| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 403 - 4 a 10 de agosto de 2008
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Tese de doutorado sobre a obra e a vida do maestro
Eleazar de Carvalho rende prêmio a professor do IA
nos Estados Unidos

Em busca da partitura perdida

MANUEL ALVES FILHO

O professor e percussionista Fernando Hashimoto durante concerto realizado em Nova York no ano passado: levantamento minuciosoDo maestro Eleazar de Carvalho, muito se sabe. É de conhecimento geral que ele foi um dos maiores regentes brasileiros, que regeu as principais orquestras do mundo e que deixou um legado importante para a música erudita. Mas pouco se sabia, no Brasil, a respeito do trabalho desenvolvido por esse cearense de Iguatu durante os quase 30 anos em que viveu nos Estados Unidos, entre as décadas de 40 e 70. O vácuo bibliográfico foi preenchido por pesquisa desenvolvida por Fernando Hashimoto, professor de percussão do Departamento de Música do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. O estudo, que lhe rendeu o prêmio Barry Brook Award de melhor tese de doutorado do ano (2007/2008), foi defendido na City University of New York. Mais do que resgatar aspectos da vida de Eleazar de Carvalho, o trabalho recuperou um vasto material relativo à obra do músico, inclusive parte da partitura do primeiro concerto para percussão escrito no Brasil, datado de 1968, que havia sido dado como perdido.

 Além de ser a primeira obra do gênero composta no país, a peça Variações sobre duas séries para percussão e cordas apresenta outras peculiaridades importantes, conforme Hashimoto. “Ela também é interessante porque talvez tenha sido o primeiro concerto no qual a cadenza, que é a parte solista do instrumento, foi escrita antes mesmo da obra”, explica. A tarefa foi encomendada por Eleazar de Carvalho a Richard O’Donnell, que na época era percussionista da Saint Louis Symphony Orchestra, da qual o brasileiro era regente. “Outro aspecto curioso relacionado à peça é que ela usava notação gráfica para a percussão, recurso pouco comum. Ou seja, em vez de notas, O’Donnell usou gráficos para compor. Ocorre que uma partitura gráfica precisa de uma espécie de bula para ser lida”, acrescenta o docente da Unicamp.

É justamente essa parte da obra, segundo Hashimoto, que havia sido dada como desaparecida. “O concerto ficou muito tempo sem ser executado por conta da ausência desse segmento da partitura. Eu mesmo tive que excluir a peça de um CD que gravei, em 2001, porque era impossível tocá-la”, lembra. Apesar dessa dificuldade, o professor do IA não abandonou a idéia de um dia encontrar a notação gráfica sumida. Isso acabou acontecendo quando ele decidiu fazer o doutorado nos Estados Unidos, há cerca de quatro anos. O orientador de Hashimoto, Morris Lang, havia atuado ao longo de 40 anos na Filarmônica de Nova York e conhecia O’Donnell, atualmente com 90 anos. “Lang me deu o telefone do O’Donnell. Fiz contato no mesmo dia. Descobri que ele não somente tinha a partitura gráfica do concerto, mas também uma gravação em fita de rolo da primeira apresentação da obra pela Saint Louis Orchestra, tendo Eleazar como regente e ele, O’Donnell, como solista”, relata o docente da Unicamp.

Ademais, prossegue Hashimoto, o músico também possuía alguns dos instrumentos confeccionados especialmente para a execução da obra. Entre eles, um formado por tubos de papelão, que eram alinhados e afinados, conforme o tamanho, seguindo o mesmo padrão adotado para o piano. “Esse material, somado a alguns documentos que obtive junto a outras orquestras e universidades, onde Eleazar regeu ou deu aulas, foi doado para a viúva dele, a pianista Sônia Muniz, que está criando o Museu Eleazar de Carvalho no Ceará”, revela o autor da tese. Graças à recuperação da partitura gráfica do concerto, Hashimoto terá a oportunidade de finalmente executar a peça pela primeira vez. Isso acontecerá durante o Primeiro Encontro de Percussão do Peru, marcado para esta primeira semana de agosto, onde ele atuará como artista residente. “Depois, também farei um concerto na Áustria”, adianta.

A pesquisa desenvolvida pelo professor do IA não se limitou, porém, à recuperação do material relacionado à obra de Eleazar de Carvalho. Outro segmento importante do estudo diz respeito ao levantamento histórico do período em que o regente brasileiro permaneceu nos Estados Unidos. “Visitei as principais orquestras e instituições nas quais Eleazar atuou. Graças a um trabalho de garimpagem, consegui reunir um material riquíssimo, inclusive um conjunto composto por aproximadamente 300 críticas, publicadas em jornais e livros, que analisavam o desempenho dele como regente. Isso me deu uma visão mais precisa e abrangente da sua importância dentro do cenário da música erudita. De modo geral, os críticos o qualificavam, desde o primeiro concerto oficial, como um intérprete profundo e sério”, revela Hashimoto, para quem a pesquisa foi uma tarefa muito prazerosa. “Deu tudo certo. Recebi muito apoio, inclusive das instituições norte-americanas, que abriram mão dos direitos autorais de algumas obras”, acrescenta.

