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Tese contesta crença sobre violência sexual

Trabalho mostra que maioria dos agressores são desconhecidos,
ao contrário do que diz a literatura

PAULO CESAR NASCIMENTO

Delegacia especializada em Campinas: as características das mulheres atendidas no Caism refletem a violência urbana Dissertação de mestrado desenvolvida pelo ginecologista Carlos Tadayuki Oshikata, do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), da Unicamp, revela que o estupro por desconhecidos é a violência sexual mais freqüente na região de Campinas. Essa modalidade de agressão foi constatada em 86% de 166 pacientes atendidas pelo Caism de 1999 a 2002, e contradiz a tendência tradicionalmente observada nos relatos desse tipo de agressão, em que os autores pertencem ao círculo de relacionamento pessoal das vítimas.

Conforme Carlos, as características das mulheres atendidas no Caism refletem muito mais a violência urbana, em que as diferenças socioeconômicas estimulam a prática de um crime, do que a violência doméstica. Embora esta seja provavelmente mais prevalente – estatísticas mostram que 70% da violência sexual ocorrem em casa e o agressor é o próprio marido –, a proximidade do agressor e o medo de represálias fazem com que as vítimas omitam o fato das autoridades policiais.

"Muitos autores destacam enfaticamente que a violência sexual no Brasil é doméstica. Porém em meu estudo os números foram conflitantes com a literatura, pois evidenciamos que quase 90% das mulheres atendidas não conheciam o seu agressor e o local onde a abordagem e a violência ocorreram foi a rua", argumenta o médico.

Quase 90% das mulheres
não conheciam agressores

Estopim – A característica da violência urbana evidencia-se ainda mais, segundo ele, quando se percebe que aproximadamente 70% das pacientes de Campinas provinham de bairros da periferia da cidade, predominantemente aqueles localizados na região Sul, no perímetro compreendido pela avenida John Boyd Dunlop e pelas rodovias dos Bandeirantes e Santos Dumont.

"É uma região com alto índice de pobreza, invasões de terra e criminalidade, como tráfico de drogas. Esses fatores são o estopim da violência em geral e contribuem, em parte, para casos de agressão sexual", observa. "Recebemos também pacientes de cidades da região metropolitana de Campinas, como Sumaré, Hortolândia e Monte Mor."

Para compor o trabalho, Carlos recorreu ao histórico de pacientes na faixa etária de 12 a 84 anos, atendidas por ele no Ambulatório de Atendimento Especial do Caism – unidade de tratamento médico e apoio psicossocial no complexo do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp destinada a amparar exclusivamente vítimas de estupro (leia mais nesta página).

Ele verificou que 80% das ocorrências foram registradas entre 18h00 e 6h00, e o horário das 18h00 às 24h00 (em 50% dos casos) coincide com o percurso de muitas mulheres que estão indo ou voltando de escolas ou do trabalho.

"A escuridão é um fator conhecido de camuflagem, o que facilita a abordagem e dificulta a identificação do agressor", pondera.

O ginecologista Carlos Tadayuki Oshikata: vítimas buscaram atendimento médico rapidamenteA arma de fogo foi o mecanismo de coação mais freqüente em 58% das vezes, seguido da força física. A grande maioria das vítimas era estudante do ensino fundamental e do ensino médio. Brancas e solteiras representaram 70% do universo pesquisado. Entre outros dados, Carlos apurou ainda que 71% das mulheres não utilizavam métodos contraceptivos, e apenas 22,3% utilizavam um método de contracepção eficaz.

Imunoprofilaxia - O estudo mostra também que as vítimas buscaram atendimento médico rapidamente: quase 80% foram atendidas nas primeiras 24 horas.

Carlos destaca a relevância dessa providência, já que o tempo entre a violência sexual e o primeiro atendimento médico é decisivo para que se possa fazer prevenção de gravidez e a profilaxia contra doenças sexualmente transmissíveis, entre elas a Aids.

"A eficácia de muitas das medicações depende do tempo entre a exposição e a administração", lembra ele. "Um anticoncepcional de emergência, por exemplo, tem 97% de eficiência quando ministrado em até 24 horas da ocorrência do estupro, e o coquetel contra a Aids não tem ação após 72 horas."

Quando, mesmo com procedimentos preventivos, a vítima engravida (ocorreram três casos no grupo pesquisado), ela pode optar pelo aborto legal, esclarece Carlos, desde que a gestação não ultrapasse 20 semanas. Após esse período, devido aos riscos de sangramento, infecções e ruptura uterina, a unidade oferece acompanhamento pré-natal, psicológico e alternativas para a adoção do recém-nascido.

