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Metodologia para inspeção desenvolvida
pela Feagri é mais confiável e menos invasiva

Ultra-som 'desata o nó' da madeira

MANUEL ALVES FILHO

A professora Raquel Gonçalves, coordenadora da pesquisa: certificação do produto para garantir maior valor agregado no mercado (Foto: Antoninho Perri)Quando os técnicos da CPFL Energia, holding que controla várias empresas nas áreas de geração, distribuição e comercialização de energia elétrica, saem a campo para vistoriar os postes de madeira que sustentam as redes áreas, eles se valem de um método prosaico: batem neles com um martelo. A partir do som gerado pelo choque, decidem se o poste deve ou não ser substituído. Assim, se o ruído é “oco”, eles concluem que o mesmo está podre e o condenam, para evitar riscos de acidente. Resultado: cerca de 60% das trocas são realizadas de forma desnecessária. Graças a uma pesquisa desenvolvida por especialistas da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, em parceria com a empresa, esse procedimento está com os dias contados. No lugar do martelo, os cientistas estão usando o ultra-som para executar a inspeção. Mais eficiente, a nova metodologia já elevou o nível de acerto das substituições para 70%, segundo resultados de testes feitos em laboratório.

Já foram analisados 40 postes de madeira

Para avaliar a integridade dos postes de madeira, os pesquisadores da Feagri propõem o uso do ultra-som da mesma forma como um médico o emprega para diagnosticar doenças. O procedimento é relativamente simples. O aparelho é composto de uma fonte, na qual estão acoplados dois transdutores. O primeiro transforma impulsos elétricos em ondas acústicas, que são refletidas no interior do material analisado. O segundo capta esses sinais, convertendo-os novamente em impulsos elétricos. Com base na distância e no tempo de percurso das ondas sonoras, os especialistas têm como calcular a velocidade das mesmas. Num material que apresenta descontinuidades internas, como fissuras ou podridões, a propagação das ondas acústicas é mais lenta do que num material íntegro.

De acordo com a professora Raquel Gonçalves, coordenadora da pesquisa, o trabalho vem sendo realizado há um ano. Nesse período, foram analisados 40 postes de madeira, sendo alguns novos e outros retirados da rede da CPFL. Os testes obedecem à seguinte seqüência. Primeiro, os pesquisadores usam o ultra-som para verificar a integridade de cada peça. Depois, são executados ensaios destrutivos para checar a resistência do material. Ao cruzar os dados gerados pelos dois métodos, os especialistas têm como estabelecer que faixas de ondas sonoras correspondem às faixas de resistência residual do material. Eles ainda podem chegar a “velocidade crítica”, indicador que aponta se o poste deve ser retirado por ter atingido o limite mínimo de resistência estabelecido pela concessionária. “Após um ano de testes, nós podemos dizer que a metodologia mostrou-se bastante eficiente”, afirma a pesquisadora.

A docente da Feagri diz que a ampliação da margem de acerto em relação à substituição dos postes – de 40% para 70% – traz inúmeras vantagens. Raquel Gonçalves destaca duas delas. Primeiro, a metodologia pode proporcionar economia para a empresa, pois cada troca representa um custo aproximado de R$ 1 mil. Atualmente, a CPFL tem cerca 1 milhão de unidades cadastradas em na área urbana, além de outras 300 mil na zona rural. Assim, supondo-se que existam 600 mil postes de madeira, e que cada um tivesse uma vida útil de 40 anos, a cada ano a concessionária seria obrigada a substituir cerca de 15 mil peças. Isso, claro, se o índice de acerto fosse de 100%. Mantido o nível de acerto em torno de 40%, esse número de substituições se tornaria extremamente elevado nos próximos anos, considerando o envelhecimento natural da rede. Segundo, a técnica permite o planejamento das inspeções e a determinação de prazos entre elas, medidas que também ajudam a reduzir custos.

A professora Raquel Gonçalves adianta que sua equipe pretende dar continuidade à pesquisa. A nova etapa envolve o aperfeiçoamento de um protótipo especialmente desenvolvido para ser utilizado pelos técnicos da empresa em campo. “O aparelho que nós estamos utilizando durante a pesquisa é complexo, pois foi concebido para ser empregado em estudos científicos”, esclarece. Outro passo, de acordo com ela, é possibilitar que os resultados da inspeção sejam transferidos para um banco de dados, complementando uma ferramenta de gestão já existente na CPFL. Assim, ao analisar um poste, o operador registraria as informações num computador de mão, que mais tarde as transmitira para um servidor central. A docente da Feagri lembra que todo esse procedimento de inspeção é simples. “Poderá ser feito por qualquer pessoa com nível médio de instrução”.

Outras aplicações – A despeito de as pesquisas coordenadas pela professora Raquel Gonçalves, que tiveram início em 1997, estarem concentradas na madeira, o ultra-som pode ser utilizado para analisar outros materiais, como compósitos, concreto, aço, alumínio etc. No que diz respeito à madeira, a docente está coordenando atualmente um grupo de estudos da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que pretende estabelecer norma para aplicação do ultra-som nesse material, visando à classificação do mesmo. O objetivo final é possibilitar, no futuro, a certificação do produto, o que lhe garantiria maior valor agregado tanto para venda no mercado interno quanto no externo. “Atualmente, os consumidores não sabem se estão comprando de fato a madeira que pretendem e nem se ela tem a resistência necessária para a aplicação desejada. Com a classificação, será possível separar a matéria-prima que serve para ser utilizada em estruturas, daquela que deve ser empregada para outros fins. Isso garante que o material seja mais bem utilizado, diminuindo desse modo os desperdícios e tornando mais os projetos mais seguros”, explica.

No exterior, principalmente nos países europeus, a classificação da madeira já é uma realidade, bem como o uso do ultra-som para inspecioná-la. Também na Europa, a tecnologia tem sido aplicada em favor do ambiente. Lá, o ultra-som é usado para checar as condições de saúde das árvores. Desse modo, em vez de condenar um espécime com base em dados subjetivos, isso é feito a partir de uma análise baseada em critérios científicos. “Isso evita não só o corte desnecessário, mas também possíveis acidentes, pois as inspeções são freqüentes”, afirma a professora Raquel Gonçalves.

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