Edição nº 579

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 14 de outubro de 2013 a 20 de outubro de 2013 – ANO 2013 – Nº 579

Unicamp faz da Ceasa ‘laboratório’ de saúde ocupacional

Pesquisadores diagnosticam e propõem intervenções para problemas que afetam a qualidade de vida de funcionários da central de abastecimento

Sonolência, má alimentação, cansaço, estresse e sedentarismo estão entre os principais problemas que afetam os trabalhadores da Ceasa (Centrais de Abastecimento S.A) de Campinas (SP), entreposto hortifrutigranjeiro que conta com a atuação de 5,3 mil funcionários diretos e perto de 20 mil indiretos. O diagnóstico faz parte de uma série de estudos recentes desenvolvidos no local por pesquisadores da Faculdade de Enfermagem da Unicamp. 

Inéditas, as investigações coordenadas pela docente Maria Inês Monteiro prosseguiram com intervenções visando à promoção de saúde no local, após o diagnóstico dos problemas que afetam a capacidade para o trabalho e a qualidade de vida dessas pessoas. O objetivo foi conscientizar os trabalhadores sobre a adoção de hábitos e estilos de vida mais saudáveis. 

Após a intervenção, que se baseou em programas de educação em saúde, houve relatos de melhoras qualitativas no grupo pesquisado, como diminuição do uso de bebidas alcoólicas e tabagismo, emagrecimento e reeducação alimentar. As principais estratégias de intervenção empregadas foram orientações sobre higiene do sono, alimentação saudável, técnicas de relaxamento, de cuidados com o corpo e exercícios físicos, entre os quais alongamentos. 

“Do ponto de vista quantitativo, a intervenção não apresentou efetividade. Mas, qualitativamente, colhemos os frutos até hoje. Estou conduzindo uma coleta de dados sobre sono e tendo acesso, novamente, a esse público. Uma mulher, por exemplo, chegou até nós com 24 quilos a menos. Outro funcionário, um senhor, parou de fumar e está deixando as bebidas alcoólicas. Há também relatos de diminuição das dores”, conta a enfermeira Valéria Aparecida Masson, que concluiu recentemente doutorado sobre o tema.

Ela e a colega Tatiana Giovanelli Vedovato permaneceram cerca de dois anos na Ceasa coletando informações e orientando os trabalhadores do local. As ações foram realizadas em parceria com o ambulatório médico do entreposto. Tatiana Vedovato também finalizou tese de doutorado sobre as condições de vida dos funcionários da central de abastecimento. Os estudos, orientados por Inês Monteiro, contaram com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

“Desenvolvemos nossos trabalhos a partir das necessidades da realidade brasileira. Esse é o grande destaque das nossas investigações. Temos dado conta de identificar quais são os grupos de trabalhadores mais vulneráveis, geralmente aqueles de micro e pequenas empresas e os de menor grau de escolaridade”, situou a orientadora, que coordena há mais de 10 anos linha de pesquisa e projeto de extensão na Ceasa com a participação de graduandos, mestrandos e doutorandos da Unicamp.

“Atualmente, os estudos na União Europeia, principalmente na área de saúde do trabalho, são baseados em intervenções. E é isso que estamos tentando fazer aqui, atuando muito próximos das necessidades dos trabalhadores. Eu diria que é um embrião daquilo que já está aperfeiçoado em países como Finlândia, Holanda, Dinamarca e Estados Unidos”, completa Inês Monteiro, que tem experiência na área de saúde coletiva e pós-doutorado pelo Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional.

Ela explica que as condições de trabalho são fortes determinantes de situações inadequadas de saúde. Neste ponto, a pesquisadora Tatiana Vedovato exemplifica, citando as principais ocorrências constatadas durante o estudo de campo na central de abastecimento. “Muitos trabalhadores se deslocam de outras cidades, perdendo noites de sono para chegar de madrugada no entreposto. Eles ainda têm uma jornada inteira de trabalho pela frente”, relata.

A alimentação é outro ponto preocupante de acordo com ela. “É até um paradoxo porque lá são comercializados verduras, legumes e frutas. Muitos empregados, e mesmo os patrões, têm acesso a tudo isso, mas eles acabam comendo frituras e ingerindo refrigerantes, que é basicamente o que oferecem as lanchonetes do local. Eles comem também muito lanche. Outras questões importantes foram o sedentarismo e o estresse”, aponta.

Estes males afetam o índice de capacidade para o trabalho, indicador instituído na década de 1980 pelo Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional. Fatores associados à gestão, ergonomia e estilos de vida explicam tanto o declínio como a melhoria da disposição para o trabalho durante o envelhecimento.

Conforme estudos internacionais sobre o tema, as causas mais associadas à diminuição deste índice são: ausência de lazer e atividades físicas, presença de dor musculoesquelética, idade avançada, obesidade, alta demanda do trabalho mental, falta de autonomia, local de trabalho físico inadequado e elevada carga de trabalho.

Outro conceito empregado no estudo desenvolvido na Ceasa é o de fadiga. O termo, do latim faticare, denota cansaço por motivo de trabalho intenso. Conforme Valéria Masson, a fadiga apresenta uma característica multifatorial, ou seja, é influenciada pelas características do trabalho, estilo de vida e condições de saúde do indivíduo. “Tanto a fadiga como o conceito de capacidade para o trabalho são fatores que devem servir como base na elaboração de estratégias de promoção da saúde”, relaciona.

 

Jovens e mulheres

Em seu estudo de doutorado, Valéria Masson analisou a promoção da saúde e capacidade para o trabalho de jovens, enquanto que Tatiana Vedovato estudou as mulheres do local. Ao todo, 90 trabalhadores participaram das pesquisas, sendo 48 mulheres e 42 jovens. As estudiosas explicam, porém, que a intervenção oferecida beneficiou cerca de 500 trabalhadores, uma vez que a iniciativa foi aberta a todos os interessados. 

