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Equipamento é capaz de suprir 42,5% das necessidades
protéicas diárias de uma criança com até 40 quilos

O idealizador da vaca mecânica concebe o kit-merenda

MANUEL ALVES FILHO

O professor Roberto Moretti, da Faculdade de Engenharia de Alimentos: kit é composto por um copo de 200 mililitros de leite de soja, um hambúrguer de carne vegetal de 90n gramas e um pão francês de 50 gramas (Foto: Antoninho Perri)Em setembro de 2000, líderes de 191 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU), reunidos em Nova York, aprovaram um documento denominado “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ODM), contendo oito metas para serem atingidas em âmbito global até 2015. Entre elas, duas falam mais intimamente à realidade brasileira: erradicar a fome e assegurar educação básica de qualidade para todos. Muito antes desses dois problemas merecerem a mobilização mundial, o professor Roberto Moretti, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, já se preocupava em enfrentá-los, tanto de forma direta como indireta. Em 1977, atendendo a um pedido da primeira-dama do Mato Grosso, ele concebeu um equipamento capaz de produzir até 200 litros de leite de soja por hora. A bebida passou a ser usada para incrementar a alimentação de estudantes carentes daquele Estado. Batizada de “vaca mecânica”, a máquina foi posteriormente aprimorada, de modo a retirar do produto final o cheiro e o gosto característicos da matéria-prima, tidos como intoleráveis. Agora, o docente acaba de concluir a terceira versão da sua invenção. Esta, mais compacta, gera um “kit-merenda” capaz de suprir 42,5% das necessidades protéicas diárias de uma criança com até 40 quilos, a um custo de R$ 0,23 a unidade.

Merenda sairia a R$0,23 a unidade

O kit-merenda idealizado pelo docente da Unicamp é composto por um copo de 200 mililitros de leite de soja, um hambúrguer de carne vegetal de 90 gramas e um pão francês de 50 gramas. Os dois primeiros são produzidos diretamente pela vaca mecânica, enquanto o terceiro tem de ser adquirido no mercado. Mas o professor Roberto Moretti assegura que, caso uma escola ou entidade se interesse, é possível adaptar uma pequena padaria para funcionar junto ao equipamento, de maneira a incorporar na massa do pãozinho os resíduos gerados pela produção do leite. Aliás, o hambúrguer que compõe o kit é feito a partir desse material insolúvel. “Da soja, nada se perde”, ensina o especialista.

Aos olhos de um leigo, a vaca mecânica assemelha-se a uma engenhoca. De acordo com o seu inventor, o equipamento foi montado com peças encontradas no comércio, como liquidificador, centrífuga e tanques de aço inoxidável. Com pequenas adaptações, o professor Roberto Moretti conseguiu alcançar o seu objetivo: produzir o kit-merenda a um custo extremamente baixo. Como se não bastasse, a máquina é bastante compacta e de fácil operação. “Para usar o equipamento, basta que a escola disponha de uma sala de 50 metros quadrados, de dois operadores com nível básico de instrução e de uma chapa para grelhar os hambúrgueres”, afirma o docente da FEA.

Para produzir o kit-merenda, é preciso cumprir as seguintes etapas. Primeiro, os grãos de soja devem ser macerados em água a temperatura ambiente por no mínimo quatro horas. Depois, essa matéria-prima é triturada com água fervente, já na vaca mecânica. O passo seguinte é levar a mistura à centrífuga, que se encarregará de separar a parte líquida da sólida. O leite é submetido, então, a um tratamento térmico, para a retirada do cheiro e do sabor indesejáveis e para destruir os fatores antinutricionais. Na seqüência, ele é resfriado, ganha cor e é saborizado. Já o resíduo sólido é despejado num misturador, onde vai receber a adição de farinha de trigo, proteína texturizada de soja, sal, corante e temperos diversos. Essa massa passa por uma ensacadora, usada originalmente para confeccionar lingüiça, que confere um formato retangular aos hambúrgueres.

De acordo com o professor Roberto Moretti, 3,75 quilos de soja produzem 30 litros de leite por hora, que equivalem a 150 copos de 200 mililitros. O resíduo obtido com o processo dá origem a 13,5 quilos de hambúrguer, que compreendem 150 “bifes” de 90 gramas cada. Considerado ainda o pão de 50 gramas, cada kit fornece 27,2 gramas de proteína e 480 calorias, valores suficientes para suprir quase metade das necessidades diárias de uma criança com até 40 quilos de peso. E o melhor: trata-se de uma dieta balanceada. “As merendas servidas atualmente nas escolas podem até ter custo semelhante, mas não oferecem a mesma qualidade, equilíbrio ou carga nutricional”, assegura o especialista. Crianças bem alimentadas, acrescenta o docente, aprendem mais e melhor, como propugna a ONU. Sabe-se que, ainda hoje, a merenda escolar é a única refeição de muitos meninos e meninas brasileiras.

O investimento necessário para montar uma vaca mecânica, conforme cálculo do professor Roberto Moretti, é de aproximadamente R$ 20 mil. Ele lembra, porém, que esse custo pode ser amortizado em pouco tempo, dado que cada equipamento é capaz de produzir 150 kits-merenda por hora ou 1.200 unidades a cada oito horas de operação. “Isso é mais do que suficiente para alimentar todo o contingente de uma escola. Além disso, ao adquirir vários equipamentos, uma prefeitura terá condições de negociar preços melhores”, ensina. O docente da FEA convidou o repórter do Jornal da Unicamp para experimentar o leite e o hambúrguer de soja feitos pela vaca mecânica. Os dois produtos foram aprovados com louvor no teste sensorial.