No Exterior

O prêmio de melhor tese do ano não foi o único recebido recentemente por Fernando Hashimoto, professor de percussão do Departamento de Música do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Ele, que íntegra o corpo de músicos da Orquestra Sinfônica de Campinas, também mereceu o reconhecimento da Sociedade Internacional de Percussão, com o prêmio Percussive Arts Society Outstanding Service Award 2007, em razão do seu trabalho de pesquisa e incentivo à percussão brasileira. Foi a primeira vez que um brasileiro recebeu tal láurea. Hashimoto é fundador do Grupo de Percussão da Unicamp (Grupu), “único grupo universitário brasileiro de percussão que fez excursões pela Europa e Estados Unidos”, como faz questão de observar o docente. O Grupu está completando dez anos de existência. Para comemorar o aniversário, seus integrantes farão uma turnê por sete países europeus, a partir de dezembro próximo. Como solista, Hashimoto, que nasceu no Rio de Janeiro, tem se apresentado em diversos países, junto a algumas das mais importantes orquestras do mundo.

Da banda municipal às grandes orquestras

O maestro Eleazar de Carvalho: trajetória vitoriosa no país e no Exterior (Foto: Reprodução)Como já foi dito, Eleazar de Carvalho nasceu em Iguatu, pequeno município do interior do Ceará, em 28 de julho de 1912. Iniciou os estudos de música ainda criança em sua cidade natal, onde atuou na banda musical. Mais tarde, mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou na Marinha. Tocava tuba na Banda do Batalhão Naval. Pouco tempo depois foi estudar na Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por esta época, começou a compor. Sua primeira ópera recebeu o título de A Descoberta do Brasil, cuja estréia aconteceu no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. “A primeira fase de Eleazar como compositor foi fortemente marcada pela linguagem nacionalista, algo comum para a época. Mais tarde, ele mudaria completamente”, explica Hashimoto.

Eleazar de Carvalho foi músico do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e estudou com o compositor Francisco Mignone. Sua obra como compositor, entretanto, é pequena, visto que logo se decidiu pela carreira de regente. Para dar impulso à sua trajetória, o maestro decidiu, por conta própria, mudar-se para os Estados Unidos. Seu objetivo, tido como “uma excentricidade” pelos mais próximos, era reger uma das três grandes orquestras norte-americanas da época: Boston, Filadélfia ou Nova York. Em 1946, ele finalmente embarcou, com a cara e a coragem, para a América. Lá, bateu literalmente de porta em porta oferecendo-se para atuar como regente. “O titular da Orquestra da Filadélfia achou a atitude de Eleazar ousada e absurda. Tanto que disse a ele para que fosse reger uma orquestra do interior e voltasse somente dali a 20 anos”, relata Hashimoto.

Determinado, o maestro brasileiro não deu ouvidos ao “conselho”. Ao tomar conhecimento sobre o festival de música erudita que ocorreria em Massachusetts, cujo formato inspirou o Festival de Inverno de Campos do Jordão, Eleazar de Carvalho abalou-se até lá. Seu intento era ser admitido como aluno do consagrado Sergey Koussevitzky, que daria um curso durante o evento. Como as inscrições já tivessem sido encerradas, o brasileiro decidiu lançar mão de uma estratégia heterodoxa, por assim dizer. Para ser recebido por Koussevitzky, mentiu que era portador de uma mensagem do presidente do Brasil para o famoso maestro. Assim que foi recebido, admitiu a farsa, mas pediu uma chance ao interlocutor.

O brasileiro teria dito: “Deixe-me reger por apenas cinco minutos. Se não me aprovar, irei embora”. Não apenas foi aprovado, como em pouco tempo tornou-se assistente de Koussevitzky, ao lado do também conhecido Leonard Bernstein. Um ano e meio após ter sido quase enxotado, Eleazar de Carvalho regeria a Orquestra da Filadélfia como convidado. “Depois disso, ele teve uma carreira cada vez mais ascendente. Não apenas regeu as três mais importantes orquestra norte-americanas, como havia almejado, como esteve à frente das maiores orquestras do mundo”, assinala o autor da tese de doutrado. Entre os ex-alunos de Eleazar de Carvalho estão nomes importantes como Claudio Abbado, Zubin Metah, Seiji Ozawa, Gustav Meier, David Wooldbridge, Harold Faberman e Charles Dutoit.

O maestro brasileiro permaneceu nos Estados Unidos até o começo da década de 70, embora viesse esporadicamente ao Brasil. Em 1972, ele voltou definitivamente ao seu país, onde daria continuidade à carreira, mas com um viés diferente. Aqui, ele reorganizou a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), reformulou o Festival de Inverno de Campos do Jordão e criou programas para a concessão de bolsas de estudos para jovens instrumentistas brasileiros. “Eleazar sem dúvida infuenciou e continua influenciando muitos músicos no Brasil e no mundo”, atesta Hashimoto. O regente morreu em 12 de setembro de 1996, em São Paulo.

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