Edição nº 670

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de setembro de 2016 a 02 de outubro de 2016 – ANO 2016 – Nº 670

Exergames, das salas de aula ao atletismo

Estudo demonstra que jogos eletrônicos podem
auxiliar professores como ferramenta didática

O videogame como recurso didático constitui uma parte importante da aprendizagem e da interação social das crianças. Os exergames, por exemplo, criados em 2007, são jogos eletrônicos que captam e virtualizam os movimentos reais dos seus usuários, possibilitando a ampliação e a recriação de práticas e vivências corporais na escola. Isso contribui para o aprendizado de conteúdos, sobretudo de educação física, o que vai na contramão da ideia de que jogos eletrônicos levam invariavelmente ao sedentarismo.

Uma pesquisa de mestrado feita por Karen Regina Salgado na Faculdade de Educação Física (FEF), com alunos dos quartos e quintos anos de uma escola de ensino fundamental sediada na Unicamp, concluiu que os exergames para o ensino de atletismo e de outras modalidades esportivas podem e devem estar presentes nas aulas, desde que tenham uma mediação pedagógica. “Entregar o videogame para uma criança jogar apenas não tem sentido, se a intenção é ensinar conteúdo”, reforçou a mestranda.

O seu estudo mostrou que essa ferramenta pode ser uma forte aliada do professor, assim como o livro didático também é para ensinar a ler e a escrever. Ela avaliou o uso dos exergames por 42 alunos com idade entre nove (19) e dez anos (23) em 2014. Este trabalho fez parte do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação Física (FEF) em conjunto com a Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA).

Quando idealizou o seu projeto, a autora relatou que a intenção não era formar atletas e sim que os alunos tivessem a vivência e conhecessem um outro instrumento para aprender. No seu entender, os exergames são uma boa estratégia de aprendizagem, por auxiliarem o professor em sala de aula e também fora dela. Apesar disso, admitiu, o tema ainda suscita discussões de que os videogames trazem afastamento das práticas esportivas e do brincar com movimentação.

De acordo com o professor da FCA Alcides Scaglia, orientador do estudo, a contribuição que o avanço tecnológico tem trazido à sociedade contemporânea é inegável. “Não é possível ignorar a influência que ele exerce sobre as crianças, sobre essa geração. Por isso, quando dizemos que estamos diante de alunos do século 21, numa escola de estrutura de século 20, se não fizermos a transposição, correremos o sério risco de não ter um todo interessante. Faltará sempre o componente de atualidade e o contexto.”

Ação
Conforme Karen, a tecnologia dos videogames começou com o Wii, console de uso doméstico produzido pela empresa Nintendo, lançado em 2006. No ano seguinte, veio o Xbox com o Kinect, que foi utilizado nesse trabalho (e que custa por volta de R$1.600), e depois foi lançado o Playstation. São videogames que empregam o corpo como avatar (uma espécie de espelho). Os movimentos são reproduzidos na tela do videogame.

No estudo, a autora explorou o ensino de atletismo, montando um conjunto de oito aulas com exergames, que foi conciliado com aulas de quadra. Noventa e oito por cento das crianças estudadas nunca tinham tido aulas de atletismo na educação física escolar. Com essa nova dinâmica, elas não só o aprenderam como conseguiram melhorar o rendimento do seu jogo: na corrida, no salto, no arremesso e no lançamento. Os alunos, informou a pesquisadora, também demonstraram interesse por esse aprendizado pelo fato de terem acesso ao videogame, o qual normalmente eles associam à brincadeira.

A metodologia uniu o videogame e as atividades práticas. E tudo colaborou para que os alunos tivessem uma boa representação do que significa o jogo de atletismo real, visto que na escola dificilmente teriam à sua disposição uma pista de atletismo. “Adaptamos a quadra para o aprendizado do atletismo real. E o videogame trouxe a referência do jogo real, com algumas perspectivas, inclusive técnicas”, revelou Scaglia.

