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Mundo antigo e os
  novos paradigmas
Jorge Lima
 

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Especialista em História Antiga fala da importância
do passado para o entendimento da cultura contemporânea

O mundo antigo e
os novos paradigmas

CARMO GALLO NETTO

O professor espanhol Dionísio Pérez Sãnchez: "É importante voltar às origens, saber como se formou a realidade atual" (Foto: Antoninho Perri)O madrilenho Dionísio Pérez Sánchez licenciou-se em História Antiga e Medieval na Universidad Autónoma de Madrid em 1980, e doutorou-se em História Antiga na Universidad de Salamanca em 1985, época em que iniciou também sua atividade como professor. Seus estudos e cursos de História Antiga e Medieval envolvem História de Roma; aspectos sociais e econômicos do reino visigodo de Toledo; historiografia clássica; a Gália no século V; o feudalismo visigodo; transformações no mundo mediterrâneo; fontes e métodos de História Antiga; e comentários de textos antigos.

Pérez Sanchez veio ao Brasil por meio do programa Cátedra Ibero-Americana Unicamp-Universidades Espanholas, promovido pela Coordenadoria de Relações Internacionais (Cori) da Universidade. Trazido pelo professor Pedro Paulo Funari, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, ministrará, de agosto a novembro, conjuntamente com outros docentes, disciplinas de graduação e pós-graduação, de responsabilidade do professor Funari, em que dará uma visão geral da História Antiga, abordará as razões do desaparecimento de Roma como unidade política e discutirá como a cultura experimenta modificações causadas por determinados contextos e influências. Nesta entrevista, Pérez Sanches fala dos seus estudos, da Espanha, do Brasil e dos aspectos sociais e culturais que já lhe despertaram a atenção.

Jornal da Unicamp – Por que o seu interesse por História Antiga?
Dionísio Pérez Sánchez -
O mundo antigo tem importância capital na formação da cultura contemporânea, e, sobretudo, me interessam os períodos de mudanças, de transições, quando os elementos mais característicos da antiguidade começam a desaparecer e inicia-se o que se chama mundo medieval. Esse período de transição sempre me chamou a atenção e a isto fundamentalmente me tenho dedicado.

JU – Por quê?
Dionísio Pérez Sánchez –
Porque me parecem particularmente interessantes os momentos de mudanças pelos significados que têm. Mudanças estão acontecendo em todos os momentos da sociedade, mas há momentos em que se aceleram, tomam maior velocidade, e aí se fala de crises, de revoluções, ou se utilizam outros termos a partir de distintas óticas. Neste caso, um dos elementos mais importantes seria, por um lado, a passagem da religião pagã para a religião cristã e, por outro, a passagem de uma sociedade escravista a feudal e, ainda, unidos a estes dois aspectos, as questões políticas e ideológicas.

JU – Qual a importância da História Antiga do ponto de vista moderno?
Dionísio Pérez Sánchez –
Na cultura ocidental, e não somente nela, a grande parte das instituições democráticas, o pensamento, a filosofia, a arte, a religião, a política, o nascimento da democracia, o desenvolvimento de conceitos de império, expansão, dominação, são idéias e conceitos que provêm da antiguidade.

JU – E do ponto de vista da Península Ibéria e da Espanha em particular?
Dionísio Pérez Sánchez –
A Espanha é um crisol em que se mesclaram muitas culturas e em que correram influências fenícia, grega, romana, judia, árabe e muçulmana. De certa maneira, daí resultou uma cultura mestiça em que a importância da cultura muçulmana é muito significativa porque desde o inicio do século VIII até o século XV, durante 800 anos, os mulçumanos dominaram a Península e a sua influência se manifesta na linguagem, na arquitetura, nas artes, na literatura, na própria alimentação e, no caso da Espanha e da Península Ibérica, só isso já justifica o estudo da História Antiga. É importante voltar às origens, saber como se formou a realidade atual, como se deram as influências dos diversos povos, quais foram suas contribuições ao plasmar determinada cultura, e como essa cultura sofre mudanças ao longo do tempo.

