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| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 374 - 1 a 7 de outubro de 2007
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Docente do IB coordena projeto temático da Fapesp
que investiga propriedades medicinais de plantas

Uma cientista que aposta
na sabedoria popular

LUIZ SUGIMOTO

A professora Alba Regina Monteiro Souza Brito: confirmando atividades farmacológicas em quase todas as plantas usadas pela população (Fotos: Antôninho Perri/Divulgação)Faz mais de 20 anos que a professora Alba Regina Monteiro Souza Brito investiga o princípio ativo de plantas medicinais, sobretudo contra doenças gastrointestinais. Além de coordenar o Laboratório de Produtos Naturais do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, a docente está à frente de um projeto temático da Fapesp envolvendo espécies que nascem tanto na Mata Atlântica como no Cerrado do Estado de São Paulo.

Projeto atual foca espécies do
Estado de
São Paulo

Alba Brito é uma cientista altamente credenciada que põe fé na sabedoria popular. Se buscasse plantas ao acaso, penaria para encontrar aquelas com atividades terapêuticas. Indo diretamente às plantas de uso popular, a atividade é quase uma certeza. “Quando não consigo detectar a atividade farmacológica é porque meu modelo de análise ou a dosagem são inadequados. Nesses vinte anos, a margem de acerto tem sido muito grande”.

Crianças plantam mudas em assentamento rural em Sumaré: educação ambientalO conhecimento popular sobre plantas medicinais, na opinião da professora, representa um atalho para o estudo e a produção de novos fármacos, pois todo o processo laboratorial pode durar anos, além de ser dispendioso. Identificado e isolado o princípio ativo, os pesquisadores analisam estrutura química, propriedades terapêuticas e toxidade da substância, passando depois para os testes in vitro, in vivo e, numa fase que foge ao escopo do projeto, com humanos.

Quando se tenta apressar o processo, surgem equívocos como os apontados por Alba. “No uso tradicional transmitido de geração em geração, a pessoa com má digestão toma um chá de boldo de manhã, à tarde, à noite e no dia seguinte, até ficar boa. Em animais de laboratório, às vezes queremos obter o efeito mágico com uma única dose. A mágica é possível, mas aumentando a concentração da substância, o que pode ser tóxico”.

Alba Brito está escrevendo um artigo sobre as pesquisas do seu grupo de pós-graduandos, que constataram atividade contra úlcera gástrica em dez espécies do cerrado do Tocantins e que são nativas também das regiões de cerrado do Estado de São Paulo.

Gênero Syngonanthus, das sempre-vivas: ricas em flavonóides, mas exportadas como plantas ornamentais“Na análise química destas plantas, as substâncias encontradas são as mesmas, como por exemplo, aquelas dos gêneros Byrsonima, Anacardium, Qualea, Hancornia, Alchornea, Mouriri e Strychnos, todas elas ativas em modelos experimentais de úlceras gástricas. Ou seja: além de funcionar, elas têm o mesmo constituinte químico em sua grande maioria”, assegura.

A pesquisadora crê na teoria de William Irwin Thompson, segundo a qual as plantas medicinais geralmente pertencem a famílias com grande número de gêneros e de espécies, como das leguminosas e compostas. “A população pobre de áreas isoladas apanha as plantas mais facilmente encontradas ao seu redor. Ela não tem como percorrer longas distâncias”.

Thompson prega, também, que os homens descobriram as plantas medicinais por experimentação direta, seguindo seu instinto, tal como o cão vira-lata que mastiga capim depois de se dar mal com a comida. “Plantas amargas, como o boldo (Peumus boldus Mol.), possuem catequina e servem para problemas gástricos. Houve alguém que amassou a folha de boldo, cheirou, experimentou e percebeu que sanava aqueles problemas”.

Indigofera suffruticosa, dos cerrados paulistas: também com propriedade anti-úlcera comprovadaDa mesma forma, as informações sobre espécies tóxicas ou alucinógenas foram sendo passadas de um para outro, levando ao conhecimento tradicional tão presente no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. “No Estado de São Paulo, constatamos o uso de plantas medicinais apenas por migrantes de outras regiões do país e por caiçaras. A maioria dos paulistas perdeu essa cultura”.

Livro – O projeto temático no âmbito do Biota/Fapesp, coordenado pelo professor Wagner Vilegas (Unesp de Araraquara) e por Alba Brito, começou em 2004 e termina em julho do próximo ano. Esta parceira entre Unicamp e Unesp já trouxe resultados significativos na investigação de plantas com atividades antiúlceras gástricas, antioxidante, analgésica, antiinflamatória, anti-tuberculose e anti-câncer.

O relatório final será entregue juntamente com um livro que deverá se tornar referência para os estudiosos de plantas de uso popular. “A publicação vai trazer todos os aspectos estudados em cada espécie, incluindo os locais (latitudes e longitudes) onde elas podem ser encontradas”, antecipa a professora do IB.

