Edição nº 648

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 04 de março de 2016 a 11 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 648

Em cena, mas como coadjuvantes

Segundo pesquisa do IE, países em desenvolvimento
têm participação discreta no Sistema Agroalimentar Mundial

Com as transformações ocorridas a partir dos anos 80 no Sistema Agroalimentar Mundial, que se tornou mais flexível, novos agentes [países, grandes atacadistas e redes de supermercados] passaram a participar do comércio internacional de alimentos. Ocorre, porém, que essa inserção foi feita de modo assimétrico, o que manteve as nações compradoras, notadamente Estados Unidos, Reino Unido e Holanda, na liderança desse processo. A constatação é da tese de doutorado do economista Thales Augusto Medeiros Penha, defendida no início de fevereiro no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O trabalho foi orientado pelo professor Walter Belik.

O Sistema Agroalimentar Mundial pode ser explicado como o modelo que coordena os processos de produção e comercialização dos alimentos em plano global. De acordo com Thales Penha, até os anos 70 esse sistema seguia uma lógica fordista, de produção em massa para um mercado ávido por consumir. A base da produção era constituída principalmente por grãos – soja, milho, arroz e trigo. A liderança desse processo era exercida pelos Estados Unidos, considerado até então como o maior celeiro mundial de produtos alimentares, e em menor grau por países da Europa.

Na transição dos anos 70 para os 80, entretanto, o sistema sofreu uma significativa transformação. Houve, segundo o economista, uma abertura para a participação de novos agentes no mercado. Os países europeus, recuperados dos danos causados pela Segunda Guerra, cresceram em representatividade. Além disso, outros fatores concorreram para a mudança do modelo. Houve, por exemplo, um forte crescimento da demanda por alimentos diferenciados, provocado pelo aumento da renda da população mundial. “As pessoas passaram a consumir produtos classificados como bens superiores, aqueles que não são de primeira necessidade”, esclarece.

Também aconteceu uma alteração no perfil desse consumidor, que começou a dar maior importância a temas como qualidade de vida, valor nutricional dos alimentos e sustentabilidade ambiental. Por fim, ocorreu uma mudança na oferta de alimentos, graças ao avanço tecnológico incorporado principalmente na fase da pós-colheita. “Com isso, produtos que duravam, em média, quatro ou cinco dias, passaram a durar 15 dias, o que permitiu que alimentos produzidos na América Latina chegassem à Europa e pudessem ser consumidos ainda frescos”, pontua Thales Penha.

Neste contexto, o Sistema Agroalimentar Mundial assumiu um perfil bem mais flexível, adaptado ao novo cenário. “O que procurei investigar na minha tese foi como os países se comportaram depois dessa transição. Eu queria saber, por exemplo, se os países em desenvolvimento, como o Brasil, realmente haviam sido inseridos no processo e que importância eles tinham nesse grupo de nações exportadoras”, esclarece. Para isso, o pesquisador valeu-se da “metodologia de redes”, que utiliza modelo matemático baseado na teoria dos grafos.

Essa metodologia permite a extração, a partir de matrizes adjacentes, de propriedades emergentes. “No meu caso, eu analisei os fluxos comerciais entre os países no período de 1980 a 2012. 

Dividi esse fluxo em quatro redes, sendo a principal a denominada de FLV [Frutas, Legumes e Verduras], para ver como elas evoluíram. A rede FLV é importante para o Brasil porque foi por meio 

dela que o país ingressou no Sistema Agroalimentar Mundial, através de dois importantes polos fruticultores, o de Petrolina-Juazeiro e de Açu-Mossoró, ambos no Nordeste. Um dado curioso sobre o Brasil é que o país é um grande produtor mundial de frutas, legumes e verduras, mas não é um grande exportador, à exceção do melão. Isso se explica devido às dimensões do nosso mercado interno”, detalha Thales Penha.