O Caism, ressalta o ginecologista, é um dos serviços pioneiros, no Brasil, a adotar rotineiramente drogas anti-retrovirais (coquetel anti-Aids) para a imunoprofilaxia do vírus HIV em mulheres que sofreram violência sexual.

Embora o Ministério da Saúde recomende a medida apenas para os casos de maior gravidade, como os que envolvem múltiplos agressores ou lesões vaginais e anais, a adoção indistinta dos anti-retrovirais pelo Caism contribuiu para que, até o momento, nenhuma contaminação fosse observada nas pacientes atendidas pelo serviço.

A experiência positiva da Unicamp poderá levar o Ministério a rever sua norma para utilização do coquetel anti-Aids, informa o pesquisador.

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA REGIÃO

Total de vítimas: 166

86% foram estupradas por desconhecidos
80% das agressões ocorreram à noite
58% foram intimidadas com arma de fogo
85% das vítimas tinham entre 18 e 30 anos
70% eram brancas e solteiras
80% buscaram atendimento em até 24 horas

Fonte: Carlos Tadayuki Oshikata


Atendimento diferenciado

O Ambulatório de Atendimento Especial é o único na região de Campinas a proporcionar atendimento diferenciado a vítimas de estupro. Foi aberto no final de 1998 a partir das experiências bem-sucedidas de unidades similares em dois complexos hospitalares públicos da cidade de São Paulo, e tornou-se modelo para outras instituições do interior do Estado e do país.

"Já fizemos treinamentos para equipes de quase todo o país e o nosso protocolo está sendo utilizado por serviços em Fortaleza, Natal, Salvador, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis e Porto Alegre, entre outros", conta Carlos.

Segundo ele, a atual estrutura e organização dos serviços de saúde, na maioria dos estados e municípios, não suprem adequadamente as necessidades de assistência médico-psicológica das mulheres em situação de violência, nem mesmo para o primeiro acolhimento.

O estupro, em geral, provoca traumas psíquicos, e expõe a mulher a doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. Portanto, para ser adequado, o atendimento de uma vítima de agressão sexual deve ser multidisciplinar e preocupar-se com diferentes aspectos na tentativa de preservar o bem-estar físico e mental da mulher, observa o médico.

Por isso, montou-se no HC uma equipe composta por ginecologista, infectologista, psicólogo, assistente social e enfermeiras, que acompanha a paciente ao longo de seis meses a partir do primeiro atendimento ambulatorial.

"Esse é o período de tratamento mínimo para confirmação de infecções como Aids, sífilis e hepatite B, e para o restabelecimento psicológico da vítima", explica o ginecologista.

Demanda reprimida - Desde o início de suas operações o Ambulatório de Atendimento Especial recebeu quase 700 vítimas de violência sexual, entre as socorridas no próprio Caism ou encaminhadas por terceiros, como postos de saúde, pronto-socorros de outros hospitais, Polícia Militar e Guarda Municipal, de Campinas e municípios vizinhos.

Entre casos novos e retornos, a média mensal de consultas é de 50 pacientes, o dobro do número atendido há quatro anos. Campanhas de orientação sobre o serviço oferecido pelo ambulatório, direcionadas sobretudo a equipes de saúde e autoridades policiais, contribuíram para elevar a demanda.

"A procura cresceu, mas nossa capacidade de absorção infelizmente é baixa", lamenta Carlos. "A infra-estrutura do ambulatório não acompanhou o crescimento da demanda."

A ampliação da equipe, de acordo com ele, permitiria abreviar de 45 para 15 dias o tempo médio de retorno para consultas e exames de acompanhamento. Também colaboraria para melhorar o índice de adesão ao tratamento, hoje em torno de 30% e considerado baixo.

"Muitas abandonam o seguimento ginecológico logo após a primeira menstruação e demonstram que estavam apenas preocupadas com a possibilidade de uma gravidez indesejada. Outras querem esquecer o trauma sofrido e evitam reencontrar o médico ou vir ao hospital para não relembrar o passado recente. Mas, a obediência ao tratamento proposto é imprescindível, principalmente para se detectar alguma infecção", adverte o especialista.

Carlos salienta ainda que outra medida necessária para aliviar a demanda pelo ambulatório é a adoção de procedimentos semelhantes ao do Caism por outras unidades hospitalares, públicas e privadas, na região.

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