| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 403 - 4 a 10 de agosto de 2008
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Ministro da C&T faz um balanço do PAC da Ciência e diz
que o Brasil
está próximo de consolidar uma política na área

O ciclo de dependência chegou ao fim?

CLAYTON LEVY

Sergio Rezende, ministro da C&T: "Está havendo a conjunção de fatores importantes" (Foto: Antoninho Perri)Apesar do discurso desenvolvimentista entoado pelos diversos governos, civis e militares, nos últimos 50 anos, o Brasil nunca conseguiu estabelecer uma política de Estado capaz de conectar o sistema de ciência ao setor produtivo. Nem mesmo a tentativa de instituir uma política de C&T, a partir da década de 1950, com a criação do CNPq e Capes, foi suficiente para romper a condição de país dependente nesse setor. O máximo que se conseguiu foi uma situação de desequilíbrio, caracterizada por elevada produção científica sem impacto efetivo no desenvolvimento econômico e social.

Por isso, quando o governo federal anunciou, em novembro de 2007, o Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional, pouca gente se animou a acreditar numa virada. Conectado ao Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC da Ciência, como foi apelidado, prevê um investimento total de R$ 41,2 bilhões até 2010, distribuído em quatro prioridades: expansão e consolidação do sistema nacional de CT&I; promoção da inovação tecnológica nas empresas; pesquisa, desenvolvimento e inovação em áreas estratégicas; e CT&I para o desenvolvimento social.

Há cerca de dois meses, numa reunião com o presidente Luis Inácio Lula da Silva, o ministro da C&T, Sergio Rezende, relacionou alguns números sobre o desempenho do Plano. No que diz respeito à expansão e consolidação do sistema, ele destacou o aporte de R$ 1,75 bilhão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para diversas ações. Para a promoção da inovação nas empresas, foram destinados R$ 675 milhões. Já a prioridade que trata de pesquisa e inovação em áreas estratégicas recebeu R$ 37 milhões, enquanto as ações para desenvolvimento social ficaram com R$ 124 milhões.

Na entrevista que segue, concedida em julho ao Jornal da Unicamp, durante a 60ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Rezende faz um balanço do PAC da Ciência e explica por que, desta vez, o Brasil está próximo de consolidar uma política de C&T capaz de conectar o sistema científico ao setor produtivo, rompendo o ciclo de dependência e entrando na fase do desenvolvimento.

Jornal da Unicamp – Oito meses depois do lançamento do PAC da Ciência, que balanço o senhor faz sobre o programa?
Sergio Rezende – O balanço é positivo. Algumas das metas mais importantes estão sendo alcançadas. No que diz respeito à consolidação do sistema nacional de ciência e tecnologia, uma das atividades propostas era melhorar a organização e consolidar o sistema de fomento à pesquisa. Nesses últimos meses isso foi formatado. Reforçamos o edital universal do CNPq para apoio a projetos de grupos; lançamos um edital no valor de R$ 36 milhões para apoiar jovens pesquisadores; reforçamos o Pronex; e lançamos o Programa de Institutos Nacionais. Quando o Plano foi lançado, em novembro do ano passado, não estava claro o que seria feito com o Instituto do Milênio. Mas durante esse ano, depois de muitas discussões, chegamos a esse formato. E estamos, também, trabalhando em conjunto com as principais fundações estaduais de apóio à pesquisa, o que também vai na direção de consolidar o sistema nacional.

Estande da Mostra de Ciência e Tecnologia (ExpoT&C), realizada na Unicamp durante a 60ª Reunião Anual da SBPC (Foto: Antônio Scarpinetti)JU – E com relação à inovação tecnológica nas empresas. Houve avanços?
Sergio Rezende – Sim. Lançamos várias ações, inclusive apoio financeiro não reembolsável a empresas incubadas. Com isso, pretendemos oferecer a elas condições de equilíbrio durante o desenvolvimento de seus produtos. O Programa de Subvenção Econômica está indo bem. O novo edital, este ano, teve uma grande demanda, o que mostra que há no setor empresarial uma disposição cada vez maior de investir na inovação.

JU – Durante esses oito meses, foi possível detectar que ajustes serão necessários? Ou seja: quais os principais gargalos?
Sergio Rezende – A prioridade três, que trata da Pesquisa e Desenvolvimento em Áreas Estratégicas, é a mais difícil porque há treze áreas estratégicas e várias delas são conduzidas por outros ministérios. Só nos últimos meses conseguimos montar um sistema de articulação para sabermos com mais detalhes o que está se passando nos outros ministérios. Como essas treze áreas são muito heterogêneas, ainda não é possível fazer um balanço.

JU – Essa é a prioridade em que o Plano andou de maneira mais lenta?
Sergio Rezende – Eu diria que é.

JU – O que está faltando para imprimir um ritmo melhor?
Sergio Rezende – Em áreas que envolvem vários ministérios e dependem de pesquisa, o resultado realmente é mais lento. Fica mais complicado articular, mas estamos fazendo um grande esforço. Esperamos que até o final do ano esse assunto esteja encaminhado.

JU – Em quais das áreas estratégicas esse quadro é mais visível?
Sergio Rezende – Uma das áreas mais complexas é a nuclear. A Casa Civil montou um comitê de desenvolvimento para o programa nuclear brasileiro, coordenado pela ministra Dilma Roussef, no qual o MCT tem uma participação muito grande. Mas foi preciso uma ação de governo convocando todos os ministérios para discutir o programa e fazer o plano de médio e longo prazos, que ainda está em elaboração. O programa espacial brasileiro também enfrenta dificuldades. Temos o programa de desenvolvimento de satélites, que vai indo bem, mas a questão da plataforma de lançamento em Alcântara envolve o Ministério da Defesa. Já tivemos várias reuniões para melhorar a articulação entre a Agência Nacional Brasileira, que é civil, com a Aeronáutica. Esses são apenas dois exemplos que demonstram a necessidade de ações de diversos ministérios.