Plantas bastante estudadas e com atividade comprovada contra a úlcera gástrica são as espécies do gênero Vernonia (que o povo simplificou para “verônica”) e as Indigoferas (sem nome popular). A Vernonia polyanthes já propiciou o isolamento de um princípio ativo, com atividade inédita em vegetais, cujo pedido de patente está sendo encaminhado através da Inova – Agência de Inovação da Unicamp.

Vernonia polyanthes (ou verônica): princípio ativo anti-úlcera isolado e com patente já solicitada Alba Brito reitera que este projeto dá continuidade ao levantamento no cerrado do Tocantins realizado pela professora Clélia Hiruma-Lima, do Instituto de Biocências da Unesp de Botucatu. O objetivo foi comparar as espécies existentes no Tocantins e também na Mata Atlântica e em cerrados paulistas, e validar o conhecimento da população. “Estudamos mais de trinta espécies, todas com trabalhos já publicados”.

Está sendo apresentado à Fapesp um novo projeto, que vai se concentrar nas plantas mais promissoras, estendendo o foco para outras espécies do mesmo gênero e buscando a melhor delas para produção de um fitoterápico ou de um medicamento alopático. “Este material deve gerar um segundo volume do livro”.

Uso sustentável – Uma preocupação dos pesquisadores que participam do projeto temático é com o uso sustentável das plantas medicinais. Alba Brito informa que o cerrado de Rubião Júnior (distrito de Botucatu), por exemplo, apresenta uma flora bastante diversificada e não encontrada em outras regiões.

“A paisagem é bonita para os botânicos e pesquisadores de plantas medicinais, que lutam para preservá-la. Mas, para muitas pessoas que têm aquele cerrado em suas propriedades, a sensação é de que houve uma queimada no local, nascendo depois uma vegetação rasteira que em nada lembra a exuberância de uma mata atlântica”, admite a professora.

Por isso, os pesquisadores do Laboratório de Produtos Naturais procuram agregar valor medicinal às plantas do cerrado de Rubião Júnior e de outras partes do Estado de São Paulo, mostrando à população a importância de não degradar o bioma e incentivando inclusive o cultivo das espécies no entorno, expandido a área.

Há poucos anos, a doutoranda Leônia Maria Batista, orientada da professora Alba Brito, trouxe sempre-vivas da Serra do Cipó, em Minas Gerais. Depois de estudar os efeitos das espécies Syngonanthus bisulcatos e Syngonanthus arthrotrichus em modelos animais, Leônia constatou uma excelente proteção da mucosa gástrica contra os agentes indutores de úlceras.

Este rico teor de flavonóides, porém, é desprezado. As sempre-vivas são de fato belas e acabam exportadas às toneladas para países do primeiro mundo, utilizadas em arranjos ornamentais e buquês. “Na Alemanha, um buquê de noiva chega a custar cem euros. Viabilizando o uso medicinal dessas plantas evitaríamos seu corte indiscriminado”, observa Alba Brito.

O beabá das plantas medicinais

Chá de capim santo: quatro xícaras (de café) com folhas frescas picadinhas, tampadas em água fervente por 10 minutos. Tome duas ou três xícaras ao dia para combater insônia, nervosismo, diarréia e gases intestinais. Cuidado: não deve ser tomado por mulheres grávidas!

Xarope de alecrim: adicionar, em meio litro de água, o sumo de quatro xícaras (café) de folhas frescas amassadas. Junte uma xícara de açúcar e deixe ferver, mexendo até engrossar. Tome uma colher de sopa a cada três horas para problemas respiratórios. Experimente colocar a infusão fria em um borrifador para passar roupas.

Essas duas receitas estão na cartilha Plantas medicinais na escola: aprendendo com saúde, elaborada pela aluna de doutorado Priscila Fernandes, e foram enviadas por mães de alunos de primeiro grau de escolas públicas de Atibaia. A cartilha, que traz desenhos mostrando detalhes como o serrilhado do caule da babosa e a delicadeza das flores da camomila, é fruto da convivência que mais de uma centena de crianças tiveram com canteiros de plantas medicinais.

As atividades foram desenvolvidas em parceria com os professores das escolas e o projeto Fruto da Terra, da Prefeitura de Atibaia. O sucesso das atividades levou à sua incorporação pela Delegacia de Ensino de toda a região. Hoje, a mestranda Patrícia de Sousa Oliveira dá continuidade aos canteiros em escolas públicas de Sumaré e em assentamentos rurais.

“O projeto temático da Fapesp inclui a educação ambiental. Nossos pós-graduandos colaboram na montagem dos canteiros e com palestras para levar até os alunos e seus pais o conhecimento produzido no laboratório”, explica a professora Alba Brito.

A pesquisadora esclarece que, embora a população já guarde bom conhecimento, é sempre importante alertá-la sobre plantas tóxicas e outras que não devem ser consumidas cruas. “Mesmo depois de fervidas, o uso das mãos pode transferir bactérias para uma solução dada ao bebê com dor de barriga ou vômitos”.

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