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A construção da paisagem

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Na seqüência, obras de Mary Bosque e Walkiria Pompemayer: elementos da natureza (Fotos: Divulgação)

A construção
da paisagem

Gênero da pintura reconhecido apenas no século 17
inspira três dissertações e criação de grupo de pesquisa

LUIZ SUGIMOTO

Ynaia de Barros: "A paisagem serviu como ferramenta para descrição dos novos espaços" (Fotos: Antonio Scarpinetti)Walkiria Pompermeyer: "É a sensação do lugar que movimenta meu trabalho"Mary Bosque: "A riqueza e a harmonia da natureza possibilitam retirar os elementos da linguagem"

A paisagem, que passou a ser tratada como gênero independente da pintura somente a partir do século 17, é o tema de três dissertações de mestrado defendidas junto ao Instituto de Artes (IA) da Unicamp, todas no início deste ano, sob orientação da professora Lygia Arcuri Eluf. As alunas Ynaia de Paula Souza Barros, Walkiria Pompermayer e Mary Carmen Bosque não se conheciam. Unidas pelo interesse comum, ajudaram-se durante os três anos de pesquisas para o mestrado e acabaram por agregar outras pessoas em um grupo que hoje promove exposições, seminários e troca de informações sobre atividades no Brasil e no exterior. Os próximos projetos são uma página na Internet e uma publicação específica sobre o gênero.

Foi uma pintura holandesa do século 17, pertencente ao acervo do Masp, que levou Ynaia Barros a iniciar suas pesquisas sobre a história da paisagem na arte ocidental. O quadro data justamente do período em que a paisagem ganhou autonomia. "Antes, ela servia apenas como pano de fundo. Eram tempos da reforma protestante e os artistas, impedidos de pintar santos ou temas religiosos, voltaram-se para a vida cotidiana, retratando a paisagem, a natureza morta, cenas de gênero. Quando vieram as expedições, a paisagem serviu como ferramenta para descrição dos novos espaços do mundo", explica.

Não está na descrição da paisagem como ela é, contudo, o aspecto privilegiado pelas três mestrandas em artes visuais, como demonstram seus trabalhos reproduzidos nesta página. De cima de um mirante, a contemplação da paisagem propicia reflexões e sensações, como por exemplo, as movidas por memórias e vivências pessoais, resultando de tudo isso o encantamento. "Por meio da observação e contemplação da paisagem é que aprendemos a noção de proporção do nosso tamanho em relação ao tamanho do mundo, nossos próprios limites, pequenez e grandeza, a inteligência das coisas por meio dos nossos sentidos", afirma Ynaia Barros.

Para o artista, as sensações do lugar implicam na escolha das técnicas de pintura, no traço e em sua visão particular sobre o lugar. Mesmo Walkiria Pompermayer, que quando criança acompanhava os pintores na montagem de seus cavaletes em pontos turísticos de Piracicaba, dá mais atenção à questão sensorial. "Minha cidade natal possui tradição na pintura de paisagem ao ar livre, mas a maioria dos artistas está voltada para a reprodução do real. Eu busco uma linguagem própria para construir a paisagem, é a sensação do lugar que movimenta meu trabalho", afirma Walkiria, que atualmente é responsável pelo acervo da Pinacoteca de Piracicaba.

Trabalho de Ynaia de Barros: observação e contemplação da paisagem (Foto: Reprodução)


Mary Carmen, que deixou a área urbana para viver no campo, produziu uma série de imagens entre 2002 e 2004. Elas reproduzem o deslocar-se de um lugar para outro, com a utilização de diferentes recursos – desenho, gravura, pastel, aquarela. "A riqueza e extrema harmonia da natureza possibilitam retirar, através dessas variadas técnicas, os elementos da linguagem para construir a imagem. Folhas, troncos, montanhas, caminhos, tudo isso vem em linhas fortes ou fracas, retas ou curvas, em manchas claras ou escuras, em relações de luz e cor", observa.

A professora orientadora Lygia Eluf, que desde o fim de seu doutorado vem desenvolvendo o tema da representação do espaço, acabou constituindo um grupo de discussão e pesquisa reunindo vários alunos. "A questão da paisagem é quase que uma desculpa. Na verdade, os trabalhos de Mary Carmen, Ynaia e Walkiria discutem a representação do espaço por meio da construção da paisagem. E essa construção privilegia a cor como elemento estrutural principal. Embora todas tenhamos uma paixão grande pela história da paisagem na arte ocidental, que é recente e muito curiosa, nenhuma de nós é verdadeiramente paisagista".