Ao investigar mais profundamente o comportamento dos países que compõem o Sistema Agroalimentar Mundial, o autor da tese de doutorado constatou que, ainda que novos agentes tenham 

Tal assimetria pode ser comprovada, conforme o economista, a partir da análise do número de parcerias firmadas pelos polos fruticultores brasileiros. Num período de 20 anos, o de Açu-Mossoró não amealhou mais que 15 parceiros, embora o melão produzido na região, principalmente pela Agrícola Famosa, esteja presente em praticamente todo o mundo. No polo de Petrolina-Juazeiro, o número de parceiras não ultrapassa atualmente um dígito. “Os países líderes controlam o fluxo comercial e os grandes atacadistas cuidam da distribuição. Países como Brasil cumprem um papel coadjuvante no processo”.ingressado no processo, a liderança continuou sendo exercida por nações centrais, com destaque para Estados Unidos, Holanda e Reino Unido. “Esses países detêm o maior número de parceiros e respondem pelo maior volume de transações comerciais. Os demais têm participação bem mais discreta, com poucos parceiros. Em outras palavras, houve de fato uma liberação comercial, mas esta inserção de novos atores no sistema se deu de maneira muito assimétrica”, sustenta.

Em seu trabalho, Thales Penha também analisou o tipo de relação existente entre os produtores brasileiros e as redes de atacadistas e supermercados. O pesquisador aplicou questionários a agricultores instalados nos polos nordestinos para identificar que tipo de contrato é firmado entre as partes. “O que constatei é que temos duas situações muito diferentes. No polo Petrolina-Juazeiro, onde predominam os pequenos agricultores, prevalecem os contratos informais, muitos baseados apenas na palavra ou no aperto de mão. Intermediários compram a produção, oferecendo o preço da semana, para revender os produtos para os entrepostos atacadistas. Isso sem dúvida gera um quadro de muita insegurança aos produtores”, considera o economista.

Já no polo Açu-Mossoró, que conta com médios e grandes produtores, e cuja produção atende majoritariamente o mercado internacional, prevalecem os contratos formais, que oferecem um pouco mais de segurança aos agricultores. “Esses contratos normalmente contemplam um preço mínimo e um cronograma mais extenso, o que permite um melhor planejamento da produção por parte do agricultor”, diz. O pesquisador destaca, ainda, que o Brasil conseguiu alguma inserção no Sistema Agroalimentar Mundial por causa das políticas públicas voltadas à implantação e desenvolvimento dos dois polos fruticultores.

Ambos foram criados já com o objetivo de ampliar as exportações nacionais, e assim equilibrar a balança comercial brasileira. “As obras de irrigação, que asseguram a produção dos polos, tiveram início nos anos 70. Desde então, o governo federal criou diversos incentivos fiscais e linhas de financiamento para fortalecer Petrolina-Juazeiro e Açu-Mossoró. Atualmente, algumas políticas públicas ainda estão à disposição dos produtores da região, mas elas carecem de maior sincronia. Nem sempre os programas dialogam entre si, o que traz incertezas principalmente para o pequeno agricultor”, avalia Thales Penha, que contou por dois anos com bolsa de estudo concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível 

Polos 
Superior (Capes), agência de fomento do Ministério da Educação. Atualmente, o economista atua como professor substituto na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Ainda que tenham sido criados para cumprir um mesmo objetivo, o de ampliar a inserção dos alimentos brasileiros no mercado internacional, os polos fruticultores de Petrolina-Juazeiro e Açu-Mossoró são muito diferentes entre si. No primeiro, predominam os pequenos agricultores, principalmente de manga e uva. Somente o assentamento Nilo Coelho conta com 2.058 produtores. No total, são 33 mil quilômetros quadrados de área. 

No Açu-Mossoró, ao contrário, prevalecem os médios e grandes produtores. Atualmente, são cerca de 20 propriedades produtoras de manga. No polo está instalada aquela que é considerada a maior exportadora de melão do mundo, a Agrícola Famosa, que foi fundada em 1995. De acordo com dados da própria empresa, a safra de 2010/2011 gerou 100 mil toneladas de frutas destinadas ao mercado externo, principalmente para Reino Unido, Holanda, Itália e Espanha. A mesma safra rendeu outras 30 mil toneladas destinadas ao mercado interno. Segundo a Agrícola Famosa, sua capacidade anual de produção é de 6 mil hectares por ano, entre melão e melancia. A empresa gera cerca de 5 mil empregos diretos.

Publicação

Tese: “Estrutura e dinâmica do sistema agroalimentar: uma análise dos mercados de fruticultura dos polos irrigados de Açu-Mossoró e Petrolina-Juazeiro”
Autor: Thales Augusto Medeiros Penha
Orientador: Walter Belik
Unidade: Instituto de Economia (IE)
Financiamento: Capes