico. As companhias, por sua vez, precisam de idéias e pessoas capazes de gerar renda direta e indireta.

O setor privado provavelmente só exercerá um papel nesse crescimento na medida em que recursos estatais sejam estendidos a mais universidades e estudantes. A dificuldade está em avaliar e priorizar fatores que trazem menos benefícios diretos – muitos governos vêem a engenharia, a ciência e a tecnologia como áreas fundamentais de investimento, mas desvalorizam as artes e humanidades em termos de contribuição para o progresso social. Não obstante a urgência aplicada pela maioria dos sistemas democráticos, os governos deveriam tentar resistir ao esforço para o sucesso rápido se este vem em detrimento dos ganhos de longo prazo.

JU – O ranking aponta que as universidades mais bem-sucedidas são aquelas que conseguem conectar-se a uma economia que investe e premia o conhecimento novo, sobretudo por meio de patentes. O processo de obtenção de patentes, entretanto, é invariavelmente caro e depende de investimentos na maioria dos países. Ademais, em muitos países – Brasil, inclusive – falta aproximação entre a indústria e a academia. O que é preciso fazer para que os processos que geram a inovação sejam difundidos e barateados?

Sowter – Sucesso em muitos campos é um ciclo virtuoso. Não é diferente entre as universidades. Sucesso atrai dinheiro, que paga pessoas e instalações, que por sua vez facilitam o sucesso. Esses fatores disparam o efeito “bola-de-neve”. Atualmente, a inovação é um componente fundamental do sucesso – uma vez alcançado, o dinheiro para a requisição de patente é obtido. Mas como chegar lá? Bem, ainda depende da produção de trabalho excelente e de promover sua implementação.

Conheci, há pouco tempo, um empreendedor do setor de eletrônica que me disse não se importar em obter a patente. Segundo ele, no momento em que conseguem a patente, a tecnologia já está obsoleta. Ademais, ele me disse que a China está fabricando versões mais baratas de seus produtos. O empresário acreditava que a vida útil de um novo produto era de, no máximo, 9 meses.

O melhor exemplo de incremento à inovação numa universidade foi a que vi na Universidade Politécnica de Hong Kong, onde eles realizavam pesquisa acerca dos estágios iniciais do desenvolvimento de produtos. Os investidores não vêem somente equações, mas também a aplicação de uma ciência parcialmente desenvolvida – eles têm no campus o que chamam de “casa da inovação”, que usam para abrigar eventos públicos e está aberta ao público diariamente. Muitas lideranças do mundo dos negócios não são cientistas – a abordagem adotada por esta universidade faz com que os riscos em que incorrem os empresários sejam muito menores, o que comprova ser uma estratégia muito eficaz para atrair investimentos.

JU – Na sua opinião, o que o ranking apontou de mais surpreendente?

Sowter – Uma surpresa consistente é a de que um maior número de universidades da Europa continental não se apresentam com maior brilho em nossa metodologia. Instituições britânicas, australianas e holandesas apresentam, talvez, um desempenho mais vigoroso do que o esperado – a inclusão de duas instituições brasileiras dentre as 200 melhores foi definitivamente uma agradável surpresa. Maior surpresa, ainda, não foi tanto os resultados mas a variedade de reações evocadas.

JU – A Unicamp saltou da 448ª para 177ª lugar no ranking? A que o senhor atribui esse desempenho?

Sowter – Desde o lançamento do ranking, em 2004, detectaram-se oscilações na análise comparativa de dados finais de diferentes edições. Isso nos chamou a atenção para a ocorrência de eventuais falhas na nossa metodologia. Passamos então a desenvolver um intenso trabalho visando estabilizar os resultados subseqüentes. O salto do 448o lugar para o 177o. foi, inquestionavelmente, muito expressivo. Tal fato, entretanto, pode ser uma evidência, em certa medida, de que nossos dados não foram suficientes para a avaliação do desempenho da Unicamp nas edições anteriores, ou seja, mascararam a sua real condição.

JU – Para onde caminha a universidade do século 21?

Sowter – Penso que instituições de segundo escalão vão se especializar, tornando-se excelentes em, pelo menos, uma área; a pesquisa continuará sendo o foco das melhores universidades; haverá uma indistinção das áreas limítrofes entre disciplinas, setores, instituições e mesmo entre nações; e o número de estudantes, em proporção, continuará a aumentar com um particular foco na educação de pós-graduação.

Tradução: Luis Antônio Vivarelli Curti

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2007 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP