Edição nº 597

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 19 de maio de 2014 a 25 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 597

Estudo avalia impactos de sistemas de manejo da cana

Tese desenvolvida por pesquisadora da Feagri analisa emissão de CO2 em solos

O sistema de colheita mecanizada da cana-de-açúcar, em substituição ao processo de queima do canavial, tem sido adotado pelo setor canavieiro. A finalidade é obter benefícios na qualidade do solo e do ambiente, com vistas a minimizar as emissões de gases causadores do efeito estufa, como o gás carbônico (CO2), o óxido nitroso (N2O) e o metano (CH4), apesar de muitos estudos comprovarem efeito nulo do gás carbônico no contexto de gás poluidor à atmosfera. Ao mesmo tempo em que é emitido, é absorvido pelas plantas através do processo de fotossíntese.

A queima do canavial em muitos lugares do Brasil (o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo) ainda é bastante praticada e tem causado perdas de matéria-prima. Por esse e outros motivos, o país tem agido com rigor para acabar de vez com essa prática inconsequente, que traz um verdadeiro transtorno às pessoas que moram nos arredores desses locais. 

A fumaça e a fuligem são incômodas, por sujarem as casas e promoverem poluição no ar, afetando inclusive a saúde humana, principalmente no aparelho respiratório. Uma lei que está em vigor no Estado de São Paulo determinou prazos para a eliminação gradativa do emprego do fogo para despalha da cana-de-açúcar nos canaviais paulistas. Mas afinal qual sistema emite mais gás carbônico: o de cana crua ou queimada?

Em estudo de doutorado da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), a pesquisadora Rose Luiza Moraes Tavares avaliou a emissão de CO2 em solos sob sistema de cana crua (sem queima) e em solos de queimada do canavial. Sua conclusão foi que, contrariamente ao que se mencionava na literatura, a emissão de gás carbônico no solo foi maior no sistema de cana crua. “Nosso achado derrubou o mito de que o sistema de queimada emite mais gás carbônico”, revela.

Contudo a estudiosa faz uma ressalva: o sistema de cana crua, mesmo emitindo mais CO2 no estudo, mostrou ter efetuado uma emissão benéfica, isso porque o resíduo da cana – a palhada –, que permanece sobre o solo após a colheita, age como um verdadeiro tapete de proteção. Ela estimula a atividade dos organismos vivos, ocasionando uma maior emissão de CO2, visto que esse gás é o produto final da respiração dos seres que atuam no processo de decomposição dos resíduos orgânicos.

A explicação é que a palhada libera compostos orgânicos fundamentais ao desenvolvimento da planta. Os organismos do solo são responsáveis pela sua degradação e, sem a sua presença, esse material ficaria difícil de ser decomposto. 

Primeiro acontece o trabalho das operárias do solo: as minhocas, as formigas e outros organismos macroscópicos. Eles decompõem os resíduos mais facilmente degradáveis e depois aparecem os microrganismos – sobretudo fungos e bactérias, que no processo final transformam compostos orgânicos em minerais, os quais serão aproveitados pelas raízes das plantas.

Como há muita oferta de substratos sobre o solo no sistema de cana crua, há maior estímulo à atividade desses microrganismos que, por sua vez, acabam emitindo mais gás carbônico para o solo. Mesmo com a liberação de CO2 durante a decomposição microbiana, parte do carbono que seria liberado na queima é incorporado ao solo. Foi o que atestou esse projeto financiado pela Fapesp.

Isso não ocorre com a cana queimada. A palhada, ao invés de ficar no solo, é liberada para a atmosfera. Mas utiliza-se muito esse sistema para facilitar o corte manual, pois é muito difícil cortar a cana crua. E, após o corte, é levada às usinas para moagem e para ser transformada em açúcar ou álcool. 

 

Prós e contras

O cultivo da cana-de-açúcar caracterizou-se na década de 1970 pela queima e corte manual, com uma média de três a quatro cortes, influenciados pela menor qualidade das variedades existentes na época. 

No início de 1980, com o surgimento de variedades melhoradas, o número de cortes do canavial aumentou e, em meados desta década, a colheita mecanizada intensificou-se pela necessidade de complementar a colheita manual em um período de grande expansão do plantio da cana. Na década seguinte, essa cultura passou a ser colhida sem processo de queima e de forma mecanizada. 

Hoje, o uso da mecanização, mais intenso na fase de colheita, vem sendo implementado de modo irreversível. Gradualmente, as pessoas vão cedendo lugar aos maquinários, fazendo a colheita nas lavouras ganhar em agilidade. 

A vantagem da colheita mecanizada, expõe, é que ela diminui, em maior medida, a emissão de gases poluentes de efeito estufa, como o óxido nitroso e o metano, sabidamente prejudiciais. 

Por outro lado, há que se reconhecer que esses gases, que participam do efeito estufa, são um fenômeno natural e importante à manutenção da vida no planeta, mantendo, em média, a temperatura próxima à superfície da terra em torno de 14°C. Caso não houvesse esse efeito, a superfície da terra seria 33°C mais fria, ensina ela.  

O problema, a seu ver, é o aumento desses gases que está sendo feito de maneira indiscriminada, ocasionando uma série de fenômenos, como o aquecimento global. 

 

Cautela

Um solo desprotegido é prejudicial à agricultura e mais propenso a erosões. Então um dos gargalos do processo de cana crua é que o peso das máquinas promove maior compactação do solo – um problema físico que impede a renovação do canavial. 