Invento ganhou o mundo

O professor Roberto Moretti, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, é um idealista, no melhor sentido do termo. A concepção da vaca mecânica é uma demonstração disso. Ao longo dos últimos 30 anos, ele não mediu esforços para desenvolver o equipamento, cujo objetivo maior sempre foi oferecer uma dieta balanceada principalmente às crianças que se encontram na fase escolar. Assim como nas versões anteriores, a terceira geração da máquina foi custeada pelo próprio pesquisador. Mas por que, afinal, um projeto com tamanho alcance social não tem merecido o patrocínio das agências oficiais de fomento ou da iniciativa privada? O docente diz não ter uma resposta precisa para a pergunta. “Acho até que alguma empresa ou instituição poderia vir a financiar a pesquisa, mas isso demandaria tempo. Até o projeto ser analisado e aprovado e o dinheiro ser liberado, certamente se passariam alguns anos. Nem eu e nem as crianças poderíamos esperar tanto”, justifica.

Desde o desenvolvimento da primeira versão da vaca mecânica, o invento, bem como o seu apelido, ganhou o mundo. Atualmente, o equipamento está presente em várias cidades brasileiras, como Piracicaba, Nova Odessa, Curitiba e São Paulo. Também pode ser encontrado em outros países, como Cuba e Angola. De acordo com o docente da Unicamp, o subprefeito de Barão Geraldo, distrito de Campinas, Thiago Ferrari, conheceu a máquina e demonstrou interesse em apresentá-la ao prefeito da cidade, Hélio de Oliveira Santos. A expectativa do professor Roberto Moretti é que em breve os estudantes campineiros estejam se alimentando com o kit-merenda.

Saiba quais são as metas

As Metas do Milênio, como são mais conhecidos os compromissos aprovados em 2000 pelos líderes dos 191 países membros da ONU, devem ser atingidas até 2015, segundo o documento “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ODM). As medidas, que exigirão o esforço coletivo das nações e de cada cidadão, são as seguintes:

1 - Erradicar a extrema pobreza e a fome
Um bilhão e duzentos milhões de pessoas sobrevivem com menos do que o equivalente a US$ 1 PPC ao dia. Esse quadro já começou a mudar em 43 países, cujos povos somam 60% da população mundial. O Banco Mundial calcula anualmente um índice de preços, entre países, baseado nos custos de uma ampla cesta de bens e serviços. A partir desse valor, são divulgadas as rendas nacionais expressas em dólares com Paridade de Poder de Compra (PPC), que determina a quantidade de bens e serviços que $ 1 PPC compra em qualquer lugar do mundo.

2 - Atingir o ensino básico universal
Há 113 milhões de crianças fora da escola em todo o mundo. A Índia é um exemplo de que é possível diminuir o problema: o país se comprometeu a ter 95% das crianças freqüentando a escola já em 2005.

3 - Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres
Dois terços dos analfabetos do mundo são do sexo feminino e 80% dos refugiados são mulheres e crianças. Superar as disparidades entre meninos e meninas no acesso à escolarização formal é a base para capacitá-las a ocuparem papéis cada vez mais ativos na economia e política de seus países.

4 - Reduzir a mortalidade infantil
Todos os anos, 11 milhões de bebês morrem de causas diversas. No entanto, o número vem caindo desde 1980, quando as mortes somavam 15 milhões.

5 - Melhorar a saúde materna
Nos países em desenvolvimento, as carências em saúde reprodutiva fazem com que uma mulher morra a cada 48 partos. A presença de pessoal qualificado na hora do parto será o reflexo do desenvolvimento de sistemas integrados de saúde pública.

6 - Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças
Em grandes regiões do mundo, epidemias vêm destruindo gerações e cerceando possibilidades de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a experiência de países como o Brasil, Senegal, Tailândia e Uganda mostram que é possível deter a expansão do HIV. A redução da incidência dependerá fundamentalmente do acesso da população à informação, aos meios de prevenção e aos meios de tratamento, sem descuidar da criação de condições ambientais e nutritivas que estanquem os ciclos de reprodução das doenças.

7 - Garantir a sustentabilidade ambiental
Um bilhão de pessoas ainda não têm acesso à água potável. Durante os anos 90, quase o mesmo número de pessoas ganharam acesso à água e ao saneamento básico. Os indicadores identificados para essa meta demonstram a adoção de atitudes sérias na esfera pública. Sem o implemento de políticas e programas ambientais, nada se conserva em grande escala, assim como, sem a posse segura de suas terras e habitações, poucos se dedicarão à conquista de condições mais limpas e sadias para seu próprio entorno.

8 - Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento
Muitos países pobres gastam mais com os juros de suas dívidas do que para superar seus problemas sociais. Já se abrem perspectivas, no entanto, para a redução da dívida externa de muitos Países Pobres Muito Endividados (PPME). Os objetivos levantados para atingir essa meta levam em conta uma série de fatores estruturais que limitam o potencial para o desenvolvimento – em qualquer sentido que seja – da maioria dos países do Sul do planeta.

Entre os indicadores escolhidos, está a ajuda oficial para a capacitação de profissionais. Eles negociarão novas formas de acesso a mercados e a tecnologias, abrindo o sistema comercial e financeiro não apenas para grandes países e empresas, mas para a livre concorrência.

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