Edição nº 648

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 04 de março de 2016 a 11 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 648

Mais segurança para
bebês abaixo do peso

Pesquisadora desenvolve dispositivos para
o transporte seguro de recém-nascidos

Segundo dados de 2014, estima- se que cerca de 16 mil crianças de zero a um ano morrem anualmente no Brasil em decorrência de acidentes em transportes veiculares. Em 2012, constataram-se no país 233 mil recém-nascidos de baixo peso (RNBP) - assim considerados os bebês com menos de 2.500 gramas - dos quais em torno de 80% sobrevivem e que, depois de receberem alta, devem retornar à maternidade periodicamente para exames de controle, ocasiões em que são transportados em veículos particulares ou públicos. São então conduzidos nos chamados bebês-conforto ou cangurus disponíveis no mercado, não adequados aos seus reduzidos tamanhos e que, além de submetê-los a maiores riscos de acidente, causam sérios problemas de postura, que podem ser de difícil correção futura e causar, durante o uso, lesões cerebrais e, em casos extremos, até a morte.

Com o objetivo de minimizar os riscos nos transportes desses bebês nos equipamentos disponíveis e torná-los mais confortáveis, Cindy Janneth Rondón Cachopo, oriunda do departamento de Santander, na Colômbia, graduada em Desenho Industrial pela Faculdade de Engenharia Físico-Mecânica, da Universidade Industrial de Santander, desenvolveu dois dispositivos para o transporte de RNBP, com massas entre 1.600 e 2.500 gramas, a partir da alta hospitalar. Um dos dispositivos foi projetado para adaptação às cadeirinhas infantis ou bebês-conforto utilizados em automóveis, de dimensões maiores às necessárias e inadequadas aos RNBP. O outro, que substitui os cangurus existentes, possibilita o transporte seguro dessas crianças junto ao corpo das mães, particularmente em veículos coletivos.

Para a pesquisadora, “os resultados mostraram que o dispositivo projetado para ser insertado nas cadeirinhas infantis permite que os RNBP sejam retidos com segurança e conforto em uma posição sentada ergonomicamente correta”. Por sua vez, o dispositivo destinado ao uso em veículos coletivos possibilita a manutenção das mãos livres de quem carrega a criança, em geral nos braços, diminuindo seu risco de queda quando do emprego das mãos para atender outras necessidades. Contribui, também, para um posicionamento natural do recém-nascido junto ao peito da pessoa que o conduz. Ela considera que o estudo traz significativa contribuição para o conforto e a segurança de um grupo vulnerável da população neonatal durante seu transporte e evita ainda posturas incorretas e consequentes problemas de saúde. 

A autora, que se decidiu pela Unicamp quando pretendia especializar-se em tema ligado ao transporte, por sabê-la situada entre as melhores da América Latina, recebeu orientação do professor Antônio Celso Fonseca de Arruda, que de longa data mantém linhas de pesquisa nessa área.  Ela ingressou então no Projeto Criança e Segurança, desenvolvido junto ao Departamento de Materiais e Processos da FEM, onde existe um grupo interessado na segurança veicular de crianças. Parte do estudo, financiado pela Capes, teve a colaboração do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp.

Os dispositivos

O uso de dispositivo de retenção para crianças, a cadeirinha infantil, é de uso obrigatório em veículos particulares. Mas as versões comercializadas, desenvolvidas em L, não permitem a acomodação adequada da coluna do bebê, que tem uma curvatura contínua, de convexidade posterior, denominada cifótica, diferente da do adulto. O dispositivo desenvolvido permite manter a criança em posição ergonomicamente correta de forma a manter a coluna em posição natural e as vias respiratórias desobstruídas.

Além do que, como os RNBP são muito pequenos em relação às cadeirinhas comumente utilizadas, os cintos de segurança nelas disponíveis se mantêm frouxos e acima dos ombros. Isso leva a criança a pender a coluna para os lados, entortando-a em relação à observação

frontal, ou ainda, a pendê-la para frente, provocando sua torção quando observada lateralmente. Neste segundo caso, em consequência da cabeça pendida para frente, o queixo encosta no peito, comprometendo sua capacidade respiratória, com risco de lesões cerebrais ou mesmo morte. O dispositivo desenvolvido para ser acoplado à cadeirinha elimina estes problemas.  Um nível de bolha adaptado lateralmente à cadeirinha permite ainda que a mãe verifique se sua inclinação está correta.

