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Edição nº 606

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 15 de setembro de 2014 a 21 de setembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 606

Técnica detecta aflatoxinas no amendoim em minutos

Pesquisadores da FCM também identificam resveratrol, substância que previne o infarto

Uma combinação das técnicas de Ionização por Dessorção a Laser em Placa de Sílica Impressa (da sigla em inglês, SPILDI) associada à Espectrometria de Massas por Imagem (MSI), permitiu a pesquisadores do Laboratório Innovare de Biomarcadores, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, identificarem, simultaneamente e em minutos, a presença de aflatoxinas e resveratrol no amendoim. 

As aflatoxinas podem desencadear o câncer e outras doenças. Já o resveratrol pode prevenir o infarto e radicais livres.

A técnica é inédita no mundo e foi publicada na revista PLoS One.  A pesquisa foi conduzida pelo farmacêutico Diogo Noin de Oliveira, aluno de pós-graduação do programa de fisiopatologia médica da FCM da Unicamp e tem apoio da Fapesp e da Capes.

Participam também do estudo a bióloga Monica Siqueira Ferreira e Jeany Delafiori, aluna de iniciação científica do curso de Farmácia. A orientação é do professor Rodrigo Ramos Catharino, do curso de Farmácia da Unicamp.

“É uma propriedade da sílica a adsorção de compostos – é como uma xilogravura em baixo relevo. Em menos de cinco minutos, é possível analisar os componentes presentes na pele e polpa do amendoim, ao passo que se fosse com a técnica tradicional, isso levaria horas”, explica Diogo Noin de Oliveira.

O amendoim é altamente consumido no Brasil. De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), o setor de amendoim alcançou, em 2013, uma produção equivalente a 192 mil toneladas. A exportação e o consumo do amendoim apresentaram crescimento de 7,9% e 4,9%, respectivamente.

Com a utilização da placa de gel de sílica, a coleta das amostras pode acontecer tanto no campo quanto nos depósitos, indústrias de processamento, supermercados ou até na casa do consumidor. De acordo com os pesquisadores da Unicamp, entre a preparação das amostras e o resultado final, em 15 minutos é possível mostrar o nível de contaminação do amendoim e seus derivados.

“Esta nova abordagem para detecção de substâncias diretamente sobre a superfície do amendoim tem provado ser um método rápido e reprodutível para outros grãos e sementes. Sem extensas etapas de preparação da amostra e sem o emprego de solventes orgânicos, esta técnica apresenta grande compromisso com as tendências de química verde. E a metodologia tem um alto nível de confiabilidade”, disse Rodrigo Ramos Catharino.

Para o estudo realizado na Unicamp, os pesquisadores coletaram seis amostras de sacos de amendoim cru de uma mesma espécie, vendidos em lojas de supermercado em Campinas, São Paulo. Os sacos foram devidamente armazenados em um armário, livre de luz e a 25° C. As amostras foram utilizadas após um ano, a partir da data de expiração da validade.

A pele do amendoim foi removida e a semente (polpa) foi cortada com uma lâmina de aço inoxidável para se obter fatias finas de aproximadamente um milímetro. As amostras – pele e polpa –foram pressionadas contra duas placas de sílica durante cinco minutos.

Em seguida, as placas foram colocadas num instrumento de espectrometria de massas por imagem e submetidas a um laser ultravioleta de nitrogênio (leia texto nesta página). Os dados espectrais das amostras obtidos foram submetidos à análise estrutural, com confirmações através do software Mass Frontier.

Como as experiências foram conduzidas com a pele e a polpa do amendoim, a distribuição espacial das moléculas foi comparada em ambas as regiões. Pela nova técnica, foi possível aos pesquisadores identificarem a presença de quatro tipos de aflatoxinas no núcleo do amendoim: B1, B2, G1 e G2. Eles também encontraram na pele do amendoim a presença de grande quantidade de resveratrol – até mais que na uva.

“A análise de aflatoxinas é extremamente relevante em termos de saúde pública por causa de seus efeitos cancerígenos e hepatotoxicidade. A localização da molécula do resveratrol é também importante para a saúde e nutrição humana, uma vez que ele é benéfico”, disse Rodrigo Ramos Catharino.

 

Micotoxinas e resveratrol

As micotoxinas são elementos tóxicos originárias de fungos que, sob certas condições de umidade, oxigênio e temperatura, se desenvolvem em produtos agrícolas e alimentos. Elas são estáveis e resistentes ao calor, portanto, difíceis de serem eliminadas. Uma das principais micotoxinas é a aflatoxina.

