| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 208 - 31 de março a 3 de abril de 2003
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Professor do IFCH lembra que o Brasil,
distante do conflito, precisa pensar na defesa nacional


O Brasil diante da guerra contra o Iraque

Eliézer Rizzo de Oliveira


A guerra dos Estados Unidos e aliados contra o Iraque deve ser analisada com toda a atenção pelo sistema político e pelo povo do Brasil. Porque temos uma experiência muito distante da guerra, pouca atenção temos dado à Defesa Nacional. É hora de mudarmos de atitude. Pois, se a guerra nos chega através da TV - e passamos a ter opiniões sobre objetivos, estratégia, armas, equipamentos, manobras, etc. - convém aproveitarmos esta situação para incluirmos a Defesa Nacional na agenda da sociedade civil, já que ela diz respeito aos nossos interesses essenciais enquanto nação, hoje e no futuro.

Sem a ONU, os Estados Unidos vão à guerra contra o Iraque na condição de única superpotência de âmbito mundial. Em sua decisão imperial, respondem apenas a si mesmos. O presidente George W. Bush definiu os objetivos da guerra: "desarmar o Iraque, libertar sua população e defender o mundo de um grave perigo". Para tanto, será preciso libertar este país e substituir o regime de Saddam Hussein. Assim, se não conseguir realizar estes objetivos, não terá conseguido a vitória.


"Em sua decisão imperial, os EUA respondem apenas a si mesmos"


Mulheres iraquianas gritam frases contra os EUA em Yousifiya, ao sul de Bagdá: americanos são vistos como cristãos imperialistas que agridem muçulmanosNuma conferência para veteranos de guerra, Paul Wolfowitz (sub-secretário de Defesa) justificou a guerra preventiva mediante uma comparação do regime iraquiano com o nazismo. Este, porque não foi destruído antes de constituir-se plenamente, levou o mundo à catástrofe da II Guerra Mundial. Destruir o regime de Saddam Hussein e destruir as suas armas, para que não venham a cair em mãos do terrorismo internacional, este é o objetivo central desta guerra.

Os atentados de 11 de setembro motivaram a radicalização de alguns conceitos da segurança nacional dos Estados Unidos. O terrorismo já era concebido como o principal desafio. Agora, deve ser destruído em qualquer hipótese. Segundo a Estratégia de Segurança Nacional (Doutrina Bush), os Estados Unidos reservam-se o direito de atacar, de modo preventivo, todo e qualquer país que represente perigo para a sua segurança. Não se trata do direito de resposta, consagrado no Direito Internacional, mas do direito de empregar a força unilateralmente, se for o caso, a despeito da ONU.

A justificativa jurídica dos Estados Unidos para empreenderem a guerra em curso funda-se na Constituição americana e nas resoluções da ONU acerca do desarmamento do Iraque. Em especial, a de número 1141, que concede a este país "uma última oportunidade de cumprir suas obrigações em matéria de desarme", ao mesmo tempo em que reforça o regime de inspeções. Dado que a França e a Rússia anteciparam seu voto contrário ao emprego da força, os Estados Unidos não recorreram Eliézer Rizzo de Oliveira é membro do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp e pesquisador CNPq-FAPESP. ao Conselho de Segurança para a decisão final. Ora, nenhuma resolução determinara a mudança de regime político do Iraque, apesar de a democracia ser preferível à ditadura e ao despotismo.


"A democracia pressupõe uma cultura laica, a dissociação entre religião e Estado"

O terrorismo é danoso e condenável em todos os sentidos. Até porque provoca efeitos perversos no plano político. Países que o enfrentaram, tenderam a adotar práticas terroristas, gerando o terrorismo de Estado; correlatamente, grupos terroristas (de esquerda e de direita) que adotaram a luta armada copiaram o militarismo que combatiam. Os Estados Unidos estimularam esta tendência, bastando lembrar seu apoio às ditaduras na América do Sul durante a Guerra Fria. Outro tipo de terror se verifica no ataque ao Iraque, em razão da disparidade (assimetria) da capacidade bélica dos países em conflito.

Bush pretende implantar uma democracia pós-Saddam. Mas o funcionamento e a estabilidade deste regime estranho à cultura islâmica é tão pouco provável quanto a implantação de um regime de base religiosa nos principais países ocidentais. Por quê? Porque a democracia pressupõe uma cultura laica, a dissociação entre religião e Estado, uma sociedade civil ativa, a renovação do poder cuja legitimidade se estabelece e se renova nas manifestações livres da cidadania. O mais provável é que tal regime abra as portas ao islamismo religioso radical, hoje contido pelo regime iraquiano, além de a uma previsível onda de terrorismo antiamericano.
Míssil Tomahawk é lançado pelo destróier USS Porter rumo ao Iraque: EUA estimularam terrorismo

Bush não deve compreender as razões que motivam os iraquianos a não receber os invasores de braços abertos. Ao contrário, são vistos como cristãos imperialistas que agridem muçulmanos em sua própria terra. Resistências às mudanças são previsíveis; quanto ao mais, o pós-guerra do Iraque é imprevisível. A guerra não está ocorrendo apenas por razões econômicas, mas porque o governo americano aplica sua visão do pós-guerra fria sobre a proteção do seu território e a ordem internacional, em cuja hierarquia de poder os Estados Unidos ocupam o indisputado e incontestável primeiro lugar.

O Brasil tem reafirmado o primado da lei internacional, a valorização da ONU e o emprego da força como último recurso, desde que legitimado pela ONU. Esta posição se identifica com a adotada pela França, Alemanha e Rússia (Declaração conjunta de 15.03.2003). No entanto, os limites da ação destes três países são claros, em termos econômicos e militares. Com muito menos poder, o Brasil precisa estar atuante, até para impedir que a convivência pluralista que nos caracteriza seja contaminada por um "choque de civilizações" de que não poderá escapar a presente guerra.

Um alerta deve ser reconhecido pelo Brasil, seu governo e sua sociedade civil. Nenhum país estará isento de riscos em razão da Doutrina Bush. Não em razão do terrorismo (que não praticamos), nem das armas nucleares (que escolhemos não ter), mas da possibilidade do desenvolvimento de um perfil estratégico próprio, que levará décadas para configurar-se.

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