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| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 374 - 1 a 7 de outubro de 2007
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Levantamento da FCM avalia serviços com o objetivo
de auxiliar na formulação de políticas públicas

Estudo subsidia gestores para
ações na área de saúde mental

CARMO GALLO NETTO

A professora Rosana Teresa Onocko Campos: “A pesquisa pretende mostrar acertos e apontar correções de rumo” (Foto: Antônio Scarpinetti)O Grupo de Pesquisa em Saúde Mental e Saúde Coletiva do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, em parceria com uma equipe do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), está concluindo pesquisa que avalia os Centros de Atenção Psicossocial de Campinas (Caps).

Coordenado pela médica e professora Rosana Teresa Onocko Campos, da Área de Políticas, Planejamento e Gestão, o trabalho se propõe a investigar os serviços de saúde destinados aos doentes mentais com patologias graves, com o objetivo de auxiliar a gestão de políticas públicas que possam ser aplicadas em grandes cidades.

Resultados são mostrados em
seminário
internacional

Alguns dos resultados do levantamento foram apresentados no II Seminário Internacional sobre Avaliação de Programas e Serviços de Saúde Mental, realizado na FCM entre os últimos dias 26 e 28.

A pesquisa tem como objetivos específicos avaliar os modelos assistenciais e de gestão e a formação dos profissionais de saúde dos Caps; analisar os efeitos da reforma introduzida no atendimento à saúde mental através dos Caps; gerar subsídios para tomada de decisões dos grupos envolvidos nos serviços; e oferecer elementos que contribuam para o aperfeiçoamento da reforma psiquiátrica no município de Campinas e, por extensão, no país.

Entre 2002 e 2003, o Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde elaborou várias agendas de pesquisa. Um dos temas priorizados na oportunidade foi avaliar os serviços de saúde mental no Brasil. Com verba disponibilizada pelo Decit, o CNPq lançou edital para viabilização do projeto. O grupo liderado pela professora Rosana respondeu ao edital e conseguiu o financiamento de R$ 250 mil, por dois anos, que se completam em fevereiro.

A professora Rosana explica ainda que, a partir da adoção do SUS, ocorreu um movimento que levou à chamada reforma psiquiátrica. Ela centra o tratamento de pacientes com distúrbios psiquiátricos graves no seio da própria família, sem a sua segregação social em manicômios ou centros de reclusão.

A reforma, implantada a partir dos anos 90, influenciada por várias correntes que surgiram no mundo a partir dos anos 50, adotou como princípio básico que os pacientes não melhoram se trancados em manicômios, em vista do que os portadores de distúrbios psicóticos deveriam ser passíveis de tratamento na comunidade, e não mais fechados em hospitais.

Esse novo paradigma levou à criação dos Caps. Eles recebem pacientes com transtornos psiquiátricos graves, principalmente psicóticos e neuróticos, os atendem nas situações de agravamento das crises e integralmente durante o processo de reabilitação, de forma a mantê-los, na medida do possível, junto à família e ao trabalho.

A manutenção desses serviços exige equipes multidisciplinares, constituídas de psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, assistentes sociais etc.

A pesquisadora, ao explicar os motivos de o estudo ter se concentrado na rede de Caps de Campinas, afirmou que inicialmente foram criados os Caps 1 e 2, que se diferenciavam pelo horário de funcionamento e pelo número de pacientes que tinham condições de atender.

Decidiu-se, posteriormente, por sua transformação progressiva em Caps 3, que oferecem serviços 24 horas e dispõem de alguns leitos para as situações de crises e surtos, sem que o paciente precise ser encaminhado para um hospital. “Além de acolhido ali mesmo, geralmente perto de sua casa ou do seu bairro, o doente é atendido pela equipe que conhece sua história e já mantém relação com sua família”.

A docente lembra ainda que Campinas foi uma das primeiras cidades a promover grande expansão dos Caps 3 e a realizar uma reforma quase que completa no seu sistema de saúde mental. Hoje, a cidade tem seis Caps para atendimento de adultos, dos quais cinco do tipo 3. Ao elaborar o projeto, o grupo considerou que Campinas poderia funcionar como um laboratório por ter porte e problemas de periferia semelhantes aos dos grandes centros brasileiros.

Como esse modelo é relativamente novo no país, Rosana considera importante avaliá-lo, principalmente quando relatórios do Ministério da Saúde sinalizam para a redução de leitos para internos e ampliação dos novos serviços. A docente enfatiza: “Trata-se de uma política nova, que está sendo desenvolvida e que precisa ser avaliada. Embora criados há 20 anos, a expansão dos Caps se deu nos últimos seis ou sete, mas a dos Caps 3 ocorreu apenas nos últimos quatro anos. Não existe ainda uma avaliação técnica objetiva, desvinculada de aspectos ideológicos. A pesquisa pretende mostrar acertos e apontar correções de rumo”.

