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Posição da Universidade será encaminhada ao
Ministério da Educação, à Casa Civil e ao Congresso Nacional

Para Consu, faltam diagnóstico
e plano de ação à reforma



EUSTÁQUIO GOMES


Reunião do Consu no último dia 6: de acordo com os conselheiros, "faz-se necessário que o debate seja acompanhado de uma análise da realidade brasileira que aponte as virtudes, debilidades e distorções do sistema de ensino em todos os níveis" (Foto: Antoninho Perri)O Conselho Universitário (Consu) da Unicamp reuniu-se na última terça-feira (dia 6), pela segunda vez em uma semana, para analisar o anteprojeto de lei de reforma universitária apresentado pelo Ministério da Educação e a ser encaminhado ao Congresso Nacional pela Presidência da República.

No fim da reunião, o Consu da Unicamp aprovou por unanimidade, com uma única abstenção, documento que será enviado ao Ministério da Educação, à Casa Civil (onde se encontra atualmente o anteprojeto) e ao Congresso Nacional com a posição institucional da universidade sobre a terceira e última versão do texto.

Documento aponta problemas no anteprojeto

Segundo o documento da Unicamp, um dos problemas do anteprojeto é “a ausência de um diagnóstico capaz de identificar as bases políticas, sociais e econômicas sobre as quais se apóia a proposta de reforma da educação superior brasileira”. Para os conselheiros da Unicamp, “faz-se necessário que o debate [sobre a reforma] seja acompanhado de uma análise da realidade brasileira que aponte as virtudes, debilidades e distorções do sistema de ensino em todos os níveis”.

O documento aponta vários problemas no anteprojeto. Um deles é a tentativa de definir o conceito de autonomia universitária, considerada pelo Consu como uma busca de restringi-lo, “quando a Constituição brasileira já dá conta deste tópico em seu artigo 207 dispensando qualquer regulamentação em lei”. Para os conselheiros da Unicamp, o projeto superdimensiona o aspecto extensionista da universidade sem valorizar adequadamente o compromisso com a pesquisa, é omisso em relação à exigência de avaliação institucional e “excessivamente brando ao estabelecer baixos patamares de titulação docente”.

O documento da Unicamp também mostra preocupação com a forma de financiamento das universidades federais tal como é descrita no anteprojeto – “cuja interpretação deixa profunda incerteza sobre a manutenção de seus orçamentos nos níveis atuais” – e conclui sugerindo que o texto seja complementado com a definição de uma estratégia para “o efetivo desenvolvimento do ensino superior no Brasil”.

Veja a seguir a íntegra do documento.

A Unicamp e a Reforma Universitária

O Conselho Universitário da Unicamp reuniu-se extraordinariamente em 30 de agosto e 6 de setembro de 2005 para analisar o anteprojeto de lei de reforma universitária apresentado pelo Ministério da Educação (MEC) e a ser encaminhado ao Congresso Nacional pela Presidência da República.

O Conselho Universitário considera que o debate que se trava em torno da questão universitária pode se constituir em uma oportunidade para o aprimoramento tanto do ensino superior brasileiro como da política educacional como um todo. Destaca, entretanto, a ausência no anteprojeto de um diagnóstico capaz de identificar as bases políticas, sociais e econômicas sobre as quais se apóia a proposta de reforma da educação superior brasileira. Faz-se necessário, pois, que este debate seja acompanhado de uma análise da realidade brasileira que aponte as virtudes, debilidades e distorções do sistema de ensino em todos os seus níveis. Sobre esse diagnóstico poder-se-ia traçar um plano estratégico para a educação superior que conduzisse a um modelo de reforma universitária mais adequada ao desenvolvimento do País.

A falta dessas etapas prévias faz com que os pontos que poderiam ser considerados positivos no anteprojeto da reforma – como o acesso das universidades federais ao regime de autonomia plena, a definição da obrigatoriedade de oferta de um terço de vagas noturnas e o estímulo à opção pelo ensino a distância – se apresentem de forma ambígua e gerem mais dúvidas que certezas. Não é nada tranqüilizador, por exemplo, a forma de financiamento das universidades federais tal como é descrita no artigo 49 do anteprojeto, cuja interpretação deixa profunda incerteza sobre a manutenção de seus orçamentos nos níveis atuais, embora seja positiva a garantia de um percentual fixo de 12% para o seu custeio. Tampouco é um fator de estímulo ao debate democrático que, no transcurso das várias etapas de discussão do anteprojeto ou mesmo antes, venha-se tentando implantar parte da reforma por decreto ou mediante outros instrumentos legais, como é o caso do projeto de cotas étnicas atualmente no Congresso e da lei que trata do ensino a distância em todos os níveis.

Dos pontos não consensuais que perduram no anteprojeto da reforma e cuja manutenção no texto representa uma ameaça – e seguramente um retrocesso – para a universidade pública brasileira, o mais grave é a persistente tentativa de definir o conceito de autonomia universitária (ou seja, de restringi-lo), quando a Constituição brasileira já dá conta deste tópico, de forma irretocável, em seu artigo 207, dispensando qualquer regulamentação em lei. Autonomia é um princípio fundamental para o desenvolvimento de universidades como locais centrais do pensamento, da educação e da geração e crítica de idéias. Por outro lado, o projeto continua superdimensionando o aspecto extensionista da Universidade sem valorizar adequadamente o compromisso da instituição universitária com os valores acadêmicos da pesquisa e da educação superior baseados na busca constante da excelência. No que concerne especificamente à pesquisa, falta incluí-la enfaticamente, ao lado do ensino e das atividades de extensão, entre as exigências básicas para que uma instituição de ensino superior seja efetivamente reconhecida como universidade. Além disso, o texto é omisso quanto à exigência da avaliação institucional como forma de aferir a qualidade de cursos, programas e instituições; e é excessivamente branda ao estabelecer baixos patamares de titulação docente – que deveriam ser tomados no máximo como iniciais – fixando um perfil de qualificação insuficiente e que não leva em conta as boas universidades brasileiras cujos indicadores deveriam servir de referência e padrão.

