Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 249 - de 26 de abril a 2 de maio de 2004
Leia nessa edição
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Artigo: estatização de vagas
Cartas
Soja: perigo nos novos fronts
FEA: melhoria de alimentos
Autonomia dos enfermeiros
Bambu: tratamento de esgoto
Empresas juniores
FEM: "cadeira" para crianças
Unibanda: acesso à música
Básico: valoriza graduação
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Unicamp na mídia
Oportunidades
Teses da semana
O quitandeiro
Geoprocessamento
 

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Pesquisadores da Feagri especializados em pós-colheita apontam o rastro para aproximar agricultor do consumidor

O quitandeiro e a
fruta que comemos



LUIZ SUGIMOTO


Plantação de figo na região de Valinhos, maior produtora da fruta no país: projeto prevê selo de qualidade para agricultor que adotar procedimentos adequados Se você ignorar a pecha de mesquinho e devolver ao quitandeiro aquela maçã deteriorada por dentro, apesar de perfeita por fora, talvez ajude a melhorar as condições de vida dos trabalhadores que cuidam da macieira e colhem a fruta na outra ponta da cadeia alimentar. Pois, muito provavelmente, o quitandeiro pedirá satisfações ao fornecedor. O consumidor europeu vai muito mais longe em suas exigências: além da garantia de qualidade, ele quer saber se o produtor respeita o meio ambiente controlando o uso de agrotóxicos, se não explora mão-de-obra infantil, se os empregados têm moradia adequada, serviço médico, equipamentos de proteção. O produtor que respeitar o tripé qualidade do produto, qualidade ambiental e qualidade social terá a preferência deste consumidor.

Os professores Antonio Carlos de Oliveira Ferraz e Sylvio Luís Honório, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, são especializados em tecnologia pós-colheita de produtos hortícolas. Eles atuam junto a produtores de Valinhos que respondem por 80% dos figos roxos de mesa colhidos no Brasil. Antes, os pesquisadores detalham o projeto do qual Valinhos faz parte, a Produção Integrada de Frutas (PIF), que no Estado de São Paulo contempla as culturas de figo, banana, lima ácida, caqui, manga, maracujá, goiaba e uva fina de mesa. A PIF paulista se insere no Profruta – programa do governo federal para o desenvolvimento da fruticultura – e tem a coordenação geral da Cati (Coordenadoria de Assistência Técnica Integrada).

Produtores capacitados rendem bons frutos

Plantação de figo na região de Valinhos, maior produtora da fruta no país: projeto prevê selo de qualidade para agricultor que adotar procedimentos adequados “Queremos capacitar os produtores para que melhorem a qualidade do produto final, que será rastreado em todas as etapas de produção: desde a seleção da muda, plantio, poda, aplicação de defensivos, cuidados com a terra e o meio ambiente, colheita, tratamento pós-colheita, seleção, embalagem, transporte, armazenamento, até a prateleira”, explica Antonio Ferraz. Os procedimentos adequados serão premiados com um selo de qualidade na embalagem. O consumidor, por sua vez, ficará sabendo de qual pomar uma fruta vem.

Se a exigência nacional ainda é baixa, grandes supermercados já começam a firmar contratos diretos com os produtores e cooperativas, assumindo a distribuição para suas redes. “Diferentemente do feirante que se abastece na Ceasa, esses supermercados mantêm plataformas de trabalho com diversos produtos, contratando produção própria, o que permite identificar a origem. Eles não mais se arriscam a oferecer alimentos de baixa qualidade aos clientes”, observa Sylvio Honório. Segundo o professor, a maior deficiência na cadeia de alimentos in natura é a enorme distância entre consumidor e produtor. “Não existe maior grau de exigência também porque o consumidor não recebe informações sobre as frutas em exposição. Esse programa pretende dar uma identidade ao produto que entra no mercado: de onde veio, como foi cultivado, quando foi colhido, quem é o produtor”, insiste.

Plantação de figo na região de Valinhos, maior produtora da fruta no país: projeto prevê selo de qualidade para agricultor que adotar procedimentos adequados Ex-lavrador – O conceito de lavrador vai ficar no passado. Este lavrador precisará assimilar tecnologias e procedimentos administrativos, assumindo a condição de empresário agrícola e zelando por sua marca. Pequenos produtores, que em tese teriam mais dificuldade para criar uma marca, podem recorrer ao associativismo. Assim fizeram os gaúchos com a maçã, cultura que requer alto padrão tecnológico, capital de giro e poder de negociação. “Eles entraram com grande competitividade no mercado internacional, por meio dos cultivares fuji e gala. Já se criou a Associação Brasileira de Produtores de Maçã (ABPM), que consegue negociar inclusive com o governo, uma regalia de setores mais organizados como a Anfavea [a associação dos fabricantes de veículos]”, exemplifica Sylvio Honório.

Em Valinhos já existem duas associações, uma dos grandes e outra dos pequenos produtores de figo. Os grandes, que se organizaram para a exportação, acabam dependendo dos pequenos para compor o lote. “Neste caso, o pequeno produtor de figo também vira um exportador em potencial. Torna-se mais eficaz e barato construir uma instalação comum que centralize as operações, onde se possa fiscalizar a qualidade e a homogeneidade do lote. As frutas precisam ter o mesmo tamanho, aparência, grau de maturidade, o que gera parâmetros interessantes em relação a quando e como plantar, quando e como colher, como embalar e transportar”, afirma Antonio Ferraz.

