Edição nº 550

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 17 de dezembro de 2012 a 31 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 550

Aparelho obtém extrato de plantas

Equipamento é um dos resultados de tese desenvolvida na FEA e premiada pela Capes

Um dos destaques da tese de doutorado do engenheiro químico Diego Tresinari dos Santos foi a construção de um equipamento multipropósito que funciona com fluidos pressurizados para a obtenção de extratos de plantas e para a formação de micro e nanopartículas. O seu valor ecológico e social esteve em usar como solvente um gás causador do efeito estufa que de outro modo seria considerado maléfico ao ambiente e ao organismo humano, mas que no estudo mostrou-se uma experiência positiva. A pesquisa mereceu o Prêmio Capes de Tese deste ano. 

O pesquisador conta que ficou “passado” com a notícia e feliz por darem valor a este trabalho totalmente nacional. “Com isso, terei três anos de bolsa e vou permanecer no meu grupo no pós-doutorado, para complementar minha formação num ambiente que gosto e fazendo pesquisa. A tese também concorre ao Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade – Edição 2012”, comenta.

Maria Ângela, também honrada com o sucesso da pesquisa, realça que essa é a primeira vez que um pós-graduando que orienta é laureado com o Prêmio Capes. No ano passado, uma de suas orientandas recebeu menção honrosa. “Batemos na trave e vimos que os nossos estudos estavam no caminho certo. Fomos distinguidos e agora trouxemos inovação ao laboratório.”

O equipamento foi batizado como Aradime, reunindo trechos dos nomes do técnico de Laboratório que montou o equipamento, Ariovaldo Astini (Ara); de Diego (Di), o autor do invento, e da professora Maria Ângela A. Meireles (Me), sobrenome da orientadora da tese. Foram gastos nesse projeto, financiado pelo CNPq, R$ R$ 65 mil. O estudo foi feito na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) entre 2008 e 2011.

Geralmente, para fazer a extração e a formação de partículas cada equipamento do mercado, de fluidos supercríticos, é dedicado a um processo – ou só produz extratos ou só forma partículas – e é comercializado por várias empresas que trabalham com fluidos à alta pressão. “Fizemos dois equipamentos em um”, comemora Diego.

Sobre esse invento, a professora explica primeiramente o que é fluido pressurizado. “É um gás do efeito estufa – o dióxido de carbono (o CO2) – com altíssimas pressões: 100 ou 150 vezes a pressão atmosférica, o qual comporta-se semelhantemente a um líquido e que tem o poder de dissolver substâncias”.

A pesquisa de Diego sugeriu que é factível a construção de um equipamento versátil relativamente econômico (mais que qualquer equipamento do mercado) e de fácil operação. Foi idealizado a fim de obter o extrato de plantas brasileiras e de formar partículas bem pequenas, até a escala “nano”.

“O fato de ser nano”, explica a docente, “permite uma melhor interação com o organismo bem como com o meio ambiente. E também o fato de usar esse fluido pressurizado, que parte de um gás do efeito estufa, mostrou-se imprescindível porque se trata de um processo verde”.

Esse incremento, produzido 100% no país, inexistia na Unicamp. Foi executado no Laboratório de Tecnologia Supercrítica: Extração, Fracionamento e Identifi cação de Extratos Vegetais (Lasefi ), dirigido pela professora Maria Ângela desde 1984. Diego fez ainda um estágio na Universidad de Valladolid, na Espanha, de três meses, onde trabalhou em um equipamento similar, mas que só fazia processos de formação de partículas.

Ariovaldo Astini já vinha construindo outras unidades conforme necessidade do Lasefi. Esta é a oitava geração desse recurso. A primeira data de 1985. “A ideia de levar o equipamento ao mercado dependerá do interesse”, diz a docente.

Diego expõe que também elaborou um manual de uso, hoje disponível em sua tese digitalizada, contendo informações para a sua reprodução. É política do Lasefi que o conhecimento seja compartilhado entre os demais grupos de pesquisa, esclarece.

