Edição nº 542

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 15 de outubro de 2012 a 21 de outubro de 2012 – ANO 2012 – Nº 542

Forjando a
eletrônica do futuro

Trabalho de grupo do IFGW
é publicado na ‘Physical Review Letters’

A revista Physical Review Letters publicou um trabalho liderado por um grupo de pesquisadores do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, revelando de maneira inédita uma nova forma de excitação coletiva em materiais sólidos, que os autores denominaram spin-elétron-fônon. A importância da descoberta é conceitual, podendo contribuir para o melhor entendimento dos fenômenos envolvendo os chamados meio-metais, materiais que despertam grande interesse na área da spintrônica, considerada uma das vertentes da eletrônica do futuro.

O professor Eduardo Granado, do Departamento de Eletrônica Quântica do IFGW, informa que os resultados foram obtidos ao longo de três dissertações de mestrado defendidas por Alessandro Lisboa, Ulisses Ferreira Kaneko e Fábio Machado Ardito, bem como no trabalho de pós-doutorado de Alí Francisco García-Flores. As pesquisas foram realizadas no Laboratório de Espectroscopia Raman do Grupo de Propriedades Ópticas e Magnéticas de Sólidos.

“O foco do nosso grupo está em descobrir e investigar novos materiais que apresentem fenômenos físicos fundamentalmente novos ou ainda não completamente compreendidos, quase sempre envolvendo conceitos de mecânica quântica”, explica Granado. “O Laboratório Raman nos permite observar excitações vibracionais, eletrônicas e magnéticas destes materiais. Neste trabalho em particular, estudamos compostos da família de perovskitas duplas, que são óxidos que possuem uma estrutura atômica específica formada por ‘gaiolas’ de oxigênio que rodeiam átomos de metais como ferro (Fe), cromo (Cr), e rênio (Re).”

Segundo o pesquisador, em sólidos atomicamente ordenados como as perovskitas duplas, os átomos possuem uma dinâmica coletiva, participando de vibrações que viajam rapidamente na forma de uma onda, levando à propagação do som e contribuindo para a propagação de calor, entre outros fenômenos. “Trata-se dos fônons, que é um tipo de excitação coletiva já bem conhecida. Existem também outros tipos de excitações coletivas, como por exemplo, aquelas envolvendo flutuações dos momentos magnéticos diminutos que átomos como de ferro, cromo e rênio possuem, e que também se propagam como ondas: são as ondas de spin, também conhecidas como mágnons.”

O professor do IFGW explica que a investigação que resultou neste artigo vem de uma descoberta acidental, em 2008, durante o trabalho de dissertação de Alessandro Lisboa. “Estudávamos as propriedades vibracionais de perovskitas duplas em função da temperatura. Foi quando percebemos um modo de vibração cuja frequência mudava abruptamente – e bastante – conforme se variava a temperatura. Intrigou-nos o fato da variação neste modo de vibração acontecer na mesma temperatura em que os momentos magnéticos do Fe (ou Cr) e Re se ordenavam, ao passo que a estrutura atômica do material apresentava poucas mudanças. Também nos chamou a atenção que o efeito ocorreu apenas para um modo em particular, envolvendo a vibração em fase da gaiola de oxigênios contra os átomos de Fe (ou Cr) e Re, lembrando um movimento de respiração.”

A incógnita, de acordo com Eduardo Granado, estava no fato de que os mecanismos conhecidos para explicar estas variações de frequência associadas ao ordenamento magnético não eram suficientes para justificar aquele efeito observado. Foi com o objetivo de buscar as causas que o docente orientou as teses subsequentes. “Para uma investigação mais completa do fenômeno, submetemos o material a condições extremas, aplicando campos magnéticos muito fortes a temperaturas baixíssimas, a fim de testar todas as hipóteses que pudessem ser elaboradas para explicar o fenômeno.”

Depois de estudo tão detalhado, a conclusão foi de que havia uma única maneira de explicar o fenômeno: propor a existência de uma nova forma de excitação coletiva. “É uma mistura de três componentes: uma vibracional, uma eletrônica e uma magnética. As três juntas formam uma excitação que oscila em frequência bem definida, sempre que o material é resfriado a temperaturas suficientes para que os momentos magnéticos do sólido se ordenem. Uma vez ordenados, é possível promover a propagação do momento magnético em cada átomo juntamente com as vibrações e as excitações eletrônicas.”

Os compostos

Os pesquisadores do IFGW estudaram dois compostos de perovskitas duplas: um de  bário, ferro, rênio e oxigênio (Ba2FeReO6) e outro de estrôncio, cromo, rênio e oxigênio (Sr2CrReO6). “Eles são meio-metais, assim chamados por possuírem elétrons de condução que são polarizados magneticamente, ou seja, que têm o momento magnético apenas em uma direção. É como se o material tivesse personalidade dupla: ele é um metal visto por elétrons magnetizados em uma direção, e um isolante para os elétrons magnetizados na direção oposta. Na pesquisa, descobrimos que um movimento de respiração das gaiolas de oxigênio é capaz de modular alternadamente a densidade de elétrons dentro dos átomos de ferro (ou cromo) e rênio, modulando também o momento magnético dentro destes átomos. É uma nova forma de excitação coletiva envolvendo três graus de liberdade combinados (vibracional, eletrônico e magnético) que pode ocorrer em vários outros materiais com características similares.”

Eduardo Granado afirma que os meio-metais são bastante estudados dentro da área da spintrônica, que se acredita ser a próxima geração da eletrônica. “É uma tecnologia que mescla os condutores elétricos com outros materiais que tenham propriedades também magnéticas. De tal maneira que a informação é controlada e transmitida não só pelas correntes elétricas, mas também pelas direções dos momentos magnéticos dos elétrons que estão conduzindo. Os dois materiais que estudamos estão dentro de uma classe de compostos de grande interesse para a spintrônica, chamada de injetores de spin.”

As perovskitas duplas utilizadas no laboratório do IFGW eram pós-prensadas na forma de cerâmicas, mas Granado observa que, viabilizada a aplicação tecnológica destes materiais, eles podem também ser produzidos em outras formas, como de um filme fino, dependendo da aplicação desejada.

 

 

As aplicações da spintrônica

 

Spintrônica  é um neologismo para “eletrônica baseada em spin”. Também conhecida como magneto-eletrônica, é uma tecnologia emergente que explora a propensão quântica dos elétrons de girar (spin em inglês), bem como fazer uso do estado de suas cargas. O spin, por si só, é manifestado como um estado de energia magnético fracamente detectável, caracterizado como “spin para cima” e “spin para baixo”.

Graças à spintrônica foi possível, por exemplo, reduzir o tamanho dos discos rígidos e ao mesmo tempo aumentar a capacidade de armazenamento. A tecnologia também está presente nas novas memórias de computador chamadas de RAM (Random Access Memory, ou memória de acesso aleatório). Pesquisadores acreditam que, além do armazenamento de dados, a spintrônica pode ser aplicada aos semicondutores e na criação de processadores para computadores quânticos.

Existem diversas outras aplicações, mas o ponto forte das pesquisas em spintrônica é a utilização do “entrelaçamento” quântico que existe entre os elétrons, sendo possível, assim, transmitir uma informação apenas com o gasto de energia de produzir o primeiro pulso: “girar” um elétron, mudar a orientação do seu spin. A partir deste pulso, toda a cadeia ligada a este elétron vai responder da mesma forma, mudando a orientação do seu spin e não gastando energia a mais para isso.