Além disso, diferentemente dos produtos de mercado, projetados para utilização em climas de temperaturas mais baixas, foi elaborado em tecido com 100% de algodão, que facilita o fluxo mais livre do ar e evita a sudação excessiva e o desenvolvimento de alergias. O dispositivo criado é adaptável a qualquer bebê-conforto disponível no mercado.

Em relação ao canguru normalmente utilizado, o modelo desenvolvido para RNBP garante também uma posição estável e ergonomicamente correta, que as versões comercializadas não permitem, pois as crianças ficam com a cabecinha para trás e com as pernas abertas, o que causa deformação que muitas vezes perdura quando as crianças começam a caminhar e torna-se de difícil correção. 

A pesquisadora esclarece ainda que no transporte coletivo os principais problemas observados são hiperextensão e flexão inapropriada do pescoço da criança e sustentação precária quando a pessoa que a carrega precisa usar as mãos. O canguru desenvolvido possibilita que a mãe utilize os veículos coletivos com as mãos livres e, equilibrando-se melhor, possa atender necessidades paralelas ao carregamento da criança.

Inicialmente, lembra a pesquisadora, foram necessários estudos para estabelecer o estado de arte dos produtos existentes no mercado bem como caracterizar o público alvo e conhecer o ambiente de uso. Na sequência, o processo de design envolveu quatro etapas: especificar o contexto de uso; identificar os requisitos; produzir soluções de design; e avaliar o design. Estas fases do estudo permitiram identificar as necessidades de conforto e de segurança dos usuários e estabelecer os parâmetros para elaboração dos projetos.

As várias etapas do trabalho foram progressivamente avaliadas interativamente por meio de entrevistas com membros da FEM e, com a colaboração do Caism, por pessoal de saúde da área de neonatologia e mães de RNBP, que procederam a testes de usabilidade. Nessa abordagem, que envolveu os RNBP, seus familiares e pessoal técnico e de enfermagem que os atendem, foi utilizada uma metodologia denominada Design Centrado no Humano. Estes três grupos participaram de todo o processo de design.


 

Participação do Caism nas pesquisas foi fundamental

Cindy contou com a colaboração de funcionários, pessoal de enfermagem e, particularmente, do pediatra Sérgio Marva, do Caism, para inicialmente observar e inteirar-se dos problemas relacionados ao transporte em veículos particulares e coletivos dos RNBP por ocasião de suas liberações. Essa participação, afirma ela, foi fundamental para o desenvolvimento de um protocolo a ser submetido ao comitê de ética em pesquisa da Unicamp que, aprovado, lhe permitiu realizar o acompanhamento efetivo do transporte particular e público dessas crianças.

Para garantir a participação das mães dos RNBP no desenvolvimento do trabalho o grupo do Caism que participou da pesquisa informava-lhes a natureza do trabalho e solicitava-lhes a concordância. Esse acompanhamento iniciou-se no ambulatório neonatal do Caism, local em

que as crianças recebem altas e retornam para controle. A autora considera que nesta fase a participação do Caism foi fundamental principalmente para a formulação e o desenvolvimento do processo de pesquisa de acordo com as exigências técnicas.

Ela então acompanhava, no caso do transporte particular, a saída da mãe que portava a criança no bebê-conforto até sua fixação no veículo e documentava os procedimentos através de fotos que permitiam o registro da posição e das diferentes posturas adotadas pela criança.

Depois de aventadas as soluções, com a colaboração do Caism, para os problemas detectados ela desenvolveu junto à FEM os conceitos que deveriam orientá-la na procura das soluções. Definidos os conceitos ela retornou ao Caism para que os resultados fossem submetidos à apreciação dos familiares e enfermeiras que mantêm contato com os RNBP com vistas a colher sugestões para aperfeiçoamento do projeto que levaria à construção dos protótipos. O mesmo foi feito em relação ao canguru.

Com base nessas contribuições foram desenvolvidas várias alternativas para o desenho dos projetos. Elas foram então submetidas novamente às mães e enfermeiras do Caism e, paralelamente, consultados outros participantes da pesquisa e engenheiros ligados à FEM para que se pudesse chegar aos resultados mais adequados, incorporados aos projetos e protótipos finais.

A pesquisadora considera que as soluções desenvolvidas apresentam um rendimento satisfatório. No caso do bebê-conforto, os usuários manifestaram 97,3% de satisfação, que foi de 95,3% no transporte com a utilização do canguru.


 

Publicação

Dissertação: “Dispositivos para transporte de recém-nascidos de baixo peso: uma abordagem de Design Centrado no Humano”
Autora: Cindy Janneth Rondón Cachopo
Orientador: Antonio Celso Fonseca de Arruda
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)