O seu trabalho transcendeu o projeto, pois inicialmente pensava-se num equipamento que se prestasse apenas à formação de partículas. O diferencial foi que ele também possibilitou obter extratos de plantas, diferentemente dos equipamentos comercializados no momento.

Maria Ângela comenta que, quando se pede para comprar uma unidade do equipamento, ela sai mais barata, porém, é preciso dimensionar o vaso de pressão, que designa todos os recipientes capazes de conter um fluido pressurizado – de uma panela de pressão de cozinha até os mais sofisticados reatores nucleares.

O pedido é feito para uma empresa metalúrgica, que acaba tendo que parar o processo em escala comercial no qual estava envolvida para atuar no projeto de escala laboratorial. “Obviamente esse custo torna-se então mais elevado”, relata ela.

A intenção é que o Aradime entre em escala industrial e aumente a versatilidade dos fluidos pressurizados, muito conhecidos hoje pela parte de extração. Começando a parte de formação de partículas, isso iria beneficiar a etapa de estabilização dos extratos vegetais, visto que o Brasil tem uma rica flora e dela podem ser obtidos muitos compostos bioativos.

Basicamente o trabalho consistiu em colocar o extrato dentro de um “recheio” (encapsulamento) para estabilizá-lo, para manter as suas propriedades bioativas. O grande problema é a estabilidade da mistura dos compostos que formam os extratos. “Logo, a produção de partículas viria ao encontro desse propósito até o momento do uso”, esclarece Diego.

CASCA DE JABUTICABA
O pesquisador e a sua orientadora trabalharam com o extrato da casca de jabuticaba (Myrciaria cauliflora), planta nativa do Estado de São Paulo. Maria Ângela esmiúça que não se trata propriamente de uma biomassa, porque adotaram a casca de jabuticaba produzida em laboratório.

Posteriormente, esse trabalho deu origem a outros nos quais foram usados resíduos de fabricação de geleia e de licor de jabuticaba. “Então era uma biomassa só para compostagem. Retiramos compostos importantes para a saúde e os estabilizamos”, conta a professora.

Ainda como consequência desse projeto, o grupo de pesquisa alcançou um novo financiamento do CNPq, de maior vulto, com vistas a produzir um equipamento para a formação tanto de partículas secas (sólidas) quanto de partículas em suspensão (ainda na fase líquida), para diferentes aplicações nas áreas de alimentos, fármacos e cosméticos. 

A casca de jabuticaba possui muitas antocianinas (pigmentos pertencentes aos flavonoides que dão uma ampla variedade de cores vindas das frutas, flores e folhas, indo do vermelho-alaranjado ao vermelho intenso, roxo e azul) para serem aproveitadas como antioxidantes ou promotoras de crescimento, evitando a morte de bactérias tidas como proativas no organismo.

Isso já foi devidamente testado, abrindo portas para a extração a partir da casca de jabuticaba e de produtos com uma dupla função: conferir aroma e produzir cor. Maria Ângela ressalva que ainda não se fala de uma empresa interessada no extrato em si. Só no estudo da formação das nanopartículas. 

“Estamos investindo em um ingrediente da flora nacional para desenvolver uma gama de produtos com aplicação futura em diversas áreas, desde alimentos funcionais até dietas especiais e para atletas”, salienta a orientadora.

O CO2 produzido pelo setor industrial está sendo utilizado-reutilizado e não libera este composto químico para a atmosfera. Deste modo, do ponto de vista do meio ambiente, trata-se de uma tecnologia limpa.

Na indústria de fármacos, a produção de nanopartículas será relevante porque poderá reduzir em muito a dosagem dos medicamentos, já que as cápsulas depositam os fármacos no lugar onde as drogas precisam agir. Com isso, há ganhos em relação a custo e em termos de efeitos colaterais ao paciente.

Por outro lado, para a indústria de cosméticos, a sua atuação se traduz em um efeito potencial como corante natural, na forma de um extrato liquefeito ou de uma partícula sólida, para compor cremes, exemplifica Diego.

A sua investigação sinalizou que um único equipamento é capaz de fazer os dois processos. “Pensamos em uni-los continuamente: fazer a extração e alimentar o extrato para formar partículas, ao que chamamos processos em linha, partindo da matéria-prima e saindo com o produto encapsulado, em sua forma estável.”