JU – Por que seu interesse particular pelo reino visigodo?
Dionísio Pérez Sánchez –
Sempre me chamou a atenção a interação entre o exército e a sociedade visigodos. Interessei-me em estudar o exército como forma de verificar as modificações que se produziram na sociedade. A partir daí, abordei em minha tese de doutorado o que aconteceu na Península Ibérica desde a Europa Oriental (Constantinopla), passando pela Gália e seguindo até o reino visigodo de Toledo, que termina com a chegada dos mulçumanos à Península. Queria demonstrar que o exército, como toda a instituição, evolui paralelamente com a sociedade. Os visigodos, povos bárbaros, adotam progressivamente a cultura romana. O exército público romano, formado essencialmente por romanos, pouco a pouco vai mudando, vai perdendo força e vai sendo substituído por exércitos privados constituídos por não-romanos, porque Roma não tinha mais condições de manter a estrutura pública. Queria mostrar como as modificações nos exércitos eram influenciadas pelas modificações sociais, que por sua vez influenciam os exércitos e como os exércitos iam do publico ao privado a exemplo do que acontecia na sociedade; ao cabo de um período, o exército público não era nada mais do que a soma dos exércitos privados dos grandes proprietários.

JU – Em que se basearam seus estudos?
Dionísio Pérez Sánchez –
Foram feitos fundamentalmente com base em textos jurídicos e eclesiásticos, em crônicas e em um gênero muito comum nessa época, que é a vida dos santos. Não é um período muito rico em documentação, quando comparado com outros.

JU – Como vê a Espanha hoje?
Dionísio Pérez Sánchez –
A Espanha apresentou um grande desenvolvimento nos últimos vinte anos, economicamente falando. O nível médio da população subiu muito e ocasionou a chegada de imigrantes equatorianos, colombianos e de outros paises da América Latina e do norte da África, principalmente marroquinos.

JU – O que o levou a se interessar pelo Brasil?
Dionísio Pérez Sánchez –
Conheci o país no ano passado, quando estive em Ouro Preto em congresso organizado pela Federação Internacional de Estudos Clássicos. Gostei, embora tivesse ficado apenas oito ou nove dias, e me pareceu interessante conhecer outra maneira de ensinar, outra metodologia. Como a Universidade de Salamanca tem convênio com a Unicamp, solicitei a cátedra, fui selecionado e aqui estou.

JU – Quais suas primeiras impressões sobre o país?
Dionísio Pérez Sánchez –
Do pouco que conheço do Brasil, me parece um país que experimentou modificações muito radicais em tempo muito pequeno, desde as sociedades indígenas, com a chegada dos colonizadores e com consolidação das instituições, como ocorreu, em geral, em toda a América depois da chegada dos europeus. Hoje considero que o Brasil é um país que muda de forma acelerada, com território muito grande e com grande diversidade geográfica e cultural.

JU – Como vê os estudos históricos no Brasil em relação ao que acontece na Europa?
Dionísio Pérez Sánchez –
Pelo pouco que conheço, uma coisa que me chamou a tenção e me pareceu muito positiva aqui é a interdisciplinaridade. Na Espanha a especialização chegou a um nível tão alto que se trabalha uma determinada época, um determinado problema, desde uma única ótica, de uma única perspectiva. Creio que aqui existe um caráter mais interdisciplinar. Acredito que os estudos de Historia se complementam com outros, como os antropológicos, os sociológicos, a religião, a economia, a filosofia. Creio que esta visão é mais completa e tem uma perspectiva mais ampla, embora a especialização não seja tão grande. Estou pensando do ponto de vista do aluno, considerando que um estudante de História deve saber mais do que História. Deve saber literatura, antropologia, filosofia, pelo menos os rudimentos referentes à sua época. A especialização é uma característica que se amplia na Europa, onde impera um certo academicismo.

