Edição nº 529

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de junho de 2012 a 17 de junho de 2012 – ANO 2012 – Nº 529

Da graduação à docência

Alunos formados nas primeiras turmas viram professores
e são testemunhas de todas as fases da Universidade

Desde sua implantação e ao longo de sua história, a Unicamp sempre contou com um corpo docente cuja marca foi a excelência. Por ser uma universidade jovem, alunos das primeiras turmas formadas na instituição dão hoje sua contribuição na docência, dedicando-se há quase meio século à instituição.

O professor Rogério Antunes Pereira Filho, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), foi aluno da primeira turma de medicina. Ele entrou na Universidade aos 18 anos, em 1963, quando a unidade ainda se chamava Faculdade de Medicina de Campinas – em 28 de dezembro de 1962, era criada oficialmente, pelo então governador Carlos Alberto de Carvalho Pinto, aquela que seria o embrião da Unicamp, a Universidade Estadual de Campinas (UEC), à qual foi incorporada a Faculdade de Medicina.

Pereira fez residência em clínica médica, doutorado e tornou-se professor assistente. Segundo o médico, os primeiros alunos eram chamados de “caipiras”, porque a turma, de 50 alunos, contava com uma maioria de alunos oriundos de cidades do interior paulista. “Campinas era vista como uma cidade tradicionalista, de médio porte. A referência para estudantes do interior, até então, era Ribeirão Preto, considerada mais aberta. Até por isso, a maior parte do tempo dos alunos era vivida na faculdade, embora naquela época a instituição não dispusesse de boas acomodações”, afirma. O curso funcionava na Maternidade de Campinas, cujo prédio ainda estava sendo construído. “Eram 50 cadeiras, tipo ‘Cinema Paradiso’, piso de cimento”, lembra.

Depois de dois anos no prédio da Maternidade, a unidade foi transferida para a Irmandade Santa Casa de Misericórdia, no Centro de Campinas. “Adorávamos aquele local, apesar de o prédio ser totalmente inadequado e a construção histórica não permitir reformas. O primeiro reitor foi Cantídio de Moura Campos, que era professor da USP e não conseguiu realizar muita coisa”, recorda.

Com o golpe militar de 1964, a universidade formalmente acabou. Sua implantação só voltou a ser discutida alguns meses depois graças a Zeferino Vaz, que instituiu uma comissão para tocar o projeto de sua implantação. Os alunos da Medicina estavam inseguros quanto ao futuro. “Mas Zeferino reuniu-se com a gente e nos convenceu de que o investimento seria no campus, em detrimento daquele espaço que a escola ocupava. Dessa forma, foram sendo constituídas as outras faculdades, instalando-se a partir daí a Universidade. Anos depois, já saudosos, saímos da Santa Casa, mas fomos para um lugar maravilhoso. Atualmente, quando a gente olha a grandiosidade deste campus, quase não dá para acreditar”, afirma.

“Minha casa”

A ligação de Rogério com a Unicamp já data de quase meio século. Além de aluno e professor, ocupou cargos de gestão, um dos quais como diretor do Hospital de Clínicas (HC). Ele afirma que sua história pessoal está entrelaçada à da instituição. Casou-se com uma egressa da terceira turma de Medicina, na capela da Santa Casa, com os pacientes testemunhando a cerimônia do mezanino da igreja. Seus três filhos também estudaram na Universidade, sendo que um deles é professor da FCM e outro, dentista do HC. “Aqui também é minha casa, conheço todo mundo. Vou me aposentar no ano que vem, de forma compulsória, com muito pesar. Ainda hoje tenho imenso prazer em acordar e ir para  a FCM”, testemunha.

Como Rogério, o professor João Luiz Carvalho Pinto e Silva, da FCM, também é médico formado na própria Unicamp, só que na segunda turma do curso. Na Unicamp, ele fez residência em ginecologia e obstetrícia, tornou-se mestre e doutor, chegando a professor titular. Sua história na instituição começou em 1964. “O que tem de marcante na minha chegada é que, na semana em que ingressei na faculdade, em março de 1964, as aulas foram interrompidas porque os tanques estavam nas ruas. Foi um período difícil da história, muito complicado do ponto de vista político”, lembra.

Ele conta que Zeferino Vaz, fundador e primeiro reitor da Unicamp, conseguiu, desde o início, compor um quadro docente de qualidade. “Ele tinha uma boa conexão com os militares, o que viabilizou a vinda de muita gente boa de fora. Zeferino gostava de talentos e recrutava professores renomados”, conta.