JU – A articulação entre os vários ministérios foi a única dificuldade detectada até agora, ou há outros ajustes a serem feitos no Plano como um todo?
Sergio Rezende – Essa é a principal, mas também estamos preocupados com a formação de recursos humanos para as áreas consideradas estratégicas. O plano consistia em continuar distribuindo bolsas de mestrado e doutorado através de cotas, como fazem o CNPq e a Capes, mas também elaborar um edital para conceder bolsas adicionais em engenharia de computação, engenharia espacial, engenharia nuclear e áreas experimentais. O CNPq fez um edital para isso e a demanda por enquanto não foi tão grande quanto a esperada.

JU – Há alguma explicação para isso?
Sergio Rezende – O aumento do número de estudantes interessados não é uma ação que dependa apenas do governo. Nos últimos vinte anos o interesse pelas engenharias caiu no Brasil devido à falta de emprego no setor. Não se consegue, de uma hora para outra, voltar a despertar o interesse dos jovens por certas carreiras. Trata-se de um processo gradual, na medida em que os estudantes perceberem que há futuro nesse campo.

JU – Desde o regime militar, sucessivos governos já anunciaram pacotes voltados para C&T, mas até agora nenhum deles conseguiu conectar o setor de pesquisa ao setor produtivo. Qual o diferencial do PAC da Ciência capaz de assegurar que desta vez haverá uma virada?
Sergio Rezende – Temos novos instrumentos de financiamento e o principal deles é a subvenção. Esta subvenção está sendo empregada de forma distinta. Por exemplo, para as empresas novas em incubadoras. Quando uma empresa surge a partir de uma inovação e é bem-sucedida, a inovação será parte permanente do seu processo produtivo. Mas o fato mais importante é que o próprio sistema empresarial está percebendo que é preciso fazer inovação, caso contrário não conseguirá se sustentar. A Vale do Rio Doce, por exemplo, que nunca havia investido em pesquisa, agora está montando um centro de pesquisa e desenvolvimento em São José dos Campos. Então, é possível observar movimentos de grandes, médias e pequenas empresas. De um lado, temos o governo procurando aproximar a política de C&T da política industrial e, de outro, vemos as empresas reconhecendo a importância de trabalhar com pesquisa e inovação. Vivemos um bom momento, porque está havendo a conjunção de fatores importantes.

Ministro da C&T faz um balanço

do PAC da Ciência e diz que o Brasil

está próximo de consolidar uma política na área

JU – A esse respeito, o senhor tem dito que o Brasil vive um momento de transição. Que fatores podem evidenciar esse quadro?
Sergio Rezende – Basta olhar para algumas empresas nacionais de porte médio que atuam na área avançada. A Asga, por exemplo, que atua em Campinas na área de comunicações óticas, exporta seus produtos e fatura hoje cerca de R$ 200 milhões por ano. Isso mostra que é possível ser altamente competitivo em nichos de mercado. Há também empresas maiores altamente inovadoras. Na área da petroquímica, a Oxiteno quase não tem despesas com compra de tecnologia. O seu laboratório de pesquisas em São Paulo conta com mais de cem pesquisadores. Há, ainda, outros exemplos, em diversas áreas, mostrando que é possível desenvolver uma empresa sem que fique dependente da tecnologia desenvolvida por outros.

JU – Apesar da Lei de Inovação e da Lei do Bem, os secretários estaduais de C&T, pesquisadores e empresários dizem enfrentar problemas no fomento à inovação devido à burocracia jurídica. Como equacionar esse gargalo?
Sergio Rezende
– A legislação foi feita baseada na experiência acumulada. E a experiência acumulada no Brasil em termos de inovação tecnológica não é muito grande. O país nunca teve incentivos públicos que realmente fizessem grande diferença na atuação do setor empresarial. A Lei de Inovação tem um resultado muito importante, que foi a criação da subvenção econômica. Agora, a meta da lei em facilitar a interação entre empresas e setor de pesquisa não tem dado muito resultado. A Lei do Bem, que é um filhote da Lei de Inovação, criou incentivos fiscais para as empresas fazerem pesquisa e desenvolvimento. Só que ela impõe certas condições no que diz respeito à exportação. O que tem acontecido não é exatamente burocracia, mas as empresas não estão sentindo que esses incentivos são suficientes.

JU – O governo pensa em rever estas questões?
Sergio Rezende – Tudo isso está sendo revisto. Estamos identificando quais os setores que precisam de ajustes. No lançamento da política de desenvolvimento produtivo, há dois meses, apresentou-se uma nova medida provisória para incentivar o setor de software. Mas software voltado para exportação, o que requer uma demanda do setor empresarial. E as informações são de que o setor está bastante satisfeito. É um incentivo no sentido de desonerar a folha de pagamento das empresas de software. Então, a falta de experiência no Brasil, em juntar as políticas de C&T e industrial faz com que o país elabore uma lei, para depois verificar se a lei dá resultados. Poderíamos citar exemplos internacionais, mas não podemos esquecer de que o Brasil tem características muito próprias. Não se trata apenas de ver, por exemplo, o que a Coréia fez para fazermos igual. Temos a nossa própria realidade.

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