JU – Como vê os estudos de historia na América Latina?
Dionísio Pérez Sánchez –
Acredito que na América Latina em geral uma das abordagens mais importantes nos estudos históricos tem sido a metodologia, o estudo da teoria da História, sobre tudo o que é a História, como se investiga a História; não apenas estudar um passado, mas teorizar sobre como se considera a finalidade de obter rentabilidade com resultados ótimos.

JU – Que países o senhor destacaria nos estudos históricos?
Dionísio Pérez Sánchez –
Existem paises de bagagem óbvia como Grécia e Itália, mais Reino Unido, França e Alemanha. A mim pessoalmente a escola italiana está entre as que mais me agradam pela atenção que dá a questões mais estruturais, mais de caráter social, político-social, econômico, biológico e, ainda, em razão da minha formação, pois hoje estou mais nessa linha de pensamento que tem toda uma tradição de historiadores.

JU – Que influências se observam no Brasil?
Dionísio Pérez Sánchez –
Acredito que a Unicamp seja eclética, pois para cá vêm professores dos EUA, da América Latina, da França, Espanha, Itália e nesse sentido a Unicamp é uma universidade muito aberta, o que é muito bom.

JU – Do ponto de vista cultural, o que chamou mais a sua atenção no Brasil?
Dionísio Pérez Sánchez –
Do ponto de vista cultural o Brasil é um país mestiço na medida que as influências são múltiplas: índios, portugueses, negros, holandeses, europeus, asiáticos. Este fato me chama muito a atenção, além evidentemente, pelo que pude saber, de ser um país constituído de regiões bem diversas do ponto de vista cultural. Essa pluralidade é bem atrativa.

JU – Qual a imagem do Brasil na Espanha?
Dionísio Pérez Sánchez –
Na Espanha se segue com muita atenção o Brasil em todo o seu processo político, também porque a Espanha é um país que saiu de uma ditadura e que tentou construir um estado democrático. Nesse sentido, a experiência dos últimos anos do Brasil é vista com muita simpatia. E mesmo as práticas não desejáveis não anulam o valor de uma ação política democrática e que evidentemente tenta resolver da melhor forma possível os problemas de uma sociedade muito desigual. Não tenho elementos suficientes, porém julgo que um governo de progresso, como o chamamos na Espanha, possa se não mudar essa situação, o que não é fácil, pelo menos reduzir ao máximo as desigualdades. Para um europeu, chama a atenção a grande diferença social que existe, a convivência da maior opulência com a pobreza extrema. Talvez nos espantemos mais porque na Espanha predomina uma sociedade de classe média.

JU – Quais as diferenças mais significativas entre Brasil e Argentina, dois países de importância na América Latina?
Dionísio Pérez Sánchez –
O potencial demográfico do Brasil é muito maior e a extensão territorial, também. Acredito que o Brasil tenha mais recursos naturais a serem explorados. Quanto à conjuntura atual, parece que o Brasil está apresentando um crescimento econômico sustentável nos últimos anos com criação de postos de trabalho. Aparentemente, a conjuntura na Argentina não é a mesma onde parece haver um certo estancamento da economia. Aparentemente as coisas andam melhor para o Brasil do que para a Argentina.

JU – Que diferenças culturais lhe chamam atenção entre Brasil e Espanha?
Dionísio Pérez Sánchez –
Mesmo sendo a Espanha um país pequeno comparativamente ao Brasil, é difícil definir uma característica nacional. Há regiões mais prósperas e outras com nível de desenvolvimento menor. Existem tópicos. Há os que falam dos andaluzes, dos catalões, dos madrilenhos, dos galegos, dos asturianos e de todos. Diria que a cultura espanhola é uma cultura muito mediterrânea e, nesse sentido, julgo o espanhol bastante sociável, comunicativo, que gosta muito da rua e isso se evidencia pela quantidade de bares que existem em todas as cidades. Somos extrovertidos, talvez influenciados pelo clima que não nos compele às casas como no caso dos anglo-saxões. Acredito que o brasileiro também é uma pessoa acessível e delicada, que está disposta a ajudar. Não conheci ainda aqui ninguém antipático, que não seja simpático, embora seguramente exista. O brasileiro é afável como o espanhol.

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