Edição nº 642

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de outubro de 2015 a 08 de novembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 642

Músico analisa códigos de roda de choro

Pesquisa analisa códigos presentes em grupo que atua em São Carlos

Grupo cujas performances foram estudadas por Renan Moretti Bertho (destaque): trabalho etnográficoDesde 2011, Renan Moretti Bertho participa de uma roda de choro como flautista. Algumas questões relativas ao encontro quinzenal, que ocorre em um bar na cidade de São Carlos, região central do estado de São Paulo, não lhe saíam da cabeça e se transformaram em perguntas acadêmicas: “por que músicos profissionais e amadores de variadas idades, mas, sobretudo jovens, se encontram em um bar para tocar choro? Quais são as características, as condutas e os códigos que regem este fazer musical? Como mapear a performance da roda e compreender de que maneira os músicos participam?” Dessa forma, os olhares, gestos e práticas da roda acabaram sendo registrados na pesquisa de mestrado apresentada por ele ao Programa de Pós-Graduação em Música da Unicamp. 

A dissertação “Academia do choro: performance e fazer musical na roda” retrata as experiências dos encontros. Performance é entendida como “o conjunto de ações que diferencia os músicos que tocam seus instrumentos na roda dos demais presentes no bar” e fazer musical “um processo dinâmico de relações entre os performers, o público e o ambiente do bar”. Renan optou por utilizar a etnomusicologia, e realizar uma etnografia da música, dos encontros. “Ao longo da pesquisa foram produzidas fotografias e vídeos, resultados tanto da minha vivência musical quanto do meu olhar de pesquisador. Assim, apresento como resultado uma descrição etnográfica com intuito de compreender como as pessoas fazem música em um determinado espaço”, descreve. 

Não foram raras as vezes que Renan chegou à roda com a flauta em uma das mãos, e a máquina fotográfica na outra. Tocar e registrar, registrar e analisar as imagens. “Inicialmente as imagens produzidas tinham como propósito a divulgação da roda em redes sociais, porém pouco a pouco notei que as fotografias apresentavam situações e conceitos que poderiam ser aprofundados em discussões para além da própria imagem”. De acordo com o autor, hierarquias, participações, conflitos, revezamentos, valores, posturas, costumes, interações, são exemplos do que pode estar subscrito nas imagens.

Na cidade, além do grupo pesquisado, existem outras duas práticas de rodas de choro, sendo que numa delas é desenvolvido um projeto de extensão da Universidade Federal de São Carlos, cuja finalidade é ensinar pessoas a tocar choro, na outra ocorre o festival anual “Chorando sem parar”, que reúne músicos de todo o país.

ACADEMIA DO CHORO 

A roda de choro pesquisada por Renan é constituída por um núcleo fixo composto por três músicos nos instrumentos bandolim, violão e pandeiro. “Eles garantem que a roda irá acontecer, independentemente se vai aparecer mais alguém para a flauta, o cavaquinho, ou mais um violão”. A chegada dos músicos no bar já representa parte da performance estudada por Renan, assim como a maneira como os músicos se posicionam no local, as cadeiras que ocupam, como ajeitam as partituras, celulares e copos sobre as mesas.

A relação da roda com os donos do bar, garçons ou mesmo com o couvert artístico, que pode ou não ser pago pela clientela, também é levada em conta na análise porque modificam o fazer musical dos músicos. Renan narra, por exemplo, uma situação registrada em seu diário de campo, na qual os músicos foram obrigados a fazer a roda em outra sala do bar, em vez da costumeira “sala de música”. O resultado foi uma tremenda dificuldade por conta da acústica. “Observo que tocar em uma roda de choro acústica, num bar, é estar imerso na dualidade entre se fazer ouvir e escutar quem toca ao seu lado”.

Renan ressalta que diferentemente da roda de samba a participação no choro depende de um conhecimento prévio do repertório e da técnica instrumental. “No samba, se chega alguém, logo é convidado a bater palmas e a cantar. Trata-se de um fazer musical participativo, aberto. No choro isso também ocorre, porém é necessário conhecer a música, possuir a técnica”. De acordo com o pesquisador os revezamentos entre os músicos garantem que a roda vá acontecendo. A comunicação se dá muitas vezes apenas por olhares, uma vez que o ambiente do bar não favorece o diálogo por conta dos ruídos do próprio ambiente. “Quando um músico para de tocar, o outro retoma, porque estão todos ali sendo desafiados por esta música”.

INTERCÂMBIO

No trabalho de pesquisa Renan também identificou o que chamou de “intercâmbio regional dos músicos de choro”, que foi um movimento de músicos vindos de outras cidades procurando lugares pra tocar. “Fazer choro informalmente, num bar, de maneira acústica, sem pretensão comercial, isso acaba movimentando as cidades”, afirma. Esse intercâmbio contribui, sobretudo para a renovação constante do choro, já que contribui para que sejam compostas novas músicas. “O músico de outra cidade vem e toca a música daquela roda; quando alguém vai para a cidade dele, como forma de reconhecimento, toca a música dele, ou seja, mesmo sendo uma música que tem 150 anos, o choro se renova através dessas relações, e São Carlos é um ponto nessa rede”, pontua.

 

Publicação

Dissertação: “Academia do choro: performance e fazer musical na roda”

Autor: Renan Moretti Bertho

Orientadora: Lenita Waldige Mendes Nogueira

Coorientador: Vilson Zattera

Unidade: Instituto de Artes (IA)