Paulistano, João Luiz lembra que, para os estudantes das primeiras turmas de Medicina, morar em Campinas foi complicado porque era a época em que se buscava a instalação da FCM, da Universidade e do campus. “Quando o Hospital de Clínicas foi inaugurado no campus, em 1986, eu já era professor e superintendente do hospital. Já havia me formado, feito residência, saído para o exterior, morado em Montevidéu, e voltado. Naquele ano, foram internados os primeiros pacientes. Nesta época, já havia outras faculdades e institutos, entre os quais de Física, Matemática, Biologia e Química. O campus começava a crescer”, declara.

Ao lançar um olhar para o passado, o professor reconhece o vigor do desenvolvimento da FCM, do complexo hospitalar e da Unicamp como um todo. Na área médica, ele gosta de lembrar especialmente da atenção dada à área de ginecologia, que cresceu muito dentro do HC, tanto que, como ele mesmo diz, constituiu-se no que atualmente é o Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism). A unidade leva o nome do médico e ex-reitor José Aristodemo Pinotti, seu idealizador.

Na época em que foi criado, o Caism foi uma inovação. Segundo João Luiz, inicialmente, os gestores da faculdade resistiram à implantação do projeto, proposto por um grupo de docentes do Departamento de Tocoginecologia. “Diziam que nem bem havia sido construído um hospital e já se planejava outro. Felizmente, o projeto foi em frente. A Unicamp passou a ter um hospital dedicado à mulher, que se tornou referência para o Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirma.

No âmbito do Caism, as inovações foram muitas: a forma de organização, a prevenção do câncer do colo do útero e de mama – as primeiras mastectomias conservadoras, sem tirar a mama inteira, reconstruindo-a –, a área de maternidade, com foco na parte estrutural do parto, além da humanização do atendimento. Além disso, o hospital destacou-se por desenvolver em 1978 o primeiro programa do país voltado para grávidas adolescentes. “O modelo serviu como referência para a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Também foi desenvolvido no Caism o programa de assistência às mulheres vítimas de violência doméstica e sexual. E a unidade conta com uma residência de muita qualidade, a única no país avaliada com nota 6 pela Capes”, afirma o professor. Ele lembra ainda que, no Caism, as pesquisas estão atreladas às necessidades da população.

Outro ex-aluno da Unicamp que se tornou docente na instituição é João Frederico da Costa Azevedo Meyer, mais conhecido na comunidade acadêmica como professor Joni. Ele ingressou na Universidade em 1967 cursando Matemática na primeira turma. Hoje é professor do Departamento de Matemática Aplicada e pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários.

Segundo o professor, sua trajetória profissional está “costurada à barra da Unicamp”. Ele participou ativamente da luta política, tanto na busca pela democracia do país como pela consolidação da Unicamp. Como aluno, integrou o Centro Acadêmico e participou das equipes que promoviam atividades esportivas, de cultura e lazer. “Era uma época efervescente e de intensa vida universitária, portanto, não era de estranhar que muitos dos alunos quisessem ficar no campus assim que se formassem. Foi o meu caso. Alguns foram para o exterior. Além disso, no contexto político, a Universidade, de certa forma, se constituía num lugar seguro. Meu pai teve que sair do país. Eu achava que era minha obrigação ficar, não apenas pela luta contra a ditadura. Por uma questão ética, achava que tinha que resistir na luta estudantil”, relata.

 O pró-reitor revela que foi uma opção pessoal seguir carreira na Unicamp, onde fez mestrado e doutorado. Quando se formou, ele poderia ter ido embora, aproveitando que seus pais levavam uma vida bem melhor que a dele fora do país – eram professores nas universidades de Genebra (seu pai) e Princeton (sua mãe). Mas seguir carreira na Unicamp foi a opção. Ele afirma que, na ocasião, já estava “seduzido” por professores que falavam com entusiasmo sobre seus temas de pesquisa, entre os quais Eduardo Sebastiani Ferreira, Paulo Boulos, Mauro de Oliveira César e Ubiratan D’Ambrosio, que fez com que a etnomatemática fosse respeitada internacionalmente.

 “Estou na Unicamp porque tive espaço para o meu desenvolvimento. O único jeito de a gente viver é quando vale a pena. E valeu”, afirma o pró-reitor. Jony está aposentado desde 1998, mas garante que só vai deixar a Universidade aos 70 anos, quando sua saída será compulsória. “Porque, daí, não terá mais jeito”.