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Antropólogo descobre cinco povos ressurgidas no sertão nordestino

Índio brasileiro quer (voltar a) ser índio

LUIZ SUGIMOTO

O antropólogo e fotógrafo Siloé Soares de Amorim pernoitou, entre 1999 e 2002, em casas de sapé e em redes estendidas no precário. Peregrinou no alto sertão alagoano e baiano, para acompanhar e documentar o ressurgimento de povos indígenas. No levantamento, transformado em tese orientada pelo professor Fernando de Tacca e que acaba de ser defendida no Instituto de Artes da Unicamp, Amorim fez o inventário étnico de cinco povos ressurgidos: Kalankó, Karuazu, Catókinn, Koiunpanká e Tumbalalá, os quatro primeiros radicados em Alagoas, e o último na Bahia.

Antropólogo reuniu acervo de três mil fotografias

Índia Catókkin confecciona indumentária O ineditismo do trabalho está ligado ao fato de o fenômeno começar a ser recorrente no cenário indigenista nacional, um território marcado pela falta de diretrizes. Siloé atuou em duas frentes, a antropológica - cuja abordagem já é considerada referência - e a imagética. Na primeira, o rigor científico levou o pesquisador a reconstituir a trajetória secular dos ancestrais dos índios ressurgidos. Na segunda, reuniu um acervo de três mil fotos e outras 80 horas de gravações em vídeo.

As descobertas, porém, não foram obra do acaso. Em 1987, para obter o título de graduação em antropologia na Escola Nacional de Antropologia e História do México, Siloé fez um trabalho sobre a identidade histórica dos Xucuru-Kariri na cidade alagoana de Palmeira dos Índios, sua terra natal, onde morou até os 12 anos de idade. Conta que, ao perguntar para o pai sobre o destino dos índios do lugar, obteve como resposta: "Sei não, meu filho. Têm uns índios na Fazenda Canto que o povo diz ser índio só para tomar terra". Siloé decidiu, então, viajar durante seis meses, por sete estados brasileiros, estreitando relações com lideranças indígenas do Nordeste.

Entretanto, só foi encontrar os índios ressurgidos em 1998, ano em que voltou definitivamente para o Brasil para lecionar no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Na verdade, explica o antropólogo, o ressurgimento vem sendo registrado desde os anos 1940, mas o fenômeno pesquisado por ele é bastante peculiar. "Os outros grupos buscavam sua identidade por meio de outros parâmetros. Esses, não. Além de ressurgirem numa seqüência incomum, eles têm uma conduta própria"..

Criança Catókinn, em Pariconha, AlagoasA maioria das populações das tribos, diz Siloé, é constituída por caboclos, gente muito pobre que trabalha na lavoura, na verdade descendentes de índios que tiveram seus aldeamentos extintos a partir da segunda metade do século 19, especialmente no caso de Alagoas. As aldeias passaram a ser terras devolutas, que eram transformadas em vilas ou redistribuídas. "Eles deixaram de ser índios e passaram a ser pessoas integradas à sociedade. Ao mesmo tempo, eram caboclos sem os direitos de índios e muito menos de cidadãos", explica.

Siloé observa que o ressurgimento é muito mais que a busca da terra perdida. "A terra é um elemento que aglutina, mas o processo é muito mais complexo e sutil". Quais seriam então os outros elementos? A procura por uma identidade própria, negada através dos tempos, é uma delas. A outra é a tradição oral, que resistiu apesar da falta de uma memória linear. "Tudo isso foi herdado e transmitido, seja na prática de danças ou na prática de rituais".

Nesse processo, afirma Siloé, os elementos vívidos vão se conjugando. Não raro, índios - e não-índios - mimetizam práticas e símbolos de outras religiões, entre elas da católica e do candomblé. "Eles recriam uma nova tribo", testemunha. Os únicos elementos ancestrais comuns registrados nas tribos são o maracá, instrumento musical utilizado em rituais, e o toré, dança que representa todos os povos indígenas do Nordeste. Nos encontros, os integrantes da tribo usam vestimentas - conhecidas como praiás - confeccionadas com caruá, fibra típica do sertão alagoano. Fazem parte também do resgate étnico o uso do arco-e-flecha e de cocares, e a pintura.

Nesse sentido, o ressurgimento vai acabar com os conceitos de índio aculturado, de índio acoboclado ou integrado, usados pelo discurso oficial para identificá-los. "Índio hoje é aquele que se auto-reconhece como tal. A Contituição de 1988 garante esse direito", historia o antropólogo. Entretanto, a busca por uma identidade não tem sido das mais fáceis. Os líderes tribais recorreram ao atalho e buscaram apoio de Índio Kalankó, em Água Branca, Alagoasrepresentantes dos poderes públicos locais. Assim, conta Siloé, angariaram a simpatia da Igreja Católica -cujo apoio é ostensivo - de juízes e de prefeitos.

Pelo menos por ora, a utopia de população - cerca de 3 mil pessoas distribuídas nas cinco aldeias - está se concretizando. Os índios criaram uma espécie de rede de solidariedade, passaram a ser vistos de outra maneira pelos moradores, antes hostis, e vêm recebendo assistência médica, embora ainda não sejam oficialmente reconhecidos pela Funai, órgão incumbido de fazer o levantamento etnográfico. Só a partir daí os povos ressurgidos poderão ter suas aldeias demarcadas.

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