A aflatoxina é responsável pela contaminação dos grãos de milho, trigo e, principalmente, do amendoim e seus derivados. Os efeitos da aflatoxina são cumulativos e podem provocar cirrose, câncer no fígado, hemorragia nos rins, hepatite do tipo B e lesões na pele. Além disso, os produtos do seu metabolismo reagem com o DNA do organismo, em nível celular, interferindo no sistema imunológico reduzindo, assim, a resistência a doenças.

No caso específico do amendoim, a contaminação pode ocorrer em qualquer uma das diversas etapas do processo produtivo, desde a colheita até o comércio. Outra característica da contaminação por aflatoxina é que apenas um grão pode contaminar todo um lote de produção.

“As aflatoxinas não são destruídas com o processo térmico. Não adianta torrar o amendoim; elas são estáveis à temperatura. Na paçoca e pé-de-moleque vai existir aflatoxina”, disse Catharino.

Em contrapartida, os pesquisadores descobriram que o amendoim possui um grande quantidade de resveratrol – um polifenol encontrado principalmente na película e sementes de uva e no vinho tinto. Estudos parecem indicar que o resveratrol pode ajudar a diminuir os níveis de colesterol ruim (LDL) e aumentar os níveis de colesterol bom (HDL).

“Descobrimos que a pele do amendoim também é riquíssima em resveratrol. Numa mesma análise, pudemos ver a presença das duas substâncias – para bem e para o mal”, disse Diogo.

De acordo com os pesquisadores, todas as micotoxinas são metabolização de fungos. “É um processo natural de defesa”, disse Catharino. Um único esporo do fungo pode desencadear a contaminação e o principal fator que contribui para isso é a umidade.

“Ao comprar amendoim, o consumidor deve observar nem tanto o prazo de validade, mas sim o acondicionamento do produto, se ele não está próximo ao chão ou lugares úmidos. Além disso, a forma como ele guarda o produto em casa vai garantir a segurança alimentar”, disse Diogo.

“Não vamos conseguir viver 100% livres de micotoxinas. E nesse balanço, o resveratrol é o inverso. Por isso, não podemos dizer que o amendoim faz mal. Com essa pesquisa, queremos deixar o consumidor consciente do que ele está comprando e consumindo”, disse Catharino.

 

Placa de sílica ‘prende’ moléculas

A Espectrometria de Massas por Imagem (MSI) pode ser baseada, dentre diversas abordagens, em Ionização por Dessorção a Laser (LDI) na qual se utiliza um feixe de laser ultravioleta para ionizar moléculas (torná-las carregadas eletricamente). Nessa técnica, a amostra pode ser misturada ou coberta por uma matriz – no caso da pesquisa, a placa de sílica foi utilizada como esse suporte para “prender” as moléculas.

Cada disparo de laser propicia rápida ionização e vaporização da amostra, levando-a para o estado gasoso. Em seguida, ela é enviada à parte ótica do equipamento para ser analisada.

“É como pegar um gigante, jogá-lo no ar e, em suspensão, ver todas as partes que o constituem. Isso é o que a LDI faz com as moléculas, sejam elas grandes ou pequenas”, explica Diogo.

A MSI é uma técnica relativamente simples e multifuncional para identificar a distribuição espacial (bidimensional e, por vezes, tridimensional) de compostos em qualquer amostra física. Essa técnica pode ser adaptada a vários tipos de ionização. No caso da LDI, o princípio é muito simples: um feixe de laser é disparado em toda a extensão da amostra e produz um espectro de massas em determinado local que pode ser entendido como um “pixel”, que forma a imagem química final.

 

Publicação

Artigo:Rapid and simultaneos in situ assessment of aflatoxins and stilbenes using Silica Plate Imprinting Mass Spectrometry Imaging
Autores: de Oliveira, DN, Ferreira MS, Catharino RR
Revista: PLoS ONE 9(3): e90901
Financiamento: Fapesp e Capes

Comentários

Comentário: 

Fico orgulhoso de ver o trabalho de pessoas jovens e sérias trazendo resultados efetivos em benefício de todos. Parabéns à equipe de pesquisadores e à Unicamp que mantêm sua qualidade em meio às dificuldades do momento atual.

manoelufjf@gmail.com

Comentário: 

Meus parabéns aos pesquisadores, essa pesquisa realmente trará benefícios comerciais e de saúde pública.

Apenas gostaria de esclarecer que, embora exista evidências de interação sinergística entre a aflatoxina e o vírus da hepatite B, a toxina não causa hepatite B, essa informação poderia ser corrigida no texto.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14986813

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11922091

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