No início, os alunos apresentaram erros de nomenclatura dos jogos. Usaram o termo corrida de obstáculos, ao invés de corrida com barreiras, e a nomenclatura lançamento, ao invés de arremesso. “Logo, em hipótese alguma, esse tipo de jogo substitui o professor de educação física. Por outro lado, é um grande facilitador para os alunos entenderem o conceito do que é o atletismo e de como jogar.”

Alternativa
Karen criou um roteiro de intervenção lúdica com brincadeiras que depois passaram para o videogame. Os resultados foram encorajadores, principalmente porque o atletismo é uma modalidade pouco inserida nas escolas pela falta de espaço físico.

A mestranda garantiu que é possível dar a dimensão desse conteúdo na escola como prática que permite uma atualização própria da educação física, até porque essa prática é praticamente restrita hoje às quadras. 

“Com um roteiro, os alunos foram capazes de entender o que é o atletismo real e o virtual, jogar o atletismo e, o mais importante, levá-lo para além da escola. Isso porque aprenderam primeiramente que o atletismo é divertido, é desafiador e é possível de ser praticado por todas as pessoas”, frisou Scaglia.

Dentro da proposta, as crianças nunca competiam entre si. O desenvolvimento do atletismo e das aulas era em busca da autossuperação. Então, eles próprios marcavam o seu tempo e competiam contra eles mesmos.

Os alunos foram divididos em trios. Na aula de corrida de velocidade, recebiam um cronômetro e uma prancheta. Enquanto um colega corria, um era responsável por cronometrar o tempo e outro por organizar a planilha. Todos passavam por todas as funções.

Eles faziam até o papel do observador. Nas próprias aulas com o Xbox, percebiam os detalhes técnicos, como a questão de elevar mais o joelho na hora da corrida e como mexer no cronômetro. “Quando elevavam as pernas, modificavam o controle do corpo e melhoravam o tempo do videogame”, descreveu Karen. “Caímos nas dimensões do conteúdo que os especialistas trazem, que é o atletismo na dimensão de conceito, de saber o atletismo, de saber fazer o atletismo, de saber ser o atletismo e de respeitar o colega dentro desse conteúdo.”

Outro aspecto curioso do trabalho foi que a pesquisadora adaptou os espaços e os equipamentos, produzindo objetos alternativos para lançar e para saltar. Ela empregou, no ensino de atletismo prático, cadeiras e cabos de vassoura para promover corridas com barreiras. No lançamento de disco, não empregou o disco de ferro, que iria estragar o chão da quadra. Usou rodinha de carrinho de feira. O dardo foi feito com cabo de vassoura. A escola não tinha cones. Utilizou garrafas pet com anilina colorida. Não havia tanque de areia no salto a distância. Foi então adotado um colchão.

Os alunos puderam reproduzir a ideia. Aprenderam que o atletismo e outros jogos poderiam ser praticados em diferentes espaços, pois o objetivo na aula de educação física não era ensinar o atletismo formal, com sua regra oficial, no seu espaço oficial. Era, antes, mostrar o que é o atletismo e como pode ser jogado, sublinhou Scaglia.

Ele ainda realçou que no atletismo é possível mostrar que podem ser usadas novas tecnologias para complementar o ensino, mas de novo com os devidos cuidados, “pois não estamos preocupados simplesmente com a motivação e sim com a aprendizagem”.

Karen trabalhou com corrida de velocidade, corrida com barreiras, salto em distância, lançamento de disco e de dardos. Também passou por modalidades como corrida de revezamento e corrida de resistência, contou a mestranda, que atua como professora de educação física em duas escolas da região de Campinas.

Publicação

Dissertação: “Press start: os exergames como ferramenta metodológica para o ensino do atletismo na educação física escolar”
Autora: Karen Regina Salgado
Orientador: Alcides José Scaglia
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF) e Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA)