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Vida de Michelangelo, de Vasari. Por Luiz Marques
Professor do IFCH lança tradução comentada
de biografia do gênio da arte italiano,
escrita em meados do século XVI

MANUEL ALVES FILHO

O professor Luiz Marques, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, lançará no próximo dia 23 de setembro a tradução comentada do livro Vida de Michelangelo Buonarroti, escrito em 1550 e revisado e ampliado em 1568 pelo arquiteto e artista plástico Giorgio Vasari, tido como o pai da História da Arte. O livro, editado pela Editora da Unicamp, é resultado da tese de livre-docência de Marques, desenvolvida ao longo dos últimos 20 anos. Considerado por especialistas como um dos trabalhos mais completos sobre a biografia do artista italiano, o estudo traz contribuições importantes para a História da Arte no país. A primeira e mais óbvia é a inédita versão em português. A segunda é o conjunto de intervenções do autor, que procura orientar a compreensão do texto oferecendo ao leitor informações que “desvendam” personagens e acontecimentos históricos. “Os comentários também têm a pretensão, em certa medida, de incorporar a literatura muito abundante produzida sobre Michelangelo, desde 1964 até hoje. Esta data é importante porque marca o quarto centenário da morte do artista. Desde então, foram produzidos muitos congressos, seminários e obras coletivas sobre ele. Fiz uma tentativa de incorporar tudo isso nessa tradução comentada”, explica Marques. Na entrevista que segue, o docente da Unicamp fornece mais detalhes dos desafios que enfrentou para concluir o livro, da importância de Vasari para a História da Arte e da genialidade e influência exercida por Michelangelo sobre a arte produzida no século XVI.

Jornal da Unicamp – O seu livro é resultado da sua tese de livre-docência. Qual o maior desafio para a produção de um trabalho dessa envergadura?

Luiz Marques – A biografia que Vasari escreveu de Michelangelo é a última de uma série que ele fez dos artistas italianos, desde Cimabue, que viveu na segunda metade do Século XIII, até o próprio Michelangelo, que era o único artista vivo na primeira edição da obra. Até então, ele só havia biografado artistas mortos. O fato de Vasari biografar Michelangelo ainda em vida explica-se por razões evidentes: Michelangelo era um artista excepcional, um expoente da sua geração. Trata-se da maior das biografias, e é nela que se condensam os conceitos mais importantes que orientam essa construção histórica de três séculos de Vasari. A dificuldade maior está no fato de a tradução vir acompanhada de comentários. E esses comentários têm a pretensão, em certa medida, de incorporar a literatura muito ambundante produzida sobre Michelangelo nos últimos anos, de 1964 para cá. Esta data é importante porque marca o quarto centenário da morte de Michelangelo. Desde então, foram produzidos muitos congressos, seminários e obras coletivas sobre ele. Eu fiz uma tentativa de incorporar tudo isso nessa tradução comentada.

JU – Um trabalho de 20 anos, não é?

Luiz Marques – Sim, um trabalho de 20 anos. Comecei a fazer essa tradução em Roma, 20 anos atrás, e terminei no ano passado, para a minha tese de livre-docência. Tive que editar esse material, porque ficou muito grande, com cerca de 1.200 páginas. Aí, condensei em um livro de 800 páginas.

JU – Além de ser a primeira tradução integral dessa biografia de Michelangelo por Vasari para o português, que outras contribuições o seu trabalho traz?

Luiz Marques – Bem, tem a questão de ser a primeira versão para o português do livro de Vasari. Nesse sentido, é uma contribuição para nós brasileiros. Quanto a outras possíveis contribuições, o que posso dizer – claro que caberá ao leitor a avaliação final – é que procurei estabelecer um modelo de tradução da língua italiana do século XVI para o português do século XXI. Essa não foi uma dificuldade pequena. Vasari não era um literato, mas um artista plástico e arquiteto. Portanto, tem um comando do idioma italiano que não é o de um literato. Entretanto, era um artista com uma grande formação literária. E isso lhe permitiu escrever em um italiano que era coloquial, mas que também constituía um gênero de escrita intermediário. Ou seja, não era o grande texto erudito, mas também não era a crônica. Então, considerei importante tentar captar esse gênero intermediário e transferi-lo para o nosso idioma, conservando a intenção de Vasari de ser acessível. Vasari usava uma linguagem que mesclava um bom vocabulário erudito e técnico com a fluência mais próxima da língua falada.

JU – E quanto às dificuldades relativas aos comentários?

