Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 311 - de 5 a 18 de dezembro de 2005
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ARTIGO

Avaliação da pesquisa de interesse social



André Furtado é professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.   (Foto: Antoninho Perri)ANDRÉ FURTADO

O casamento entre pesquisa acadêmica e interesse social não é tão simples assim. Muita da pesquisa nas universidades se faz na fronteira do conhecimento, quando a aplicação tecnológica ainda constitui uma conjectura distante. Ademais, muitos dos problemas sociais requerem mais investimentos em infra-estrutura do que grandes avanços na pesquisa, porque as tecnologias já estão disponíveis. Este é o caso do saneamento básico no Brasil. O número de domicílios brasileiros atendidos pela rede de esgoto era de 33,5% e essa cobertura tem crescido relativamente pouco desde 1990. Existe uma profunda desigualdade na cobertura regional, sendo que o Sudeste conta com 53% dos domicílios com esgotamento, ao passo que essa cobertura é de 17% no Nordeste e apenas de 2,4% na região Norte do país. A falta de saneamento é um grave problema de saúde pública para a população brasileira e causa, ademais, um sobrecusto em termos de captação de água potável e de deterioração das condições ambientais dos aglomerados urbanos. A solução desse problema reside principalmente na realização de um grande volume de investimento estimado em R$ 180 bilhões.

A falta de investimento não significa que o problema do saneamento possa ser solucionado prescindindo do aporte de ciência e tecnologia local. Na realidade, embora alguns conceitos tecnológicos encontrem ampla aceitação internacional, a sua adequação ao ambiente socioeconômico e cultural brasileiro ainda necessita ser realizada. A aplicação de conceitos existentes em escalas menores ou o desenvolvimento de tecnologias de menor custo para atender comunidades isoladas ainda precisam ser realizados para tornar a difusão de tecnologias de saneamento efetiva em todo o território nacional.

Esse esforço tecnológico, por desinteresse do setor produtivo (público e privado), deve ser feito pela comunidade acadêmica. Foi com esse propósito que nasceu, em 1996, o Prosab - Programa de Saneamento Básico apoiado pela Finep, CNPq, Funasa e Caixa Econômica Federal. O Programa, desde o primeiro edital, se estruturou em quatro grandes áreas: água, esgoto, lodo e lixo. A singularidade desse Programa foi de buscar constituir redes temáticas, coordenadas por uma instituição líder e organizada em torno de temas definidos em cada edital. Até o momento foram lançados quatro editais e a partir de 2001, o Prosab passou a contar com recursos do CTHidro.

Em 2003, a Finep preocupada em receber uma visão externa dos resultados e impactos do programa contratou a equipe do Geopi/DPCT/IG/Unicamp para que realizasse uma avaliação do Prosab. Os resultados desse estudo foram publicados em relatório recente encaminhado à Finep. A equipe do DPCT desenvolveu uma metodologia de avaliação multidimensional que buscou captar os efeitos mais amplos possíveis engendrados pelo programa tecnológico.

Foram investidos em 71 projetos dos três primeiros editais aproximadamente 20 milhões de reais. Esses projetos foram quase todos executados em universidades públicas federais e estaduais. De uma amostra de 33 projetos estudados em detalhe pela pesquisa, observou-se que os projetos receberam em média R$ 144 mil da Finep destinados à compra de equipamentos e ao custeio (Tabela 1). Outra parte importante proveio das bolsas destinadas a alunos de graduação, ao treinamento e à contratação de recursos humanos qualificados. A Caixa Econômica também destinou recursos para a publicação dos resultados na forma de livros. Esses recursos, principalmente os destinados a recursos humanos, cobriram parcialmente os gastos efetuados, na medida em que não financiaram diretamente a formação de alunos de pós-graduação.

Embora o Programa tivesse um claro viés tecnológico, foi pelo lado científico que seus resultados tiveram maior expressão. Deve-se salientar que o Prosab tinha como objetivo difundir conhecimentos relacionados ao uso de novas tecnologias de saneamento básico no país. A produtividade medida em termos de publicação foi bastante homogênea entre as áreas do Programa. Outra importante forma de produtividade de um programa tecnológico executado por universidades consiste na formação de recursos humanos. O número de pessoas tituladas por projetos foi expressivo – nada menos que 4,21 pessoas em média tituladas em nível de graduação e pós-graduação, sendo que 90% em nível de pós-graduação. Isso demonstra que esse tipo de formação é importante característica de projetos executados por universidades.

