Edição nº 542

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 15 de outubro de 2012 a 21 de outubro de 2012 – ANO 2012 – Nº 542

Chabloz
em cartaz


 

O artista suíço Jean-Pierre Chabloz já estava morando no Brasil quando recebeu o convite para atuar como desenhista publicitário no Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), órgão estatal do governo Getúlio Vargas. Entre janeiro e julho de 1943, ele desenvolveu vasto material de propaganda, cujo objetivo imediato parecia ser arregimentar nordestinos para trabalhar na reativação dos seringais amazônicos, os chamados “soldados da borracha”. O programa empreendido pelo Estado Novo procurava atender à necessidade político-econômica de garantir a produção de borracha aos países aliados na Segunda Guerra Mundial, uma vez que os japoneses controlavam a quase totalidade dos seringais asiáticos.

A dissertação “Rumo à Amazônia, terra da fartura: Jean-Pierre Chabloz e os cartazes concebidos para o Semta”, de Ana Carolina Albuquerque de Moraes, restaura parte da história do período com o objetivo de analisar, como documentos visuais, quatro cartazes que o artista produziu para a “Campanha da Borracha”. A análise do material de propaganda criado por Chabloz extrapola os campos das artes visuais e da publicidade/propaganda, para englobar também questões de história social e de história econômica. “Além do valor estético, os cartazes constituem documentos visuais bastante representativos da ideologia dominante em um período significativo tanto da história do Brasil como da história mundial”, avalia.

Em relação à Campanha, não só a migração não foi desenvolvida com idoneidade como a produção de borracha também não foi satisfatória. Os Estados Unidos foram perdendo interesse pelo programa e deixando de injetar dinheiro, o que piorava as condições dos migrantes e de seus dependentes diretos, assistidos pelo Semta com verba-norte-americana. Em 1946, com o final da Guerra, foi instaurada a CPI da Borracha.

Para desenvolver o estudo, Ana Carolina mergulhou na documentação do arquivo Jean-Pierre Chabloz no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (MAUC), especialmente em dois diários de serviço do período do Semta e correspondências. Também realizou entrevistas com a filha do artista, Ana Maria Chabloz Scherer, e o diretor do MAUC, Pedro Eymar Barbosa Costa. A dissertação apresenta três frentes de discussão: o artista, o contexto histórico e os cartazes.

Chabloz estudou na Escola de Belas-Artes de Genebra (1929-33), na Academia de Belas-Artes de Florença (1933-36) e na Academia Real de Belas-Artes de Milão (1936-38). Em 1940, por causa da Segunda Guerra Mundial, veio para o Brasil, aportando primeiramente no Rio de Janeiro. No Ceará, a partir de 1943, realizou atividades como artista plástico, músico, professor, conferencista, crítico de arte e fomentador cultural.

A pesquisadora ressalta a persistência do artista ao se deparar com a incipiente vida cultural da Fortaleza da década de 1940. “Ele organizou exposições, foi professor tanto de desenho como de violino, colunista do jornal O Estado, conferencista, além de alavancar outras carreiras”. O papel de fomentador cultural é dividido com o grupo de artistas com os quais o suíço passou a atuar, como, por exemplo, Mário Baratta, João Maria Siqueira, Antonio Bandeira, Aldemir Martins e Barboza Leite.

 

Por quatro períodos na cidade, entre a década de 1940 e os anos de 1980, quando morreu, Chabloz deixou sua herança. A ponto de influenciar integrantes das novas gerações, como a pesquisadora da Unicamp, que desde criança ouvia falar no artista. Seu trabalho acadêmico é o primeiro a analisar, em profundidade, a atuação de Chabloz como desenhista publicitário da “Campanha da Borracha”. O trabalho também documenta as relevantes iniciativas do suíço em prol das artes no Ceará.