Luiz Marques – Outro desafio foi tentar colocar num texto único os debates que vêm ocorrendo nos últimos 50 anos sobre diversos pontos da obra de Michelangelo. O mesmo esforço foi feito em relação aos diversos pontos do texto vasariano que tratam da vida de Michelangelo. Michelangelo mereceu três biografias enquanto vivo, uma delas de Vasari. Então, também quis trazer qual era a posição de Vasari em relação às outras duas obras. Ou seja, tentei resolver também essa questão, na medida do possível.

JU – A primeira edição da biografia escrita por Vasari data de 1550. Depois, em 1568, ele retomou o trabalho, com Michelangelo já morto. Que outros elementos ele acrescentou à obra na segunda edição?

Luiz Marques – A passagem da edição de 1550, chamada Torrentiniana [do nome do editor Torrentino], para a edição giuntina [do nome Giunti, o segundo editor], é muito complexa. Primeiro, porque Vasari refunde todas as biografias em um texto muito mais amplo. Engloba novas informações e correções. E a biografia de Michelangelo é uma das que mais se amplia. Além disso, Michelangelo viveu mais 14 anos depois da primeira edição. Então, de um lado havia toda uma série de informações da parte final da vida e da obra de Michelangelo que precisava ser contada. Nesse período, Michelangelo pintou os afrescos da Capela Paolina, por exemplo. Além disso, boa parte de sua obra como arquiteto não estava contemplada na primeira edição. Mais interessante do que isso é que Vasari mudou um pouco o tom da abordagem. Enquanto em 1550 Vasari estava sendo controlado, por assim dizer, por Michelangelo, em 1568 ele assumiu a condição de gestor da herança de Michelangelo do ponto de vista intelectual. Dessa forma, Vasari se permite tomar por vezes certo distanciamento de Michelangelo.

Vasari era um homem muito cauteloso, um homem de corte. Era muito reverente em relação aos poderosos, e Michelangelo detinha considerável nível de poder. Com a morte de Michelangelo, sobe em 1565 ao papado Pio V, que mantinha relações muito próximas com Vasari. Ele, que já fora guindado à condição de artista principal dos Médici, assume um poder equivalente também em Roma. No final de sua vida, em 1574, ele se constitui na grande figura artística tanto em Florença quanto em Roma. Na prática, era ele quem ditava muitas das regras relativas à arte. Também coordenou, na prática, a fundação e a gestão da Accademia del Disegno, em Florença, a primeira academia de artes plásticas, instituição que se reproduziria em seguida em toda a Europa e no Novo Mundo, inciando-se no Brasil na primeira metade do Século XIX.

JU – Vasari é tido como o pai da História da Arte. A biografia de Michelangelo tem papel central nesse trabalho dele como historiador da arte?

Luiz Marques – Um ponto que vamos discutir no VII Encontro Nacional de História da Arte, que será realizado entre os dias 19 e 23 próximos na Unicamp, e que terá continuidade no Rio de Janeiro nos dias 26 e 27, é justamente a importância da biografia de Michelangelo na obra de Vasari. Um aspecto muito discutido ultimamente são as fontes nas quais Vasari se baseou, quem o teria influenciado. Há algumas tentativas, a meu ver um tanto excessivas, de contestar o caráter autoral das biografias.

Segundo essa visão, Vasari seria apenas um canal através do qual se confluiriam ideias da Academia Florentina e de algumas personalidades da época. Sem menosprezar outras influências, tenho sempre mais a convicção de que o grande inspirador do ideário das “Vidas” de Vasari é Michelangelo. Há passagens da vida de Michelangelo, inclusive na autobiografia de Vasari, a última produzida por ele, em que se pode identificar com alguma segurança que Michelangelo havia instruído Vasari pormenorizadamente sobre o estabelecimento de certos enunciados fundamentais. Como exemplo, cito a ideia de superação dos modelos escultórios e arquitetônicos antigos. Esta é uma ideia latente em Michelangelo. Ele pouco fala a respeito, mas deixa isso consignado em algumas ocasiões. Trata-se da ideia de que o século XIV teria iniciado uma emulação o mundo antigo, enquanto que o XV e o XVI teriam se equiparado e superado, respectivamente, esse mesmo mundo antigo. E isso teria sido feito muito em função do trabalho de Michelangelo, tanto como arquiteto quanto como escultor. Essa é uma ideia que a meu ver atravessa o texto de Vasari e que nasce no pensamento do próprio Michelangelo. Uma segunda ideia é: enquanto os séculos XIV e XV teriam imitado as regras das formas antigas, o século XVI, graças novamente a Michelangelo, teria introduzido na regra o que ele chama de “licença”. Essa licença seria uma espécie de liberdade em relação às normas, elemento que estaria no cerne da superação dos modelos anteriores. Essas ideias orientam o texto como um todo. O texto de Vasari desemboca não apenas cronológica, mas também conceitualmente na biografia do Michelangelo.