Para tanto, o trabalho aborda de que forma atua o modelo assistencial, sua organização e os cuidados clínicos com os pacientes; como é o modelo de gestão, administração e gerenciamento dos serviços; a formação dos profissionais utilizados; e os efeitos da institucionalização dessa política, destacando aspectos positivos e negativos, grau de burocratização e sua real efetividade. O interesse maior é contribuir para melhorar a formulação das políticas públicas no Brasil, gerando subsídios para a tomada de decisões dos gestores das estâncias federal, estadual e municipal envolvidos na rede.

Gestão participativa – Rosana Onocko Campos destaca os avanços metodológicos da pesquisa, enfatizando a gestão participativa: “Aprovado o projeto pelo CNPq, mesmo antes de iniciar o trabalho de campo, organizamos em abril do ano passado o “I Seminário Internacional sobre Avaliação de Programas e Serviços de Saúde Mental” que contou com a participação de especialistas de diversas áreas. Eles nos ajudaram a qualificar e aperfeiçoar o projeto. Agora, no II Seminário Internacional, apresentamos a especialistas, profissionais e público interessado os resultados preliminares que obtivemos com as pesquisas de campo. Teremos até fevereiro para encaminhar ao CNPq um relatório resultante de amplas discussões”.

A parceria que o grupo mantém com a Universidade de Montreal, no Canadá, permitirá trazer para o seminário a professora Lourdes Del Barrio, que trabalha com avaliações participativas e que falará sobre gestão autônoma de medicação, em que o próprio paciente regula a administração da medicação, bastante desenvolvida no Canadá, mas ainda engatinhando no Brasil.

A gestão participativa foi ampliada com a organização de oficinas em que os resultados da pesquisa foram apresentados aos grupos constituídos de funcionários e profissionais que prestam serviços nos Caps, gestores e gerentes de serviços, pacientes e familiares.

Rosana afirma, com entusiasmo, que o grupo está ajudando a transformar alguns desses resultados em indicadores que servirão como instrumento de avaliação que permitirão entender como os Caps se inserem na rede de serviços, como se relacionam com os centros de saúde, em que medida consegue lidar com as crises, e a forma que incorporam a família no tratamento, entre outros parâmetros que estão sendo levantados.

“Queremos oferecer um pacotinho de indicadores que devem ser observados ao longo do funcionamento. Não pretendemos chegar à perfeição, mas a indicadores sólidos, consistentes, que permitirão monitorar o processo de instalação dos Caps e que possam ser úteis não só para Campinas mas também para outras cidades. Como se trata de um serviço novo, não há ainda consensos. A nossa pesquisa está ajudando a construí-los”, afirma.

A docente entende que este procedimento constitui uma forma de garantir que de fato as proposições e as decisões sejam implementadas.

Sistema é eficaz, conclui pesquisa

Segundo Rosana, as pesquisas permitem afirmar que os Caps constituem um serviço importante e eficaz para atendimento integral de pacientes psicóticos e neuróticos graves. Consegue assistir os doentes – que se sentem amparados –nos momentos de crise, e trazem alívio para os familiares no duro dia-a-dia da convivência com esse tipo de doença crônica. A professora entende que esse é o principal achado a legitimar o espaço dessa rede.

Ela constata também que existem melhoramentos a serem implementados. À noite e nos finais de semana, por exemplo, o serviço conta apenas com uma equipe de enfermagem que, quando necessário, recebe apoio de psiquiatras do Samu, e não tem o mesmo caráter multidisciplinar do período diurno.

Esta lacuna é sentida pelos doentes e familiares ao constatarem que no momento do surto a presença do atendente conhecido faz a diferença. Rosana considera que as ferramentas administrativas legais e jurídicas ainda não permitem que outra forma de contratação de funcionários possa fornecer a cobertura que os pacientes esperam à noite e nos fins de semana.

Na opinião de Rosana, os serviços se expandiram, mas a política pública de contratação de recursos humanos, de planos de cargos e salários anda a reboque das necessidades.

Outra constatação é a de que urge rever os currículos dos vários cursos de saúde tanto na graduação como nas especializações porque, segundo a especialista, não estão formando profissionais capacitados para esse tipo de atendimento.

A médica considera que o Brasil está conseguindo fazer o que se propôs ao mudar a política para o setor de saúde mental. Prova disso é a última edição de Lancet, lançada há poucas semanas em Londres, que publica uma avaliação do sistema de saúde mental de vários países do mundo. Entre as nações emergentes, apenas o Brasil e o Sri Lanka estão relacionados entre os que possuem competentes políticas de saúde mental, fato que ela atribui ao investimento realizado.

Levantamentos geram dissertações

Em decorrência dos estudos desenvolvidos pelo grupo, foram concluídas duas dissertações de mestrado que abordam como o usuário vê o tratamento que recebe nos Caps e a pressão a que estão submetidos os profissionais que trabalham com pacientes psíquicos. Outros dois mestrados em curso tratam das atividades de grupo que se desenvolvem nos centros e como eles utilizam a psicanálise.

Um doutorando estuda como os Caps utilizam uma ferramenta chamada Projeto Terapêutico Individual, que envolve cada paciente. Analisa a composição desse tratamento e como as equipes se organizam para estruturá-lo. Os trabalhos desenvolvidos possibilitaram várias iniciações cientificas e levaram à apresentação de trabalhos em congressos nacionais e internacionais.

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