Brevíssima história da paisagem

Os poetas romanos, no século 1 a.C., é que vieram a celebrar a beleza do campo, fornecendo modelos para futuras pinturas de paisagem: paisagens ilusionistas, que pareciam estender os espaços da sala, como que emolduradas por uma janela; paisagens sacro-idílicas, com ninfas, arvoredos e templos; paisagens descritas por Vitrúvio, em corredores decorados com pinturas de portos, praias, fontes, grutas, montanhas e pastores. Com a ascendência do cristianismo, o mundo físico deixou de ser visto como uma fonte de prazeres sensoriais e sim de reflexo de verdades espirituais. Para o cristão medieval este mundo foi um local de exílio: os prazeres terrestres eram a tentação dos perigos do inverno, ao passo que os jardins de primavera traziam o consolo e o brilho do paraíso.

No século 12, surgiu o sentimento de que a natureza deveria oferecer prazer. São Francisco, pintado pregando para passarinhos, via a beleza da natureza como um reflexo de Deus e saldou a terra que nos presenteia com frutos, flores e vegetação. Na França, o novo naturalismo tornou-se evidente no trabalho de iluminadores dos "livros de horas", que ilustravam cada mês do ano conforme a tarefa do período, como a cultura a ser semeada.

A redescoberta da natureza tornou-se o maior tema da arte renascentista, no século XV. Jan e Hubert van Eyck, nos Países Baixos, apreenderam a riqueza do mundo visível com cores brilhantes e efeitos de luz e atmosfera que só foram possíveis através da nova e refinada técnica do óleo. Em Florença, Leonardo da Vinci desenhou as formas rítmicas de plantas e águas, uma tempestade nos Alpes e subiu as montanhas para pesquisar a causa azulada da atmosfera. Entretanto, em Veneza é que foram criadas as mais belas paisagens italianas. Nas calmas e belas pinturas de Giovanni Bellini, as figuras sagradas parecem parte da natureza e a paisagem expressa emoções comoventes.

Foi no século XVI que as representações de paisagem passaram a ser tratadas como um gênero independente. Em Antuérpia, Joachim Patinir, em "Paisagem com São Jerônimo", descreveu, a partir do ponto de vista de um pássaro, um vasto e abarcador panorama com um campo representado em detalhes. Mas o grande desenvolvimento da paisagem aconteceu em Ferrara e em Veneza. Giorgione criou um misterioso e evocativo senso poético, e seu estilo idílico foi popularizado pelas gravuras de Domenico Campagnola, autor das primeiras paisagens puras da arte italiana e que trouxeram uma nova amplitude e vigor para a vista panorâmica. Na arte de Ticiano, a paisagem pastoral foi ricamente mitologizada, como em "Vênus do Prado", com caçadores e ninfas dormindo. Sem nunca haver pintado paisagens puras, Ticiano foi aclamado pelo naturalismo de suas composições e, mais tarde, apontado pelos escritores como o verdadeiro criador da pintura de paisagem.

Nas décadas de 1820 e de 1830, houve forte ênfase sobre as pinturas ao ar livre, facilitada pela invenção do tubo de tinta. Essa invenção resultou tanto no crescente realismo dos pré-rafaelitas, como na informalidade que iria culminar nos impressionistas da década de 1860. Unidos por seu interesse pela cor e pela luz, os impressionistas escolheram temas como o efeito da neblina, da névoa ou da neve, o florescer dos pomares. Sugeriram os efeitos de vibração da luz através das pinceladas variadas, de caminhos de cor. Por exemplo, o freqüente uso de azuis e laranjas por Renoir e de vermelhos e verdes por Monet.

Paul Cézanne pintou vertentes duras de montanhas e rochas, grandes árvores desoladas contra o céu de inverno. Outros artistas optaram por paisagens ricas e de significações humanas. Tanto Pissaro como Van Gogh olharam para os trabalhos de seus antecessores, com pomares florescendo e cenas de colheita cobertas pelo sol brilhante, e sugeriram, através da riqueza das cores e do arrojo do espaço, uma celebração religiosa da riqueza da terra. Suas últimas paisagens atingiram uma intensidade quase mística.

No século 20, a paisagem permaneceu como tema importante, uma vez que os pintores respondiam aos medos do período – guerras mundiais, industrialização e materialismo, ameaça de destruição global – com paisagens que expressam o anseio por uma espiritualidade e eternidade encontradas na natureza. Na pintura de Matisse "A alegria de viver", figuras nuas harmonizam-se com a cena natural. Por volta de 1907, as paisagens tardias de Cézanne e suas instruções para tratar a natureza através de cilindros, esferas e cones, encorajaram a ênfase sobre o formalismo levado adiante pelos cubistas.

Por volta da década de 1920, os surrealistas criaram uma nova paisagem do subconsciente: através de espaços sem vínculos, de vários planos pintados de maneira macia, horizontes distantes, ausência de figuras e reflexos de luz, esses artistas sugeriram mistério e desolação. Esse período também foi caracterizado por um forte ressurgimento da paisagem tradicional, pois no retiro dos modernistas, que se seguiu à 1ª Guerra, muitos pintores de paisagem criaram cenas naturalistas cheias de um anseio pela paz com a natureza. Na década de 1940, particularmente após o horror de Hiroshima, os pintores americanos procuraram reacertar o desejo natural do homem pela exaltação.

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