Embora o texto atribua à universidade o papel de propulsor do desenvolvimento regional, deixa de considerar este fator e suas especificidades na maioria de suas proposições. Da mesma forma, não leva em conta a necessidade de corrigir o desequilíbrio do universo educacional brasileiro através de sua qualificação sistêmica, do fundamental ao universitário, sem esquecer também as lacunas que se verificam na educação infantil e no ensino técnico-profissionalizante. E, mesmo atendo-se com maior ênfase ao ensino superior, não se ocupa de induzir a uma correção do profundo desequilíbrio entre a oferta de vagas universitárias – mais da metade das quais absorvidas pelos cursos de Letras, Direito, Administração, Ciências Contábeis, Pedagogia e Comunicação Social – e as necessidades do País por um leque mais abrangente de profissionais, em maior número e qualidade. É indispensável, portanto, a construção de um sistema educacional que de um lado articule as instituições federais, estaduais, municipais e todos os níveis de ensino e, de outro, como já prevê o Plano Nacional de Educação, corrija as distorções regionais de oferta da educação além de definir meios de colaboração entre a federação, os estados e os municípios, facilitando o desenvolvimento sustentado em todo o País.

Permanece no anteprojeto o dispositivo que exige das instituições federais de ensino superior “o atendimento pleno dos critérios de proporção de pelo menos 50%, em todos os cursos de graduação, de estudantes egressos integralmente do ensino médio público, respeitada a proporção regional de afrodescendentes e indígenas”. De modo indireto, este tópico do artigo 65 continua a expressar o termo cota. Sem deixar de reconhecer que há justiça no propósito de se estimular os alunos da escola pública a postular uma vaga em universidades mantidas pelo poder público, deve-se fazê-lo, em primeiro lugar, por meio de ações concretas para melhorar o ensino médio e fundamental, e, em segundo lugar, mediante programas de inclusão que não reproduzam o sistema de reserva de vagas nem deixem de levar em conta a qualificação do estudante. Nesse sentido, a Unicamp tem uma contribuição a dar através de seu recém-implantado programa de ação afirmativa (o PAAIS), que já em seu primeiro ano de funcionamento elevou de 28% para 34,1% o percentual de ingressantes provenientes da escola pública e de 11,6% para 15,7% o número de afrodescendentes aprovados no vestibular de 2005.

A introdução, por via de lei, de programas de ação afirmativa e o incremento da inclusão social criam para as universidades novos compromissos que o anteprojeto não prevê, já que é preciso cuidar também da manutenção na universidade dos alunos incluídos. Nota-se a ausência, no anteprojeto, de instrumentos direcionados para a redução dos níveis de evasão de alunos nas universidades públicas. Nesse contexto, a fixação de um mínimo de 9% da verba de custeio das universidades federais para a assistência estudantil deve ser tomada como forma inicial de estímulo aos programas de ação afirmativa, devendo-se prever sua expansão progressiva até patamares mais próximos dos praticados por universidades que contam com plano definido na área, como as estaduais paulistas, cuja destinação para essa finalidade gira em torno de 13%.

O anteprojeto deveria ser complementado com a definição de uma estratégia para o efetivo desenvolvimento do ensino superior no Brasil. Espera-se que o Congresso abra uma discussão ampla com os segmentos da universidade brasileira – seus especialistas, dirigentes e entidades de classe – para que o projeto ganhe corpo e resulte em um Plano Estratégico com capacidade de ajustar-se à evolução do sistema, possivelmente através de revisões periódicas. Deve-se inclusive considerar a possibilidade de acoplamento do Plano Nacional de Educação – revitalizado por procedimentos mais participativos e incluindo a comunidade acadêmica e a sociedade brasileira – aos instrumentos legais derivados do projeto de reforma.

Reiterando o que expressou em seu primeiro documento, e consciente de que a reversão do quadro de escassez de recursos construído ao longo da história do Brasil não ocorrerá em curto espaço de tempo, o Conselho Universitário da Unicamp mantém como pressuposto básico da política educacional a necessidade de fazer crescer o investimento público em Educação em todos os níveis. Enquanto os países que conseguiram se desenvolver e alguns outros em situação de desenvolvimento similar à do Brasil dedicam em média 6% de seu PIB ao investimento público em Educação, no Brasil este percentual tem sido em torno de apenas 4%. O planejamento estratégico da educação superior deve contemplar a progressiva expansão desse percentual. Com isto seriam criados os meios para acelerar o crescimento do setor público visando atingir ou mesmo ultrapassar a meta de 40% das vagas na educação superior no sistema público, prevista no anteprojeto.

Considerando-se que hoje no Brasil 70% das matrículas no ensino superior estão em instituições privadas, é essencial que se estabeleçam instrumentos e critérios para uma efetiva regulação do sistema de ensino superior. Mesmo que se tenha chegado a essa situação, o Conselho Universitário da Unicamp considera que não se pode assentar a estratégia nacional para a educação superior nessas instituições. Ao contrário, como é sabido, nenhuma nação chegou a ser desenvolvida sem ter uma forte base no ensino superior público, tendo neste tipo de instituição a maior parte de suas matrículas. É urgente que o Brasil reverta a situação criada nas últimas três décadas, tomando medidas para o crescimento do ensino superior público de forma estrategicamente planejada.

Cidade Universitária Zeferino Vaz.
Campinas, 6 de setembro de 2005.

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