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Há 1,7 bilhão de anos
Rochas de depósitos auríferos em MT
fizeram
parte de arcos vulcânicos

ISABEL GARDENAL

Os depósitos Pé Quente e Francisco correspondem a dois garimpos de ouro situados na região de Peixoto de Azevedo, Província Aurífera de Alta Floresta (centro-norte do Mato Grosso). Depósitos como esses, embora construídos de forma artesanal, têm oferecido um pequeno retorno econômico a algumas famílias de garimpeiros locais, apesar da existência de mais de uma centena deles ao longo da província. Justamente essa grande quantidade de ocorrências auríferas tem despertado o interesse do grupo de pesquisa em Evolução Crustal e Metalogênese do Instituto de Geociências (IG), que realiza trabalhos na região desde 2003. Ela foi uma das principais produtoras de ouro do país entre o período de 1980 e 1998, de onde se extraíram quase 125 toneladas do metal, principalmente por meio de garimpos.

Nesse contexto, o geólogo Rafael Rodrigues de Assis acaba de desvendar que a gênese de dois depósitos auríferos da região está relacionada a rochas que fizeram parte de um contexto de arcos vulcânicos há mais de um bilhão e 700 milhões de anos. O estudo integra a sua pesquisa de mestrado apresentada ao IG sob orientação do docente Roberto Perez Xavier, coordenador desse grupo de pesquisa. No trabalho, foi possível definir dois depósitos distintos: um do tipo ouro-pórfiro, representado pelo depósito Pé Quente (ligado a rochas graníticas), e outro do tipo epitermal (depósito do Francisco), relacionado a rochas vulcânicas. Esse último é o primeiro depósito epitermal descrito até o momento em toda a região de estudo.

A ocorrência desses depósitos na região do Mato Grosso já se mostra promissora do ponto de vista científico e econômico. Em nível mundial, tais depósitos auríferos acontecem em terrenos geológicos muito mais jovens que 250 milhões de anos (Era Mesozoica), enquanto que os do norte do Mato Grosso são mais antigos, com idades acima de um bilhão e 700 milhões de anos (Era Paleoproterozoica). No Brasil, depósitos auríferos dessas classes (pórfiro e epitermal) não são comuns e suas ocorrências, como definidas neste estudo, abrem novos horizontes para a exploração mineral nessa região do Estado do Mato Grosso.

O objetivo da pesquisa foi compreender os processos responsáveis pela formação desses depósitos auríferos e sua inserção no quadro geológico da região. “Em termos práticos, os dados obtidos podem atrair o interesse de empresas públicas e privadas que estão atuando na região, estimulando campanhas prospectivas mais intensas”, diz Rafael Assis.

Como cada depósito é um reflexo do seu ambiente geológico, os do tipo ouro-pórfiro e epitermal tendem a se formar em regiões que há milhões de anos faziam parte de extensas cadeias vulcânicas, zonas de colisão entre placas tectônicas [que correspondem a grandes fragmentos da litosfera terrestre (camada mais sólida e superior do planeta formada pela crosta terrestre e pelo manto superior), que se movem umas em relação às outras devido a correntes de convecção do manto da Terra], a exemplo do que hoje se observa nos Andes, Indonésia e Japão.

“A região da Amazônia, onde os depósitos auríferos investigados se encontram, representa o agrupamento no decorrer de milhões de anos, de vários arcos vulcânicos, o que teria favorecido a elevada concentração de depósitos auríferos (que servem para designar uma concentração anômala de um determinado elemento – neste caso o ouro) por toda a província”, relata o geólogo.

Campo

No estudo, foram realizadas duas etapas de campo: uma de reconhecimento regional das rochas e uma segunda estritamente concentrada nos depósitos. Embora os dois depósitos distem em aproximados 40 km em linha reta, o deslocamento entre eles ocorre por estradas de terra projetadas no meio da floresta, em viagens de quase três horas com caminhonetes.

A pesquisa nos depósitos incluiu a descrição das rochas do seu entorno, com posterior coleta de amostras para análises em laboratório. “É preciso definir os tipos de rocha do depósito, o que constitui o primeiro passo à compreensão de sua origem”, afirma o geólogo. As análises de laboratório focaram os estudos petrográficos e de geoquímica.

No primeiro, a rocha, após ser serrada e polida até ficar com uma espessura inferior ao de uma folha de papel, tornou-se visível em microscópico petrográfico. Com isso, observaram-se os minerais em maior detalhe, além de se identificar com os quais o ouro estava associado. Nesses casos, refere o autor, o ouro associa-se mais ao grupo dos sulfetos, dentre eles a pirita (‘ouro de tolo’). Nos estudos de geoquímica, as amostras são britadas e moídas, permitindo saber a real composição química da rocha.