Os resultados preliminares já demonstraram que é possível, da matéria-prima, obter um produto final com um valor agregado muito maior do que simplesmente o extrato.

A tese de Diego redundou num doutorado direto com três anos de duração e com pelo menos 12 publicações em revistas de alto impacto científico. “Esses achados já descortinam horizontes para outros estudos no laboratório ligados à linha de tecnologia supercrítica e de solventes ambientalmente corretos, de qualidade Gras (Generally Recognized as Safe), reconhecidos como seguros à saúde humana e ao meio ambiente”, garante a orientadora.

Trata-se de um processo limpo no qual se coloca uma matriz vegetal sob alta pressão, usando como solvente dióxido de carbono, no caso de alimentos. Esse processo não deixa resíduos de substâncias tóxicas, nem nos produtos, nem na matriz vegetal original.

Após serem extraídos os princípios de interesse, a matriz ganha várias alternativas como alimentação, por não possuir tais resíduos, e produtos como extrato, óleo essencial, além de produtos químicos.

PROJEÇÃO
O futuro, ressalta a docente, é o desenvolvimento de processos integrados para uso total da matéria-prima. “Vão sendo usados processos em série, entre eles extração e particulação. Se sobram resíduos no processo, eles podem ser empregados para produzir novos compostos.”

É possível ainda da biomassa produzir novos compostos por hidrólise, também com fluidos em condições de alta pressão e alta temperatura. 

Na extração e hidrólise, explica Diego, em geral são utilizados no Lasefi três fluidos que podem ser mesclados em diferentes proporções e/ou usados de maneira sequencial: o dióxido de carbono, o etanol e a água. Todos os três são ambientalmente corretos. Já, no caso da formação de partículas, apenas trabalha-se com o dióxido de carbono.

Enquanto a indústria de extratos vegetais obtém o extrato e faz muitas vezes a compostagem ou o descarte, os pesquisadores do Lasefi estão investindo em diferentes compostos valiosos a partir do resíduo da etapa de extração mediante a sua re-extração ou hidrólise com outros fluidos pressurizados. Assim, busca-se demonstrar a viabilidade de uma futura “biorrefinaria” baseada no uso de fluidos pressurizados em todas as etapas para o aproveitamento integral de materiais vegetais.

Publicações

- SANTOS, D.T.; MEIRELES, M.A.A. Optimization of bioactive compounds extraction from jabuticaba (Myrciaria cauliflora) skins assisted by high pressure CO2. Innovative Food Science & Emerging Technologies, v. 12, p. 398-406, 2011.
- SANTOS, D.T.; VEGGI, P.C.; MEIRELES, M.A.A. Optimization and economic evaluation of pressurized liquid extraction of phenolic compounds from jabuticaba skins. Journal of Food Engineering, v. 108, p. 444-452, 2012.
- SANTOS, D.T.; VEGGI, P.C.; MEIRELES, M.A.A. Extraction of Antioxidant Compounds from Jabuticaba (Myrciaria cauliflora) Skins: Yield, Composition and Economical Evaluation. Journal of Food Engineering, v. 101, p. 23-31, 2010.
Tese: “Extração, micronização e estabilização de pigmentos funcionais: Construção de uma unidade multipropósito para o desenvolvimento de processos com fl uidos pressurizados”
Autor: Diego Tresinari dos Santos
Orientadora: Maria Ângela A. Meireles
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Financiamento: CNPq

Comentários

Comentário: 

Excelente pesquisa que resultou em um equipamento útil a diferentes setores. Parabéns aos pesquisadores. Além da qualidade da tese doutoral, é necessário destacar a qualidade da reportagem jornalística. Texto primoroso, que nos apresenta a ciência de maneira atrativa e pormenorizada. Em que universidade é possível encontrar um trabalho jornalístico tão completo? Os cientistas e jornalistas da Unicamp formam uma equipe dedicada ao avanço da pesquisa e da divulgação da ciência e tecnologia no Brasil.