A despeito dos efeitos que o sistema de cana mecanizada proporciona na física do solo, como maior compactação provocada pelo uso intensivo de maquinário, a abolição da queima do canavial, o aumento da conservação do solo pela deposição da palha e a melhoria na qualidade do ar tornam esse sistema um avanço no cultivo da cana-de-açúcar. 

Além disso, os trabalhos que comprovam os efeitos nocivos da cana mecanizada na qualidade do solo são raros, carecendo de estudos mais pormenorizados que avaliem não somente os impactos – que façam um balanço geral dos benefícios e malefícios desse sistema ao ambiente.

Outro gargalo é que, com a presença mais frequente de maquinários nessas áreas, ocorre também grande emissão de gases poluentes devido ao diesel no sistema de cana crua. A ideia para contornar esse obstáculo é usar combustíveis mais limpos que o diesel (possivelmente o etanol). 

Rose sublinha que o gás carbônico não é devastador em termos de aquecimento global porque, ao mesmo tempo em que ele é emitido, a planta absorve-o mediante a fotossíntese. É por isso que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) não considera o CO2 no contexto de aquecimento global.

 

Atributos

Constatou-se nesta investigação, como dito anteriormente, que no sistema de cana crua há um maior adensamento do solo provocado pelo maquinário em comparação ao sistema de cana queimada, comprovado por análises de densidade, umidade e porosidade do solo.

Não obstante, nas áreas de cana crua, esses valores de adensamento não foram desastrosos no estudo, conta Rose. É que na literatura a densidade para o solo avaliado, tida como uma situação de compactação prejudicial ao desenvolvimento radicular, é em torno de 1,45 g/cm3. “A nossa esteve abaixo de 1,38 g/cm3. Cremos então que o efeito da palhada é benéfico, ainda que proporcione maior emissão de CO2. Ela traz inúmeros benefícios à física, química e biologia do solo.”

A expectativa de Rose é de que a presença de palhada sobre o solo, em longo prazo, promova estabilização das emissões de CO2 do solo, porque seu estudo indicou variações não significativas entre inverno e verão para a área de cana crua com presença de palhada por dez anos, enquanto que o sistema de cana queimada, com ausência de palhada, apresentou grandes variações nas emissões de CO2 nos períodos avaliados.

No sistema de cana crua houve uma estabilização de gás carbônico, mesmo tendo sido maior. Já no sistema de cana queimada, no inverno a emissão foi baixa e, no verão, alta. Isso foi estimulado pelos microrganismos no solo durante o verão, mais ativos, e pela umidade do solo, que está maior.

Uma parte da pesquisa de Rose foi realizada nos Estados Unidos. Ela recebeu uma bolsa-sanduíche para estudar seu tema na Universidade de Minnesota e USDA (Departamento de Agricultura dos USA). A autora do estudo levou amostras de solo para lá e fez análise de CO2, metano e óxido nitroso, pelo período de nove meses.

No Brasil, ela fez o trabalho de campo em Pradópolis, São Paulo. Essa cidade possui a Usina São Martinho, uma das mais antigas na produção de cana do mundo e com grandes produtividades de seus canaviais.

Rose é graduada pela Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e alcançou o mestrado pela Unesp de Jaboticabal. Seu doutorado foi orientado pelo professor da Feagri Zigomar Menezes de Souza, especialista em Física do Solo, em parceria com o professor Newton La Scala, da Unesp de Jaboticabal, especialista em CO2 do solo.

 

 

Conversão

De acordo com a Unica (2013), o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, com 9.616.615 hectares (ha) de área plantada. Desse total, o Estado de São Paulo possui 5.533.176 ha de cana, com moagem de 406,26 milhões de toneladas, aumento de 16,21% quando comparado ao período de 2012.

Estima-se que a área de conversão da cana queimada em cana crua no período de 2012 a 2014 será de 556.840 ha, se forem atendidos todos os protocolos estabelecidos de abolição da queima.

No acumulado desde o início da safra 2013/2014 até a primeira quinzena de setembro, a produção de etanol totalizou 17,24 bilhões de litros. Já a produção de açúcar alcançou 22,92 milhões de toneladas no mesmo período. Em 1999, a queima da cana era responsável por cerca de 98% das emissões de gases provenientes da queima de resíduos agrícolas no Brasil.

Uma curiosidade: a temperatura durante a queima da cana é de cerca de 160-200 °C na superfície do solo, ocasionando perda por volatilização de nutrientes essenciais no ciclo vegetativo.

Em 2011, foi 1,67 milhão de ha de cana-de-açúcar queimada no Estado de São Paulo. Portanto, a recente tendência de adoção de práticas agrícolas que levem a uma maior sustentabilidade do sistema, com menor emissão de gases do efeito estufa, pressiona a agroindústria sucroalcooleira a rever seus processos, incluindo a colheita da cana sem queima prévia.

Comentários

Comentário: 

Olá,

Parabéns a pesquisadora e ao orientador.
Abraço,

Clóvis Tristão

clovis@feagri.unicamp.br

Comentário: 

Parabéns Rose pelo brilhante trabalho, que eleva a Feagri na vanguarda dos estudos sobre a mecanização da cana-de-açúcar. Parabéns ao orientador também.

oswaldo.filho@feagri.unicamp.br