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8

Senador defende “presidencialismo moderado” e diz
que espaço da esquerda é essencial para a democracia

Sarney vê Congresso
manchado pela suspeição

ALVARO KASSAB

EUSTÁQUIO GOMES

O ex-presidente e senador José Sarney: "O país sairá maior deste processo, com a renovação de seus quadros, das idéias e dos processos" (Fotos: Bruno Stucker/Folha Imagem)O Congresso é a instituição mais atingida pela crise política, na opinião do senador José Sarney (PMDB-AP). “Como pode o Congresso receber o respeito da opinião pública, o apoio a suas decisões, manter a majestade da votação de suas leis, se manchado pela suspeição?” indaga o ex-presidente da República [1985-1989].

Dizendo-se parlamentarista, o senador apóia um “presidencialismo moderado” e rechaça a tese de que a crise que atinge o governo de Luiz Inácio Lula da Silva encerra um ciclo histórico iniciado com a redemocratização em 1984. “As raízes dessa crise estão em nosso sistema eleitoral”, prega Sarney, para quem “é preciso avançar nas reformas políticas”.

O senador acha prematuro creditar a crise à esquerda. Para ele foram atingidas várias correntes políticas. “A esquerda lutou muito para conquistar e consolidar os seus espaços. Esses espaços são essenciais à democracia”, afirmou.

Na entrevista que segue, Sarney diz ainda que as ideologias deixaram de ter papel relevante no sistema político, acredita que o país sairá “maior” desse processo, e afirma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “tem raízes profundas” no povo brasileiro e nas classes trabalhadoras. “Não me cabe aconselhá-lo, mas apoiar todas as iniciativas que visem superar a crise e fortalecer as instituições democráticas”.


Jornal da Unicamp – O senhor, como ex-presidente, tem necessariamente uma visão da crise distinta da do cidadão comum. Por que, em sua opinião, a crise é tão grave?

José Sarney – Vivemos, a meu ver, uma crise de conduta, de caráter, de comportamento, de valores morais, de procedimentos que violam o sistema de partidos, desmoralizam a democracia representativa. O Congresso, não podemos negar, é o mais atingido. As acusações vão desde a inércia até o suborno para votar e apoiar. Como pode o Congresso receber o respeito da opinião pública, o apoio a suas decisões, manter a majestade da votação de suas leis, se manchado pela suspeição?

JU – Há quem diga que a presente crise encerra um período histórico iniciado com a redemocratização em 1984, ou seja, estaríamos apenas no fim de um ciclo de aprendizado. Isso faz sentido para o senhor?

José Sarney – De maneira nenhuma. As raízes desta crise estão em nosso sistema eleitoral, de sua instituição no 1o Império, passando pelas reformas de Saraiva, pelas idéias de Assis Brasil, até os nossos dias. O voto proporcional uninominal, com nossa lista aberta estadual, é uma fórmula que não tem paralelo. Não o comparemos com o voto finlandês ou com o voto português. Fizemos um sistema em que se vota em pessoas e não nos partidos. Os candidatos disputam dentro do seu próprio partido, saem da eleição inimigos e perdem qualquer noção de fidelidade. Esse sistema é o responsável pela total ausência e ao mesmo tempo proliferação de partidos no Brasil, pela bagunça partidária e pela vulnerabilidade das eleições ao poder econômico e às práticas heterodoxas de angariar votos. Esta crise deve servir para avançarmos na reforma do sistema eleitoral e nas outras reformas políticas tão necessárias.

"A esquerda lutou muito para conquistar e consolidar os seus espaços"

JU – Diz-se também que esta crise veio para derrubar de vez os paradigmas sobre esquerda e direita. O senhor concorda?

José Sarney – Creio que pode haver uma tendência de identificar a esquerda com a crise. Esta atinge, na realidade, pessoas e grupos de todas as cores políticas. Não se pode confundir, também, os desvios, erros e crimes de indivíduos ou de organizações com bases e princípios políticos. A esquerda lutou muito para conquistar e consolidar os seus espaços. Esses espaços são essenciais à democracia. Não se pode pensar por meio de uma crise que se possa banir a esquerda da vida política brasileira, a ela transferindo a ausência de caráter, de valores morais de algumas pessoas. Nem estender ao PT, como organização política, os erros e omissões de alguns de seus dirigentes. A esquerda corresponde ao pensamento de uma grande parcela da população e continua sendo uma das grandes forças do progresso da humanidade, inclusive nas sociedades mais capitalistas. As esquerdas hoje estão incorporadas às sociedades democráticas e sem elas é impossível que uma sociedade pluralista e aberta possa viver em absoluta tranqüilidade.