Plantação de figo na região de Valinhos, maior produtora da fruta no país: projeto prevê selo de qualidade para agricultor que adotar procedimentos adequados O conceito – “Agricultor, lembre-se que quem vai consumir os produtos é uma família como a sua”, é a mensagem que acompanha uma foto de embalagens de agrotóxicos, em propaganda que o governo goiano fez circular na revista Veja. “É este o conceito que deve se estender ao longo da cadeia: de que não se trabalha com figo simplesmente, mas com um alimento”, ilustra Honório. Ele considera que, nesse sentido, o Brasil vive um momento de revolução no campo, com um grau de conscientização elevado. “Os agricultores têm sentido os efeitos dos agrotóxicos na pele, literalmente, mas ainda há muita falta de informação e treinamento”, adverte.

Antonio Ferraz observa que em alguns setores percebe-se despreocupação total com a segurança alimentar, em outros com os insumos e o meio ambiente. “Defensivos muitas vezes são usados indiscriminadamente. Um colega do IAC (Instituto Agronômico de Campinas) realizou um levantamento na cultura de tomate, mostrando ser possível reduzir em até 60% a quantidade de espermicidas. Como? Basta que o agricultor aprenda e respeite as técnicas preconizadas”, simplifica o professor.

Os professores Antonio Carlos de Oliveira Ferraz (à esquerda) e Sylvio Luís Honório, da Feagri: qualidade como pré-requisito Caderneta – Os dois pesquisadores da Feagri participam de um comitê gestor em Valinhos, que está em vias de concluir as bases legais para a produção de figo. Ao lado de agricultores e outros técnicos, definem normas para treinamento no uso de agrotóxicos, higiene nos galpões de beneficiamento, escolha de sementes ou mudas para plantio, cuidados com os recursos naturais etc. “Elaboramos uma grade de agroquímicos determinando, por exemplo, o período de carência que precisa ser cumprido entre a aplicação de um defensivo até a colheita e comercialização”, conta Antonio Ferraz. Uma exigência da legislação é a caderneta de campo, onde o indivíduo registra os procedimentos em cada etapa da produção, que será autenticada por um técnico responsável. Prevêem-se, ainda, auditorias em estabelecimentos cujos produtos obtiverem o selo de qualidade.

Após a colheita, tudo
envolve engenharia

O figo ocupa uma área cultivada de 560 hectares em 230 propriedades noCorte tomográfico sagital mostra fruto íntegro (à esquerda) e região impactada. Estado de São Paulo, com uma produção anual de 8.500 toneladas do chamado “figo roxo de Valinhos” para mesa, mais 450 toneladas do figo verde para a indústria. Nos dois últimos anos, entre 30% e 40% da produção foram exportados para a Europa, aproveitando o período de entressafra do figo da Turquia, maior fornecedor daquele continente, mas que fica incapacitado de atender à demanda nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro. Uma meta, agora, é ampliar esse mercado fazendo com que os europeus, no restante do ano, se lembrem da qualidade da fruta brasileira.

“Se a figueira for bem conduzida, garante-se um figo bom. Colhida a frutaCorte tomográfico sagital mostra fruto íntegro (à esquerda) e (seta) região impactada. do pé, tudo o mais envolve engenharia”, resume o professor Sylvio Honório, referindo-se à importância do trabalho pós-colheita e do conhecimento dos técnicos sobre transferência de calor e de massa e das propriedades mecânicas, químicas e físicas do produto, entre outros parâmetros. A propósito, o figo que é embarcado ainda um pouco verde, a fim de que chegue ao país comprador no tempo para consumo, poderia ter maior qualidade. “O sabor fica muito distante da fruta que se come aqui, amadurecida no pé”, afirma Honório.

O professor informa que pós-graduandos da Feagri já testaram uma tecnologia mais barata, a do resfriamento, que permite colher o figo num ponto mais adequado, com melhor aparência, textura e sabor. “Não se trata de congelamento, mas de se retirar o excesso de calor da fruta exposta ao sol, mantendo-a fria. O calor acelera a fisiologia. Retirando o calor, o processo ocorre bem mais lentamente, chegando ao exterior em boas condições de consumo”, explica. Em Valinhos, os dois pesquisadores descem a detalhes como o látex que escorre do talo do figo quando colhido, que mancha o fruto e forma um depósito propício à contaminação na cesta de bambu usada na colheita; por isso, em parceria com a Embrapa-São Carlos, desenvolvem um contentor mais higiênico e ergonômico, em que o fruto deverá ser depositado com o talo virado para baixo.

Eles também estudam a perda da água, que compõe cerca de 70% do figo, no trajeto até o consumidor. Descobriram, ainda, que uma vibração de 4 hertz durante o transporte por caminhão produz o efeito de comprimir a embalagem, marcando o figo; e que a de 13 hertz faz a fruta girar na embalagem, provocando abrasões na casca – uma nova embalagem é alvo de outra pesquisa. Uma imagem nesta página, ainda inédita, mostra o interior de um figo com o recurso da tomografia de ressonância magnética. “Esta técnica permite verificar o comportamento da fruta em certas condições de manuseio e transporte, o que só seria possível cortando-se o fruto”, explica Antonio Ferraz. Como nunca veremos tal equipamento na quitanda, a alternativa do freguês é devolver o produto estragado.

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