Como os dois depósitos pertencem a um grupo que em Metalogênese (ciência que estuda a origem dos depósitos minerais metálicos) é chamado de depósitos hidrotermais, a característica mais evidente em campo são as zonas de alteração hidrotermal. Essas regiões representam setores em que houve, há mais de um bilhão de anos, a passagem e reação com as rochas, de fluidos quentes (250°C – 450°C), com sais, e gases dissolvidos.

Esses fluidos são responsáveis pelo transporte de metais como o ouro. Desta forma, é necessário ir a campo para reconhecer a natureza dessas zonas de alteração hidrotermal, que exemplificam os canais de circulação desses fluidos antigos que transportaram e precipitaram ouro. No processo de percolação pelas rochas, os fluidos hidrotermais passam por inúmeras transformações, como resfriamento, perda de sais e gases e redução da acidez, expõe o pesquisador, fazendo com que os metais, dentre eles o ouro, se precipitem, se concentrem e formem um depósito mineral. Este trabalho é vital na busca por depósitos minerais, explica, por permitir focar áreas com potencial metalífero que podem abrigar um depósito mineral, a exemplo de veios de quartzo com ouro.

Achados

O contexto geológico do Depósito do Pé Quente é representado por excelência por rochas graníticas geradas em ambiente de margem continental ativa (arcos vulcânicos), nos limites de subducção de placas tectônicas. O ouro, além de estar incluso na pirita, principal minério notado, está concentrado em zonas de alteração hidrotermal ricas em albita (mineral que dá uma tonalidade esbranquiçada às rochas). Essas peculiaridades indicam que o depósito se formou nas porções mais profundas de uma câmara magmática, onde elevadas temperaturas são comuns. “O depósito está agora em superfície devido à erosão das rochas que há milhões de anos estiveram cobrindo o depósito”. Tal situação destoa dos depósitos tradicionais do tipo ouro-pórfiro, compara Rafael Assis, nas quais o ouro se forma em zonas hidrotermais típicas de um ambiente menos profundo e, portanto, de menor temperatura.

O contexto geológico do Francisco, no entanto, é distinto daquele verificado no Depósito Pé Quente, tanto nos tipos de rochas quanto nos padrões da alteração hidrotermal. O Depósito do Francisco, conta o autor, é constituído por rochas que representam a erosão de antigos edifícios vulcânicos e que alojam uma série de intrusões graníticas de quase dois bilhões de anos. Na Província de Alta Floresta, esse depósito revela tanto o primeiro depósito epitermal quanto o primeiro depósito em que o ouro está associado a zinco, chumbo e cobre, um dos raros casos mundiais de idade tão antiga para esta classe de depósitos.

Tal achado, pontua Rafael Assis, torna-se importante, pois depósitos deste tipo se formam em condições tectônicas instáveis e próximas às da superfície terrestre, o que favorece a sua destruição por agentes erosivos e metamórficos. Por isso que a grande maioria dos depósitos epitermais atualmente conhecidos são recentes: mais jovens do que 260 milhões de anos.

Após a descoberta, entretanto, a dúvida foi: por que um depósito tão antigo teria se preservado? Uma explicação coerente é que ele (depósito) teria se formado ao final de um período de instabilidade tectônica, em um momento erosivo pouco efetivo. O depósito ainda foi encoberto por sedimentos, o que teria funcionado como uma capa protetora (selante) contra a erosão e metamorfismo.
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■ Publicação

Tese: “Depósitos auríferos associados ao magmatismo granítico do setor leste da Província de Alta Floresta (MT), cráton amazônico: tipologia das mineralizações, modelos genéticos e implicações prospectivas”
Autor: Rafael Rodrigues de Assis
Orientador: Roberto Perez Xavier
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
Financiamento: Capes e Fapesp
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Geólogo trouxe 1,2 t de rochas

O pesquisador levou a campo um arsenal de pesquisa. O seu kit incluiu cadernos de anotações, lupa, ímã, ácido clorídrico, GPS, bússola, câmera fotográfica, martelo geológico, marreta e sacos plásticos para a coleta de amostras, que foram levadas por transportadoras a Campinas. O geólogo trouxe à Unicamp 1,2 tonelada de rochas. Das trilhas, são transportadas para a caçamba das caminhonetes, que retornam cheias. Indagado se havia trazido ouro, o geólogo brincou que “não tanto quanto gostaria”. Mas justificou dizendo que, pelo fato do metal estar disseminado em zonas hidrotermalizadas, é difícil obter grandes quantidades, pois ele ocorre diluído por um grande volume de rocha. Rafael Assis é graduado pelo IG e já está cursando o doutorado. Seu projeto terá por finalidade definir tanto a composição química e origem dos fluidos hidrotermais, responsáveis pela precipitação do minério de diversos depósitos da Província Aurífera de Alta Floresta, quanto a definição de suas idades.



 
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