Quatro peças

“Mais borracha para a vitória”; “Vai também para a Amazônia, protegido pelo Semta”; “Vida nova na Amazônia”; e “Rumo à Amazônia, terra da fartura” são, na opinião da pesquisadora, os mais ambiciosos projetos que Chabloz desenvolveu no órgão. Os layouts dos cartazes eram enviados para o Rio de Janeiro, então capital do país, para impressão por meio da litografia. “Os litógrafos copiavam a mão os desenhos para elaborar as matrizes e, posteriormente, faziam a impressão em papel, o que influenciava o resultado final e envolvia uma questão de autoria”, explica Ana Carolina.

Nos documentos pesquisados por ela, consta que Chabloz não ficou satisfeito com a impressão dos dois primeiros cartazes. “Ele estava preocupado em criar volumes, por meio de jogos sutis de luz e sombra. Ao se deparar com as versões finalizadas dessas imagens, no entanto, considerou que resultaram planas, lisas, sem vibração colorida”. O artista desejava que os seus cartazes fossem reproduzidos mecanicamente, por processo fotolitográfico.

A pesquisadora comparou a estética dos quatro cartazes com 24 layouts do acervo pesquisado, relacionados, sobretudo, ao período de formação de Chabloz na Europa, entre as décadas de 1920 e 1930. “De modo geral, percebi nos layouts europeus uma maior preocupação com a experimentação formal. O artista estava em sintonia com tendências então em voga na Europa. Ele ‘flertou’ com a vertente de art déco reinante nas artes gráficas francesas da época. Naquele período, Chabloz dava muito valor à simplificação das formas, à aplicação de cores no interior de zonas claramente definidas e à tendência à bidimensionalidade dos motivos”.

Quando vem para o Brasil, Chabloz adota uma abordagem diferente, mais convencional e didática, tornando-se mais tradicional na abordagem tanto dos motivos quanto das letras. “Ele se preocupa com a obtenção de volume nas formas, com os contrastes de luz e sombra, com a plasticidade dos motivos, distanciando-se das pesquisas de caráter mais nitidamente formalista para adentrar uma abordagem mais voltada ao pronto reconhecimento dos motivos e à rápida assimilação da cena representada”.

Para a pesquisadora, uma hipótese para esta mudança seria a proposta de atingir melhor a população de Fortaleza na década de 1940, pouco conectada com as experimentações formais de correntes então consideradas “modernas”. Outra possibilidade de investigação consiste em avaliar o quanto o artista dialogou, ainda na Europa, com o contexto do “retorno à ordem”.

A dissertação de Ana Carolina é o primeiro trabalho acadêmico especificamente direcionado à compreensão de aspectos da arte de Chabloz, tendo sido concluída no momento em que o nome do artista tem sido bastante valorizado. “Houve, em 2010 e 2012, duas importantes exposições de documentos pertencentes ao arquivo de Chabloz no MAUC, acervo que, a partir deste ano, está sendo digitalizado”, afirma. A recuperação da história dos cartazes do Semta também é uma reflexão sobre a ideologia dominante do Estado Novo.  “Penso ter conseguido começar a construir uma história de Chabloz como cartazista, e, dentre o material que ele produziu, talvez os cartazes da Campanha da Borracha sejam aqueles envolvidos em um contexto histórico mais significativo”.

 

Publicação

Dissertação: “Rumo à Amazônia, terra da fartura: Jean-Pierre Chabloz e os cartazes concebidos para o SEMTA”.
Autora: Ana Carolina Albuquerque de Moraes
Orientação: Maria de Fátima Morethy Couto
Unidade: Instituto de Artes (IA)

Comentários

Comentário: 

Lauretti,
Muito obrigado por me apresentar ao Chabloz. Muito li e ouvi sobre os soldados da borracha. Inacreditável: nunca li nem ouvi sobre Chabloz. Aí, você chegou.
Saudaçõe,
Muito obrigado.
PS: acho que quem não é jornalista, principalmente de TV, descreveria tudo o que vc descreveu, em 387 páginas...

jequitis@uol.com.br

Comentário: 

Boa tarde! Sou defensor público que trabalha com os soldados da borracha e pesquisador do tema gostaria de ter acesso a pesquisa. Como posso fazer? Já foi lançada em livro? Onde posso comprar? Obrigado e parabéns!

cebsilva@hotmail.com