“As mulheres são minoria na Ceasa. Talvez por isso elas sejam poupadas dos serviços mais pesados. Entretanto, a dupla jornada de trabalho está presente para a maioria delas. Muitas são fumantes, têm sobrepeso e baixa frequência de atividade física. O aspecto que mais interferiu na diminuição da capacidade para o trabalho foi o relato de ‘sentir dor em algum local do corpo’”, especifica Tatiana Vedovato.

Em relação aos jovens, Valéria Masson informa que parcela considerável é sedentária e faz uso de bebidas alcoólicas. “Trabalhar e estudar simultaneamente, carregar peso, executar atividades em movimentos repetitivos, pressão para terminar a tarefa, dor e uso de medicamentos foram os principais fatores associados à redução da capacidade para o trabalho nestes sujeitos”, descreve a pesquisadora.

 

Parceria

Desde 1984, a Ceasa Campinas possui um ambulatório médico que atua pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, o serviço oferece atendimento exclusivo aos trabalhadores do local nas áreas médicas, odontológicas e de enfermagem, incluindo vacinação e distribuição de medicamentos. São três médicos, três enfermeiras, uma dentista e nutricionista, além de técnicos de enfermagem.

A coordenadora do ambulatório, Maria Cristina Siqueira Menechino Prini, avalia que a parceria com a Unicamp tem possibilitado o estabelecimento de diretrizes mais claras, permitindo o desenvolvimento de ações educativas e preventivas para os trabalhadores do entreposto. 

“Não damos conta de desenvolver atividades de coleta de informações juntos aos funcionários. Em qualquer ação educativa que vamos fazer, a Unicamp está sempre presente. Isso é muito rico. Antigamente, nós agíamos em cima do que víamos e achávamos. Hoje, não. Temos a informação, e, a partir daí, nós trazemos os trabalhadores para dentro do ambulatório. É possível, portanto, estabelecer um planejamento com diretrizes mais claras para esse público”, admite.

Ainda de acordo com ela, há um reconhecimento por parte dos trabalhadores de que as ações da Universidade têm contribuído efetivamente para melhorar suas condições de saúde. “Eles já entenderam que não estão apenas participando de uma pesquisa, que irá coletar dados e ser encerrada nesta atividade. Os trabalhadores sabem e percebem que esses estudos contribuirão para o ambulatório aumentar a assistência para eles mesmos”, salienta.

O ambulatório da Ceasa é mantido pela Prefeitura de Campinas, que detém desde 1989 o controle acionário do armazém. Empresa de capital misto, a Centrais de Abastecimento de Campinas está entre os quatros maiores entrepostos do Brasil. No local, situado às margens da Rodovia Dom Pedro I, funciona também o maior mercado permanente de flores e plantas ornamentais da América Latina.

 

Alcides carrega 8 toneladas por dia

Batata doce, inhame, cará, gengibre, mandioquinha… O jovem Alcides Palogi trabalha desde os 13 anos com o carregamento e venda de vegetais e tubérculos na Ceasa Campinas. Chega às 3 horas da manhã e só sai 10 horas depois, muitas vezes sem almoço. Carrega, em média, 20 carrinhos de 400 quilos por dia. Hoje, aos 30 anos, sente no corpo os males do ofício, apesar de estar satisfeito com a atividade.

“Eu trabalhava escondido dos fiscais, quando entrei aqui. Na minha idade não era permitido. Tenho muita dor nas costas e problemas na coluna. Já fui ao médico e não adiantou. Mas acho divertido, o tempo passa e você não percebe. Pronto. Agora senta aí, senta aí vai… [no carrinho], me ajuda aqui [com as caixas]”, pede, brincando com o jornalista.

A coordenadora do ambulatório Maria Cristina Prini avalia que a população jovem do armazém tem adoecido muito rápido. “Eles estão deixando de estudar porque é um trabalho muito pesado e cansativo. Por conta disso também há muitos casos de doenças osteomusculares. E esses trabalhadores não têm uma preocupação com a sua saúde; eles só vêm ao ambulatório em situações muito críticas. Temos observado muitos jovens com diabetes e hipertensão arterial”, expõe.

Maria Zilda Souza de Moraes, de 48 anos, tem um espaço comercial junto com a família no mercado livre central da Ceasa. Ela viaja cerca de 60 quilômetros todos os dias, percorrendo de caminhão o trajeto de Jarinu (SP) a Campinas. Acorda por volta de 1h30 da manhã e só retorna após as 13h. Quando chega em sua casa, faz ginástica, mas dorme mal.

“Eu pretendo parar de trabalhar. Já gostei muito, mas hoje estou cansada. Eu nem carrego tanto peso, mas a correria e a agitação aqui é muito grande. É muito corrido, fico exausta. Ando muito estressada, outro dia mesmo tive que ir ao médico. Estou tomando relaxante para dormir”, confessa.

 

 

Publicações

Tese: “Promoção da saúde e capacidade para o trabalho de mulheres trabalhadoras de uma central de abastecimento”
Autora: Tatiana Giovanelli Vedovato
Orientadora: Maria Inês Monteiro
Unidade: Faculdade de Enfermagem
Financiamento: Capes

Tese: “Promoção da saúde entre jovens trabalhadores de micro e pequenas empresas da Central de Abastecimento de Campinas, SP”
Autora: Valéria Aparecida Mason
Orientadora: Maria Inês Monteiro
Unidade: Faculdade de Enfermagem 
Financiamento: Capes