JU – Além de biógrafo, Vasari foi arquiteto e artista plástico. Ele também se destacou nessas outras duas atividades?

Luiz Marques – Sim, ele se destacou principalmente na segunda parte de sua vida. Foi um grande arquiteto, que projetou, por exemplo, o prédio da atual Galleria degli Uffizi, em Florença. Também fez intervenções importantes em palácios, como o Palácio Vecchio, dos Médici. Como pintor, há certas controvérsias quanto ao estatuto de grande artista de Vasari. Ele foi certamente um grande orquestrador. Um artista capaz de administrar grandes ateliês, grandes programas decorativos. Ele certamente foi, em minha opinião, um grande desenhista e um ótimo pintor numa escala de pequenas e médias obras. No grande formato, é possível sentir que às vezes o trabalho dele desfalece.

Sobretudo, Vasari foi um grande mediador entre o mecenas e o literato que estabeleceria o programa do que seria apresentado. Foi muito amigo de uma personalidade chamada Vincenzio Borghini, responsável pela formulação das grandes imagens de autopropaganda do duque Cosimo de’ Medici como governante e promotor de seu ducado, a Toscana. Naquele momento, os Medici estavam tentando constituir um principado. O projeto tinha certas resistências por parte da Igreja e da Espanha, que dominava a Itália de então. Para que o projeto dos Medici tivesse êxito, era necessária a construção de toda uma retórica acerca da grandeza da Toscana. Vasari foi, dessa forma, o grande artífice dessa estratégia. Ou seja, foi ele quem constituiu um sistema de imagens que glorificava o passado da dinastia dos Medici, inciada com Cosimo, o Velho, por volta dos anos 1430, isto é, um século antes.

JU – Como Vasari apresenta Michelangelo na biografia? Apenas como um artista genial ou também como homem, com virtudes e defeitos?

Luiz Marques – Claro que a obra de Vasari trata, antes de tudo, de glorificar o homem. Ele não hesita em atribuir a Michelangelo um caráter divino. Ele usa essa expressão de maneira exaustiva. Como se Michelangelo fosse um homem eleito por Deus ou pelos deuses para resolver os impasses da arte. Há claramente uma mitificação da figura do biografado. Há também uma tentativa de caracterizar Michelangelo como um homem favorável aos ideais do novo Arquiducado da Toscana, o que é um esforço vão.

Michelangelo, ao contrário, havia se empenhado em defender a República, cujo caráter era naturalmente anti-Medici. Embora na sua juventude ele tivesse sido criado por Lorenzo di Medici, o Magnífico, ao final da vida Michelangelo saiu de Florença e foi viver os últimos 30 anos de sua vida em Roma. Há uma tentativa clara de Vasari, que era um cortesão dos Medici, de recuperar a figura de Michelangelo para a órbita dos Medici, o que é uma missão impossível. O que é sobremaneira interessante em Vasari é sua capacidade de descrever a obra de arte. Ele cria uma rede descritiva que usa a palavra para apresentar certas qualidades específicas da obra de arte, que até hoje são atuais.

JU – Por exemplo?

Luiz Marques – Isso se faz presente em cada uma das descrições que Vasari faz do Baco, de Michelangelo, por exemplo. Ele afirma que a escultura traz traços ao mesmo tempo masculinos e femininos. Além disso, as descrições que faz do Moisés, também de Michelangelo, como a figura de um príncipe terribilíssimo, perduram até hoje. Os elementos de linguagem e as formas básicas de qualificação da obra ainda são atuais. O mesmo vale para as análises que ele fez dos afrescos da Capela Sistina. Esse aspecto talvez seja o mais notável de Vasari, ou seja, a capacidade que ele tinha de descrever a obra de arte com palavras que são precisas e sugestivas. Talvez nesse aspecto, mais do que em outros, Vasari apareça como o pai da História da Arte.

JU – Nas suas intervenções, o senhor chama a atenção para a necessidade de uma leitura crítica do livro de Vasari? Pelo que o senhor afirmou, a obra dele, como de resto qualquer outra, não está livre das preferências do autor, inclusive do ponto de vista ideológico...

Luiz Marques – Procuro em todo o momento fazer isso. O que é extraordinário quando se fala em Vasari é que, malgrado tudo, ainda estejamos navegando, de alguma maneira, em suas águas. Depois de tanto tempo e tantas rupturas históricas, ainda nos baseamos com frequência em suas análises, não obstante vivermos em um mundo tão completamente diferente do dele.