A produtividade tecnológica, embora de menor intensidade, foi também significativa. Os projetos do Prosab geraram em média 1,7 resultados tecnológicos, entre novos produtos, processos, metodologias e outros. Apesar de o Prosab ter gerado 9 novos produtos e 23 novos processos, apenas um processo para tratamento de águas residuárias foi objeto de um pedido de patente de invenção no INPI. Isso demonstra, de um lado, a pouca propensão em patentear no Brasil e o caráter limitado desse indicador em medir a produção tecnológica, e, de outro, o caráter incremental do novo conhecimento engendrado pelo Programa. Algumas áreas se mostraram mais propensas do que outras na capacidade de proporcionar novos produtos, denotando uma maior consolidação da área de esgoto no país, seguida da de lodo. São apropriadamente as áreas em que o país acumula maiores necessidades, revelando que a comunidade científica nacional vem buscando atender aos anseios da sociedade brasileira.

Uma das questões fundamentais para a concretização dos impactos da pesquisa acadêmica reside ainda no baixo aproveitamento do conhecimento gerado na academia pelo sistema socioeconômico. Uma das razões principais reside na baixa taxa de investimento do país na área de saneamento básico. Ainda assim cada projeto contou em média com uma tentativa de transferência de tecnologia para o mercado. Porém, a taxa de sucesso dessa transferência, medida como o número de casos de implantação em escala real sobre o número de intentos no Prosab, ficou em 47%.

Existem obviamente dificuldades nesse ambiente pouco favorável ao gasto público social para que os novos conhecimentos proporcionados pelo Programa se difundam para a sociedade, principalmente nas áreas mais carentes da sociedade. Cabe destacar, nesse aspecto, que ainda que o Programa tivesse um claro propósito de transferir e difundir tecnologia ao setor produtivo, representado pelas secretarias de prefeituras e companhias de saneamento, ele não incorporou mecanismos de parceria com o mesmo. Os projetos do Prosab previram a parceria com outras instituições acadêmicas, porém não incorporaram a necessidade de estabelecer projetos cooperativos entre universidade e empresa/entidade pública, em que estas últimas participam como parceira e cliente do novo conhecimento gerado pela academia. Os projetos cooperativos passaram a ser incorporados apenas a partir do quarto edital, lançado em 2003.

Ainda assim, a transferência de tecnologias geradas pelo Prosab alcançou uma população de 4,6 milhões de pessoas. Esses impactos ocorreram em duas áreas principalmente – lodo e esgoto, em que também foram mais intensos os intentos de transferência de tecnologia. O maior impacto da área lodo se deve principalmente ao envolvimento de uma empresa estadual de saneamento, corroborando a importância da inclusão de parceiros empresarias para o sucesso da transferência de tecnologia.

Um aspecto importante destacado por nosso estudo consiste na importância de outros mecanismos de transferência do conhecimento, além do propriamente linear, em que a tecnologia gerada como novos produtos e processos pelo programa é transferida ao setor produtivo. A avaliação mostrou que os serviços tecnológicos são uma forma importante de transferência, sobretudo os de consultoria, por meio dos quais os pesquisadores transferem os conhecimentos obtidos, em parte, em função do Prosab para empresas de engenharia que elaboram e constroem as unidades de saneamento.

A avaliação do Prosab, apresentada de forma esquemática e parcial neste artigo, demonstra que a comunidade acadêmica tem capacidade de resposta aos grandes desafios sociais do país. A pesquisa tecnológica realizada por universidades brasileiras permitiu que novos conceitos em matéria de tratamento de resíduos e água potável encontrassem maior aceitação no setor produtivo por meio de diversos caminhos. A transferência linear de tecnologia funcionou, apesar das adversidades do baixo investimento na área social, assim como as universidades também contribuíram fortemente para esse objetivo, por meio de diversos meios como a formação de capital humano, divulgação de conhecimentos e da prestação de serviços tecnológicos.

Avaliação dos resultados dos projetos dos 3 editais do Prosab (amostra de 33 projetos)