JU – Até que ponto o abalo sofrido pela esquerda (pelo menos no âmbito do PT) afeta a correlação de forças na cena política brasileira?

José Sarney – As ideologias já não têm, há tempos, papel relevante no sistema político brasileiro. O atual sistema eleitoral partidário chegou ao fim – e é com tristeza que podemos reconhecer que apodreceu. Não pode sobreviver. Não temos o direito de deixar que sobreviva. O partido político foi o caminho pelo qual a democracia pôde organizar-se e ser o melhor sistema de autogoverno. Sem partidos políticos fortes, não há parlamentos fortes e, sem estes, a democracia descamba para a demagogia e para a política pessoal, com todos os descaminhos que a levaram, no Brasil, à decomposição dos costumes políticos. A construção de partidos políticos programáticos é que poderá e deverá estabelecer um equilíbrio das forças políticas e uma verdadeira representatividade.

"Sem partidos políticos fortes, não há parlamentos fortes"

JU – Governar com a minoria é factível no Brasil? Se não, quais seriam os mecanismos necessários para garantir o aparato institucional e a aprovação de projetos de interesse público?

José Sarney – Sou parlamentarista. Creio que é o sistema mais perfeito. Mas, já que não podemos tê-lo, devemos pensar, como eu já pensava durante a Constituinte, em um regime presidencialista moderado, em que haja um chefe de governo que seja responsável pelos principais setores do governo, deixando ao presidente os assuntos de Defesa e Relações Exteriores, os assuntos políticos do chefe de Estado. Uma medida urgente é corrigir o problema das medidas provisórias, que devem ser muito mais restritas, ao mesmo tempo que devolver ao Executivo a competência de criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções, e tudo o que diga respeito à organização da administração pública. Temos também que modificar o sistema constitucional, desafogando a Constituição, que deve ser mais difícil de modificar, e criando processos diferentes para a legislação consolidada — tarefa que está tão atrasada — e para a legislação nova.

JU – Não raro, em tempos de crise, volta o clamor pela reforma política. Até que ponto ela é necessária? Este é o momento de fazê-la? O que precisa ser mudado?

José Sarney – Afonso Arinos sustentava que os momentos de transformação são não aqueles em que o direito entra em crise, mas aqueles em que surge um “direito para a crise, única maneira de se proceder à transformação de forma evolutiva.” O Congresso Nacional tem uma longa tradição de crescer nos momentos de crise. A reforma política é urgente, e devemos tirar força da sociedade para superar os interesses corporativos que se opõe a ela. Infelizmente só poderemos fazer, para as próximas eleições, uma reforma transitória. Embora limitadas, as modificações sobre o uso da propaganda eleitoral, e o financiamento público exclusivo são obrigações que o Congresso deve a todos.

JU – Mesmo com a crise não dando mostras de arrefecer e com o presidente isolado, não há clamor suficiente pelo seu impedimento nem mesmo entre as oposições. Paralelamente, é grande a parcela da população que acha que o Congresso não tem autoridade moral para cassar o presidente. Contudo, podemos vê-lo arrastando-se até o fim do mandato. Isso não é ruim para o país?

"É preciso corrigir o problema das medidas provisórias"

José Sarney – Espero que superemos, em breve, estes momentos de ansiedade e desânimo que atingem a todos. Mas o Brasil se encontra em condições de retomar seu desenvolvimento e superar seus desafios. De qualquer maneira o País sairá maior deste processo, com a renovação de seus quadros, das idéias e dos processos políticos.

JU – Que conselho o senhor daria ao presidente Lula, nessa altura da crise?

José Sarney – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem raízes profundas no povo brasileiro e nas classes trabalhadoras. Ele representa uma das maiores realizações da democracia brasileira, a de que as classes operárias não são mais representadas por delegados e tutores, mas assumem como os próprios detentores desse espaço. Não me cabe aconselhá-lo, mas apoiar todas as iniciativas que visem superar a crise e fortalecer as instituições democráticas.

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