191 - ANO XVII - 23 a 29 de setembro de 2002
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Escultura de Antonio Canova, conterrâneo e amigo de CicognaraPequenas grandes obras

Unicamp recebe microfichas do acervo que pertenceu à biblioteca do crítico italiano Conde Francesco de Cicognara

ANTONIO ROBERTO FAVA

Depois de quase um ano de intensas negociações com a Universidade de Illinois, a Unicamp vai receber, dentro de mais alguns dias, um acervo com mais de 40 mil microfichas, que reproduzem cinco mil títulos que pertenceram à biblioteca particular do Conde Francesco Cicognara (1767-1834) que, além de crítico, foi historiador da arte, bibliófilo e pintor. O acervo será acondicionado no setor de Obras Raras da Biblioteca Central da Unicamp, responsável pelo manuseio, conservação e na disponibilização das obras. Essa negociação desenvolveu-se por meio do Coordenador do Projeto Temático "Biblioteca Cicognara", professor Luiz Marques, com o apoio da Fapesp.

O professor Marcos Tognon:"É uma biblioteca que não tem preço"Segundo o professor Marcos Tognon, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), esse acervo, pertencente à Biblioteca Apostólica Vaticana, foi reproduzido pela Universidade de Illinois, que o colocou à disposição de instituições interessadas. E uma dessas instituições é a Unicamp, que, para adquiri-lo, contou com uma verba da Fapesp de quase 50 mil dólares. Antecedendo a vinda do acervo de Cicognara, a Unicamp realizou, durante três dias, o 1º Simpósio Sobre a Tradição Clássica. Além de pesquisadores da Unicamp e da USP participaram também cerca de duas dezenas de pesquisadores das Universidades de Pisa, Roma, Berlim, Lisboa e Madri. O evento foi organizado pelo Projeto Temático Fapesp.

Marcos Tognon diz que já foram repassadas mais de 100 reproduções da biblioteca de Cicognara para diversas universidades da Europa e dos Estados Unidos. “Na América do Sul, fomos os primeiros a adquiri-la”, ressalta Tognon. As reproduções da Biblioteca de Cicognara foram também adquiridas pelas Universidade de Cambridge, de Nova Iorque, de Pisa e de uma série de outras instituições de ensino e pesquisa da Alemanha que têm em seus currículos programas de pós-graduação na área de história da arte.

Cicognara era um grande admirador das artes. E como tal publicou diversos livros a respeito, inclusive o Catalogo Ragionato, de 1821, de sua própria biblioteca. É essa coleção de livros raros que vai também estar na Biblioteca Central da Universidade. "Esse catálogo foi o primeiro tratado sobre bibliofilia, no qual Cicognara coloca o elenco de publicações e comentários sobre textos que vão desde guias de arte, guias artísticos de cidades, de museus, pranchas de desenhos para aulas de artes, tratados sobre arquitetura, tratados de pinturas e esculturas, até textos teóricos sobre música e artes plásticas. Há ainda comentários sobre numismática e estética", explica o professor Tognon.

Enfim, é um conjunto enorme de livros que o Conde procurou colecionar durante a sua vida e que, pelo destino, foi comprado pelo Vaticano. A coleção de Cicognara tem, por exemplo, mais de 50 edições de um único volume do Vitrúvio – texto clássico republicado a partir do Renascimento, período em que se deu verdadeira explosão de criações artísticas, literárias e científicas, inspiradas na Antiguidade greco-romana. São mais de 50 edições publicadas em diversas partes do mundo, desde o final do século 15 até o começo do século 19.

"É uma biblioteca que não tem preço. O Vaticano comprou-a do Conde, quando faliu, ocasião em que quis publicar uma grande coleção sobre a história da escultura. Como estava falido financeiramente, Cicognara vendeu sua biblioteca ao Vaticano. A biblioteca tem raríssimas edições e, por isso mesmo, para facilitar o acesso, a Universidade de Illinois resolveu fazer uma reprodução de todas as obras ali existentes".

Quem foi Cicognara

O Conde Francesco de Cicognara nasceu em Ferrara em 1767 e morreu em Veneza, em 1834. Foi crítico, teórico e historiador de arte, além de bibliófilo e pintor. Aos 21 anos, partiu para Roma, onde residiu até 1790. Os dois anos em que viveu em Roma foram importantes para a sua formação. Logo foi admitido como membro da Società dell' Arcádia e dos círculos neoclássicos dos anos 80, em torno de Angelica Kauffimann (1741-1807), marcados pelo estilo do pintor alemão, Anton Raphael Mengs (1729-1779), dos teóricos Joham Winckelmann (1717-1768) e Francesco Milizia (1725-1798).

Graças a essa experiência romana, Cicognara superou todo traço de erudição provincial e em seus escritos juvenis sucessivos àquela estada – os poemas didasclálicos Le Belle Art, Il Mattino, il mezzo-giorno, la sera e la notte, além do diário de viagem pela Sicília - Cicognara "não revela interesses meramente eruditos pelos testemunhos artísticos, mas a curiosidade de enquadrá-los em um amplo horizonte de cultura", como observa Paola Barocchi, especialista da obra de Conde.

Estabelecido em Veneza em 1808, quando foi nomeado Presidente da Accademia di Belle Arti da Sereníssima, publica a sua primeira grande obra, Del bello, na qual retoma aos princípios da estética iluminista e neoclássica sobre os ideais da educação estética da humanidade e do conceito de sublime. Mais tarde, entre 1813 e 1818, Cicognara publicou a obra que mais tarde o tornaria conhecido, a Storia della scultura dal suo risorgimento in Itália sino al secolo di Canova (6 volumes), na qual o ponto de partida, o retorno da escultura aos modelos antigos em meados do século 13, eram fornecidos por Nicola Pisano, e o ponto de chegada, por Canova, considerado como a máxima expressão do clássico nos tempos modernos. Concebida como continuação das obras de Winckelmann e Séroux d'Agincourt, o trabalho de Cicognara procurava explorar os vínculos entre arte, literatura e história política, integrando pesquisas de Edward Gibbon (1737-1794), Charles-François Dupuis (1742-1809), entre outros. Em seu gênero, a obra mantém-se insuperável. Cicognara é hoje um dos mestres fundadores de um intenso campo de estudos, que é a História da Arte.

A Biblioteca Cicognara permite entrar, numa reconstituição livro a livro, no conjunto de temáticas e controvérsias sobre a natureza, a dignidade, os conceitos, os vínculos com o Antigo e as práticas artísticas dominantes, desde Vitrúvio até os anos iniciais do século 19. Além de um conjunto de tratados, livros, manifestos, poemas, orações e programas relativos às artes da pintura, escultura e arquitetura - e sua história e relações com a literatura, música, retórica, teologia e filosofia --, a biblioteca contém tudo o que de impresso Cicognara pôde reunir sobre a prática e o ensino das artes.