Edição nº 648

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 04 de março de 2016 a 11 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 648

Urbanização de favela é analisada


A cientista social Maria Encarnación Moya Recio, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, analisou, em seu estudo de pós-doutorado, como os moradores da favela paulistana Vila Nova Jaguaré têm interagido com o processo de urbanização em curso desde 2006 na ocupação. A sua pesquisa buscou compreender, sob a perspectiva das famílias, a importância da casa na favela, bem como o impacto de melhorias que só mais recentemente foram promovidas pelo poder público, como asfalto e esgoto.

“Esta urbanização da favela vem conformando, ao mesmo tempo, um campo de oportunidades e constrangimentos. Com este processo de urbanização a casa ganha ‘mais valor’, tanto material, quanto simbólico. Isso também pode viabilizar a saída de uma situação de extrema precariedade habitacional. Mas, por outro lado, este processo pode impor novos custos associados à ‘formalização’ da moradia, como contas e parcelas a pagar. Isso pode ainda incentivar a ‘venda da chave’ nas situações de maior vulnerabilidade socioeconômica”, considera.

Encarnación Moya explica que o objetivo do estudo foi examinar de que maneira a urbanização da maior favela da cidade de São Paulo em área contínua (150 mil m²) tem impactado as condições, modos de vida, projetos familiares e individuais dos habitantes do local. Ela informa que o processo de regularização fundiária na Vila Nova Jaguaré, ainda em curso, deve conceder aos moradores um título de posse por 99 anos. Na pesquisa, a cientista social utilizou uma abordagem biográfica, baseada em entrevistas em profundidade com membros de 11 domicílios, além da observação direta.

“Os moradores ainda se perguntam se todo esse processo quer dizer ‘casa própria’ ou ‘não’. Até o momento da urbanização, muitos entrevistados consideravam que tinham melhorado de vida, tanto do ponto de vista das melhorias que realizaram em suas casas, como do ponto de vista socioeconômico. Os que não experimentaram isso - eles nunca saíram da condição do barraco - haviam pensado na possibilidade de voltar para a terra natal. Mas sendo moradores mais antigos, acabaram recebendo a verba do aluguel social repassada pela prefeitura e aguardaram a mudança para os conjuntos habitacionais.”

Ainda conforme Encarnación Moya, o processo de urbanização, com a construção dos conjuntos habitacionais na área da favela e arredores, tem impacto no que ela denomina de trajetórias habitacionais. A estudiosa explica que, dentro da favela, hoje oficialmente chamada de “núcleo urbanizado”, as trajetórias habitacionais possuem o sentido das mudanças que a casa e as condições de moradia vão assumindo ao longo do tempo. São trajetórias ligadas às estratégias de sobrevivência e melhoria de vida.

“Trajetórias habitacionais relacionam-se às necessidades que vão surgindo no seio do próprio grupo doméstico. Os filhos crescem, constrói-se mais um cômodo, a laje dá lugar a um sobrado, e assim vai. Mas essas trajetórias não são lineares: houve famílias que sequer saíram da condição de barraco até o momento do processo de urbanização. Nesses casos em parte influiu o fato de que ocupavam uma área extremamente precária sobre um córrego. Mas, além disso, a própria trajetória do grupo doméstico - separações, novas uniões, idas e voltas da terra natal em fases de desemprego ou pela vontade de estar perto dos familiares –, tudo isso influi no que é feito com a casa”, analisa.

Nova Jaguaré

A Vila Nova Jaguaré, mais conhecida atualmente como Nova Jaguaré, situa-se no distrito do Jaguaré, pertencente à subprefeitura da Lapa, no centro expandido de São Paulo. Conforme dados do Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a comunidade contava

com 8.650 habitantes em 2010. Está localizada numa região crescentemente valorizada da cidade, de acordo com a pesquisadora da Unicamp.

“Às margens do Rio Pinheiros, próxima à Universidade de São Paulo e fazendo limite com os bairros Alto de Pinheiros, Vila Leopoldina, Butantã e Rio Pequeno, a favela teve sua ocupação iniciada nos anos de 1960. Houve um adensamento no ritmo da intensa industrialização e rápida urbanização dos anos de 1960 e 1970, com a chegada de migrantes, em sua maioria do Nordeste do país, em busca de chances de vida”, acrescenta.

A Vila Nova Jaguaré sofreu outro adensamento intenso durante a crise dos anos de 1980 e a fase de restruturação produtiva de 1990. Este crescimento foi reflexo do empobrecimento da população e da tentativa de fuga do aluguel, mas também da ausência de políticas públicas para a população de baixa renda, aponta a estudiosa da Unicamp, que recebeu bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Publicação 

Pós-doutorado: “Trajetórias habitacionais e desigualdades na pobreza: interações entre as trajetórias da ‘Nova Jaguaré’ e o programa de urbanização de favelas na cidade de São Paulo”
Autora: Maria Encarnación Moya Recio
Unidade: Núcleo de Estudos de População (Nepo)
Financiamento: Fapesp