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ARTIGO

A Reforma da Previdência brasileira
diante da experiência internacional

MILKO MATIJASCIC

Ilustração: FélixAs reformas da previdência pública, em todos os países, incluindo o Brasil e o debate que vem sendo veiculado pela mídia na atualidade, têm seguido a lógica da retração dos direitos sociais. Em outras palavras, os trabalhadores passam a:
- contribuir com valores maiores e/ou por mais tempo, e, ao mesmo tempo;
- depender de condições mais rigorosas de acesso às aposentadorias via elevação da idade fixada para ter direito aos benefícios e/ou redução do valor das prestações.

A lógica fiscal das reformas foi apresentada em artigo anterior nesse mesmo jornal, sendo cabível, no presente artigo, debater o conteúdo das propostas apresentadas ao público até o momento e verificar em que medida elas podem ser consideradas um avanço ou um retrocesso no âmbito dos direitos sociais.

Considerando a minha formação, vou tratar da experiência internacional, que adota os parâmetros da técnica dos seguros sociais baseada em estudos patrocinados pela OIT. Mesmo com base nesses preceitos, será necessário situar os comentários no cenário brasileiro, marcado por elevados contrastes na distribuição de renda. Muitos podem considerar que essa abordagem é inócua, pois os servidores públicos seriam privilegiados no contexto brasileiro. Mas isso não é verdadeiro, pois mais de 80% desse contingente recebe salários inferiores a dois mil reais. Partindo de todos os pressupostos apresentados, é preciso se deter diante das propostas que vêm sendo divulgadas, como o fez a Folha de S. Paulo na edição do dia 27/4/2003.

Uma das propostas foi o estabelecimento de um teto para salários e aposentadorias no serviço público. O teto apresentado pelos jornais é de R$ 12.720. Sob o prisma dos seguros sociais ele cobre mais de 40% dos ganhos de qualquer servidor, ou seja, obedece aos preceitos da OIT. O problema consiste em saber se esse valor evita a perda de profissionais bem qualificados para a iniciativa privada, deteriorando a qualidade dos serviços públicos, que precisa de quadros muito qualificados.

A proposta de contribuição de 11% para aposentarias e pensões é ambígua. Todas as sociedades desenvolvidas prevêem que os valores das aposentadorias devem ser inferiores aos últimos salários, situando-se entre 65 e 80%. Mas isso é fixado com base em critérios atuariais, em que o valor dos benefícios é calculado com base nas contribuições efetuadas por empregados, empregadores e sociais, levando em conta as necessidades financeiras dos inativos. Contribuir para financiar benefícios na condição de beneficiário é uma contradição. Isso é especialmente válido para todos aqueles que não leguem direitos de pensão.

A mídia vem apresentando o problema da idade mínima de forma confusa. Não existe redução da idade mínima dos atuais servidores para a aposentadoria. A proposta visa reduzir o valor dos benefícios para homens que se aposentam com 53 anos e mulheres com 48, que tenham cumprido 35 ou 30 anos de contribuição, respectivamente. Os valores das aposentadorias devem sofrer uma redução de 35%, sendo acrescido em 5% para cada ano adicional de idade até atingir o máximo de 100%. A redução do valor do benefício para quem se aposenta mais cedo se dá em todos os países desenvolvidos, mas não definindo um período de transição, haverá contestação por parte da sociedade.

Outra proposta estabelece que o tempo de contribuição na iniciativa privada e nos regimes previdenciários do serviço público deverá ser proporcional. Ou seja, se alguém contribuiu ao longo de 66% de sua carreira para o INSS e 34% no serviço público terá o seu cálculo fixado em 66% de acordo com as regras do INSS e 34% no serviço público.

A situação é complexa, pois é difícil determinar o valor de contribuição para o período anterior a 1994, onde os mecanismos de reajuste via índices de preços não são confiáveis. Além disso, se o segurado quisesse receber aposentadorias de maior valor ele não podia ultrapassar o teto de contribuições do INSS. Pior ainda, ao deixar a iniciativa privada, se o segurado eventualmente possuísse algum plano de pensão, seria possível sacar somente a parcela que ele depositava e não aquela depositada pelo empregador, considerando vigentes antes de 1998, quando se deu a reforma constitucional. Essa situação deve ser debatida detidamente, para evitar injustiças ou a deterioração da qualidade do serviço público.

A redução no valor das pensões é uma regra que se aplica a quase todos os países, pois se considera que a morte de um cônjuge reduz as despesas domésticas. Mas o valor de 30%, aplicado a todas as situações é questionável, pois ele atinge a todos, sem discriminação, possuindo ou não capacidade para trabalhar, recebendo ou não de mais de uma fonte de rendimento, ou ainda, do nível total de rendimentos familiares. Num contexto como o brasileiro, isso pode elevar o nível de pobreza, mesmo entre servidores. A previdência, vale lembrar, foi criada para reduzir o risco de pobreza na velhice.

O aumento do teto da iniciativa privada de R$ 1.561 para R$ 2.400 é de eficácia duvidosa. Como o INSS se pauta pelo reajuste das contribuições e benefícios com regras diferentes das aplicadas ao salário mínimo, acaba ocorrendo um imediato aumento de arrecadação, que dificilmente terá como contrapartida um benefício de maior valor no futuro, se o teto vigente no momento da aposentadoria for menor que o proposto, conforme vem ocorrendo reiteradamente há décadas.

Além disso, como os servidores deverão complementar os benefícios superiores ao teto do INSS através de fundos de pensão, é preciso conhecer detalhes como: quem custeará os seus gastos administrativos, qual seria a alíquota de contribuição e o tipo de plano estabelecido. Tudo isso é essencial para garantir um futuro mais tranqüilo, mas o tipo de plano é crucial. Se for adotado um plano de contribuição definida, similar ao chileno ou argentino, por exemplo, o aposentado poderá ter que se contentar com os valores pagos pelo INSS, pois os mercados de capitais podem sofrer perdas que pulverizem o valor dos benefícios e não obedeçam às convenções da OIT, que falam em garantias mínimas de 40% em relação ao valor médio dos salários. É preciso que haja uma garantia que fixe o patamar de benefícios num nível mínimo mais elevado, ainda que a gestão se dê via fundos de pensão, ou seja, é preciso manter planos de benefícios definidos que sejam viáveis atuarialmente.

Ao considerar as propostas que vêm sendo realizadas é possível dizer que haverá uma retração nos direitos sociais, a exemplo do vem ocorrendo em todos os países e no Brasil nas últimas décadas. Mas é preciso evitar que as propostas não deteriorem ainda mais a qualidade do serviço público e não tratem igualmente segurados que possuam uma situação muito diferenciada, num contexto marcado por desigualdades históricas de grande envergadura. A progressividade tributária deve ser uma regra central para organizar sistemas previdenciários, pois somente terá credibilidade um sistema que seja considerado justo por parte da população.

Milko Matijascic é doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp e consultor de instituições internacionais como a AISS e OIT.

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