191 - ANO XVII - 23 a 29 de setembro de 2002
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A professora Maria Carolina do Nied: inovação e salto tecnológico do saber produtivo não se concretizamA dissolução do
"círculo virtuoso"

Estudo mostra que globalização industrial teve efeitos perversos na região de Campinas

VANDA JORGE

A criação do pólo tecnológico de Campinas tinha tudo para se tornar exemplo, uma demonstração singular para outros centros de atração de indústrias de alta tecnologia: proximidade com grandes centros de pesquisa e com universidades de ponta, mão-de-obra especializada por algumas décadas de aperfeiçoamento em grandes indústrias multinacionais pioneiras – como IBM, Bosch e Texas, instaladas na região a partir da década de 1970 –, além de infra-estrutura viária e aeroportuária. As condições legais favoráveis, instituídas em 1991, privilegiando com isenção de impostos a contrapartida de investimentos de 5% em pesquisa e desenvolvimento, arrematava o arranjo produtivo local com ótimas referências. O caminho esperado, a partir daí, seria o de inovação e salto tecnológico de todo o sistema produtivo, notadamente nas áreas de informática e telecomunicações no caso específico de Campinas.

No entanto, os prognósticos apontados em fins de 1998 por um estudo do Instituto de Economia da Unicamp (IE), e confirmados no cenário atual, mostram que o sistema de inovação não aconteceu. A pesquisa busca resposta para a origem do erro, além de identificar o momento em que se desfez o círculo virtuoso proclamado pelas vozes empresariais mais dinâmicas, gerando desemprego e desnacionalização da indústria brasileira.

Os efeitos da globalização industrial cravaram na radiografia do pólo campineiro seu lado perverso, assinala a pesquisadora Maria Carolina de Souza, do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT), responsável pelo estudo. O conceito de pólo de atração funcionou para a região de Campinas – estudada então com as suas 14 cidades circunvizinhas – em alguns aspectos positivos, mas os laços de interação produtiva, característica fundamental de um aglomerado setorial de empresas, seja na forma de clusters (aglomerados setoriais e regionais, articulados na mesma cadeia produtiva) ou de pólos, são muito tênues na região.

"Benefícios existem, mas devem ser comparados aos custos locais gerados, como a isenção de impostos". Carolina avalia que foram registrados ganhos, como o aprendizado de profissionais que trabalham nessas empresas, mas cuja interação tem caráter informal – no rodízio de emprego – e não estrutural, que é a base estabelecida seja para clusters ou para pólos, cujas relações comerciais e de avanços tecnológicos circulam vertical e horizontalmente num contágio de inovação.

Embora com pressupostos bastante favoráveis para estimular um arranjo produtivo marcado pela inovação tecnológica, as forças locais, regionais e nacionais não fazem frente aos arranjos multinacionais que esvaziam estas condições e impõem uma lógica de matriz para sua filial, explica a economista. Com as decisões dessas empresas centradas no critério de racionalidade econômica decidido no exterior, e não de arranjo político local, esses ganhos tecnológicos não contagiam a região como um todo. Além disso, as perdas econômicas são acentuadas: "no complexo eletrônico, o desequilíbrio na balança comercial que se observa no período de 1990 a 1996 é de quase cinco vezes, saindo de um déficit de US$ 1 bilhão para US$ 5,4 bilhões".

Nesse novo ciclo, passou-se a utilizar fornecedores globais e a importância do aeroporto internacional de cargas e uma rede rodoviária de primeira linha foram os fatores decisivos na escolha da região. As interações com universidades, centros de pesquisa e a mão-de-obra especializada cederam lugar nessa hierarquia, acrescenta.

O início do pólo - O primeiro momento de investimento industrial na região, igualmente caracterizada por grandes empresas multinacionais, é realizado com empresas do porte da IBM, Texas, Hewllet Packard e mesmo a alemã Bosch, que chegou antes mas provocou um movimento semelhante, ao estimular a criação de uma rede de fornecimento local econômica e socialmente atraente para a região; o segundo ciclo, datado no estudo a partir de 1990, introduz as gigantes do ramo da informática e telecomunicações - como Compaq, Motorola, Lucent, entre outras- cuja política atrai grandes conglomerados de fornecimento globalizado, inviabilizando a existência da maior parte da rede nacional.

Esse fenômeno não é exclusivo dos setores de informática e telecomunicações, pois existe de forma um pouco mais atenuada também nas áreas automotiva, alimentícia e têxtil, ressalta a pesquisadora. Maria Carolina avalia que ocorreu um enfraquecimento generalizado na relação de troca tecnológica, pressuposto desses arranjos produtivos, e um avanço na assimetria, que passou a níveis elevados, retirando do mercado as pequenas e médias fornecedoras.

Riscos - A economista aponta o risco do atrelamento excessivo da pesquisa acadêmica às demandas localizadas das empresas, que obrigatoriamente têm que investir 5% de seu faturamento nos núcleos de pesquisa acadêmicos ou na própria empresa. "É preciso manter a liberdade de pesquisa para gerar com autonomia tecnologia de ponta; é o nosso último refúgio, onde armazenar forças para criar condições para uma interação inteligente que reduza a assimetria e garanta a autonomia de se dispor de investimento a fundo perdido em pesquisa básica", alerta a pesquisadora da Unicamp.

As firmas multinacionais, em geral, mantêm o centro de geração de novas tecnologias na matriz, transferindo aos países periféricos apenas as atividades de produção propriamente ditas. Um exemplo é a atuação do Laboratório Nacional de Luz Sincroton no arranjo produtivo de Campinas, apontado no estudo do Niet. A experiência internacional mostra que este tipo de laboratório mantém interações importantes com empresas, especialmente em setores de ponta como indústrias automotiva, aeroespacial, química e farmacêutica. Existem casos na experiência internacional de empresas que financiam grande parte das atividades desses laboratórios. No Brasil, no entanto, praticamente são inexistentes estas relações e revelam baixíssima predisposição da indústria em estabelecer vínculos com um organismo desse porte, já que as empresas locais mantêm atividades inovadoras bastante tímidas e as multinacionais importam de suas matrizes as soluções.

Os componentes importados por estas empresas são o de maior valor agregado em virtude de seu conteúdo tecnológico. Carolina calcula que a abertura comercial provocou um forte acréscimo das importações e conseqüentes déficits da balança de mercadorias e um vasto ingresso de capitais externos, seja por meio da aplicação do mercado financeiro doméstico ou pela via de investimentos diretos por parte das multinacionais. Esse processo, sofrido tanto pelo Brasil como por outros países da América Latina, resultou numa forte desnacionalização da indústria doméstica, conclui.