JU – O senhor apresenta os dados históricos e os elementos que constituem o seu trabalho de forma bastante acessível. Isso significa que a sua tradução comentada pode ser lida por um público mais amplo?

Luiz Marques – No caso de Vasari, o que é notável é que ele escreve olhando nos olhos do leitor. Ele não padece, naturalmente, de uma linguagem viciada por automatismos do jargão acadêmico, de modo que sua escrita não possui nenhuma opacidade para o leitor não especializado. Nos comentários, o que procuro fazer é dar conta dos diversos tipos de leitor. Os comentários obedecem a uma ordem. Em primeiro lugar, levo em conta os problemas de tradução. Depois, problemas de contexto. Ao final é que eu vou discutir os debates entre os estudiosos. Aí, sim, pode ocorrer de ser um texto especializado. Mas a ideia é, em cada uma das notas, ilustrar um problema histórico que eu presumo não ser necessariamente do conhecimento do leitor. A cada referência a um personagem, por exemplo, eu procuro explicar quem ele é, visto que o leitor não tem a obrigação de conhecer todo mundo. O objetivo do comentário é antes de tudo auxiliar a leitura e não dificultá-la.

JU – O seu trabalho traz algumas imagens de obras de arte do período, não é?

Luiz Marques – A Editora da Unicamp colocou 16 imagens no livro. Mas eu criei um site [www.vasari.art.br] no qual coloquei mais de mil imagens que acompanham o texto. O leitor que tiver mais empenho na leitura do texto poderá fazê-lo diante do computador, para acompanhar essas figuras. Além disso, pode encontrar comentários mais detidos de cada imagem em outro sítio que criamos no âmbito de nosso Projeto Temático da Fapesp, chamado MARE (www.mare.art.br).

Encontro marca os 500 anos de nascimento
do pai da História da Arte

O lançamento da tradução comentada de Vida de Michelangelo Buonarroti ocorrerá na Biblioteca Central da Unicamp no próximo dia 23 de setembro, ao final do VII Encontro de História da Arte, promovido pelo corpo discente do Programa de Pós-graduação em História do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. O evento marca no Brasil a celebração dos 500 anos de nascimento de Giorgio Vasari (1511-1574), tido como o pai da História da Arte.

O objetivo da iniciativa, conforme o professor Luiz Marques, um dos organizadores, é propor uma reflexão sobre os caminhos percorridos pela disciplina, tanto aqui quanto no exterior. Entre as vertentes que serão debatidas por especialistas brasileiros e italianos estão as questões teóricas da historiografia da arte concretizadas na produção dos historiadores que, desde Vasari, fundamentaram e permitiram o desenvolvimento da História da Arte. Outro aspecto que merecerá reflexão são os empreendimentos mais práticos proporcionados pela disciplina neste princípio de século XXI. “Nesse sentido, cria-se a possibilidade de discutir os avanços das frentes de atuação do historiador da arte em relação aos museus e aos órgãos ligados à preservação do patrimônio histórico e cultural da humanidade”, destaca o texto de apresentação do encontro, que terá início no dia 19 de setembro. Entre os participantes das mesas de discussão estão três especialistas em Vasari, os italianos Massimo Firpo (Università di Torino), Alessandro Nova (Diretor do Kunsthistorisches Institut in Florenz) e Silvia Ginzburg (Università di Roma III).

De acordo com o professor Marques, um segundo encontro, conjugado com o oorganizado pelo IFCH, será realizado nos dias 26 e 27 de setembro na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Os dois eventos contarão com tradução simultânea do italiano para o português e vice-versa. “Um aspecto interessante é que os textos apresentados nos dois encontros constituirão posteriormente uma revista eletrônica intitulada Figura, que faz parte de um projeto temático da Fapesp, coordenado pelo professor Luciano Migliaccio, da FAU/USP, que colabora em regime de dupla docência com o Departamento de História do IFCH. Penso ser importante que a publicação desse gênero comece justamente com um conteúdo focado nos 500 anos de nascimento do pai da Historia da Arte”, analisa o docente da Unicamp. A programação completa do VII Encontro de História da Arte pode ser conferida no endereço www.unicamp.br/chaa/eha.

Serviço

Título: Vida de Michelangelo Buonarroti
Autor:
Giorgio Vasari
Tradução,introdução e comentários:
Luiz Marques
Editora:
Editora da Unicamp
Páginas:
808
Preço sugerido:
R$ 86,00



 
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