| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 305 - 10 a 17 de outubro de 2005
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O resgate que deu samba

A professora Olga Rodrigues Von Simson, diretora do CMU: "Estimulamos a integração entre adolescentes e idosos" (Foto: Antoninho Perri)Em 1991, uma equipe formada por pesquisadores do Centro de Memória da Unicamp (CMU), auxiliada por alunos de graduação e pós-graduação da Universidade, iniciou um projeto cujo objetivo era resgatar a história dos bairros de Campinas. O trabalho começou pelos primeiros núcleos estabelecidos na cidade, como Cambuí e Vila Industrial. Em seguida, o estudo, que fez emergir aspectos importantes ligados à formação do município e da sua gente, foi estendido para outras localidades. Mais recentemente, a equipe levou a mesma missão para os distritos campineiros. Depois de passar por Sousas e Joaquim Egídio, as atividades estão concentradas atualmente em Nova Aparecida. “Brevemente, estaremos iniciando o trabalho também em Barão Geraldo”, avisa a professora Olga Rodrigues Von Simson, coordenadora da pesquisa e diretora do CMU.

De acordo com a docente, os trabalhos procuram envolver alguma entidade ou organização não-governamental instalada no bairro ou distrito, para que seja estabelecido um vínculo mais efetivo com a comunidade. Outra preocupação é estimular a participação dos moradores, com ênfase para a aproximação entre jovens e idosos. A professora Olga explica que as pessoas mais velhas cumprem um papel importante dentro do projeto, pois são testemunhas ou conhecedoras de vários fatos e episódios. “Por meio da memória oral, esses homens e mulheres nos trazem elementos novos ou dados que confirmam algum indício sobre a história do núcleo e/ou da cidade”, afirma a diretora do CMU.

Apresentação do Grupo Cupinzeiro na Casa do Lago da Unicamp, durante o X Encontro com o Folclore e Cultura Popular: reconstituindo a trajetória do samba paulista; abaixo, cena da Campinas antiga: memória e manifestações culturais (Foto: Antonio Scarpinetti )Quanto aos jovens, os pesquisadores e voluntários lançam mão de uma série de oficinas, destinadas a trabalhar temas de interesse desse grupo específico, como a sexualidade, a relação com os pais, a formação profissional e a produção cultural, entre outros. “Graças a essas atividades, as crianças e adolescentes passam a tomar conhecimento não apenas da história do local onde vivem, como passam a compreender melhor a sua realidade e a reconhecer a própria identidade”, diz a professora Olga. Um exemplo nesse sentido vem da Vila Costa e Silva, núcleo construído ainda no regime militar. Lá, conforme a docente, não havia uma ONG que pudesse cooperar com o projeto.

A saída, então, foi trabalhar com a paróquia. “Nós criamos oficinas de informática e de idiomas e aproximamos os jovens da escola de samba do bairro. Também estimulamos a integração entre os adolescentes e os idosos. Um dos resultados dessa estratégia foi a valorização da raiz afro-brasileira por parte desses jovens, que também passaram a experimentar uma elevação da auto-estima”. Outro exemplo positivo proporcionado pelo projeto de resgate da história dos bairros de Campinas vem do chamado Complexo São Marcos, região que reúne os jardins Campineiro, São Marcos e Santa Mônica, considerados entre os mais carentes da cidade.

Cena da Campinas antiga: memória e manifestações culturais (Foto: Arquivo V8/Centro de Memória da Unicamp)Nesses bairros, os pesquisadores trabalharam também com adolescentes em situação de liberdade assistida. Inicialmente, a aproximação desse grupo foi difícil, como conta a professora Olga. Havia uma natural desconfiança sobre os reais objetivos do projeto. Aos poucos, porém, a resistência foi desaparecendo gradativamente. “Nós descobrimos que alguns objetos que nós usávamos despertavam um grande interesse nesses jovens, como o gravador, a máquina fotográfica e o computador. Eram equipamentos com os quais muitos jamais haviam tido contato. Assim, esses recursos serviram, num primeiro momento, como uma ponte entre nós e eles”, recorda a diretora do CMU.

Ao convidar os moradores mais antigos para falar aos adolescentes sobre a constituição dos bairros, os pesquisadores constataram um interessante ponto de identificação entre os dois grupos. Uma senhora chamada Efigênia, moradora do Jardim Campineiro, contou aos jovens que ela trabalhava como faxineira num clube de tiro freqüentado por famílias de origem alemã, que funcionava próximo ao bairro. Para treinar a pontaria, os associados traziam engradados com pombos, que eram soltos para serem alvejados em pleno vôo. Assim que a competição acabava, a mulher recolhia as aves mortas, que posteriormente dariam origem ao risoto de domingo da família.

Ao tomarem conhecimento da estratégia utilizada por Efigênia para melhorar o cardápio da família, os jovens contaram que também lançavam mão de algumas alternativas para enriquecer a refeição. Por ocasião da chegada da primavera, alguns garotos caçavam içás, que são aquelas formigas grandes, e utilizavam a parte traseira do inseto para preparar uma farofa. Quem comeu assegura que é um petisco dos mais saborosos. Outra tática empregada pelos adolescentes era esperar pelo trabalho de limpeza dos córregos locais, feito pela Prefeitura. Assim que as máquinas concluíam a tarefa, eles apanhavam as pirambóias que ficavam enterradas na lama. “Eles disseram que, frito, esse peixe, que se parece com uma enguia, é delicioso”, recorda a professora Olga. De acordo com ela, sem esses relatos, somados a muitos outros de variadas ordens, seria impossível recuperar a memória do processo de ocupação e desenvolvimento desses bairros.

Do mesmo modo, seria impraticável registrar numa página de jornal todas as descobertas feitas por meio do projeto. Igualmente difícil seria detalhar num espaço tão restrito os reflexos desse exercício de restauração histórica na vida e na percepção identitária dos membros dessas comunidades. Entretanto, é possível apresentar mais um exemplo de como esse tipo de estudo ajuda a compreender não apenas a história dos bairros e distritos de Campinas, mas da própria cidade e, eventualmente, do Estado e do país. O exemplo em questão é o samba. Conforme a professora Olga, diversos depoimentos de moradores desses núcleos revelaram novos elementos ou reforçaram dados já conhecidos acerca da importância desse gênero musical na construção da riqueza cultural do município.

As lembranças de “seo” Chicão

Dentro do trabalho de resgate histórico de Joaquim Egídio, os pesquisadores e voluntários do CMU resolveram colher o depoimento de seis moradores que representassem os grupos que participaram da formação do distrito: afro-brasileiros, ítalo-brasileiros e nordestinos. Um dos depoentes era um senhor de 92 anos, conhecido nas redondezas por “seo” Chicão. O homem contou que era filho de uma mulher que dançava samba de roda. Disse, ainda, que a mãe levava a ele e aos cinco irmãos para o local onde haveria a “diversão”. Relatou também que a mãe carregava sacos de estopas, sobre os quais as seis crianças dormiam a noite toda, enquanto ela dançava. Pela manhã, ao ser acordado, Chicão via mãe transformada, com os cabelos totalmente avermelhados. A maquiagem era, na verdade, a poeira que levantava durante a dança e tingia a cabeleira da mulher.

De acordo com a professora Olga, essa oralidade confirma as pesquisas textuais sobre a origem do chamado “samba campineiro”. Este, explica a especialista, é o resultado da mescla do jongo, dança de origem banto, introduzida no município pelos escravos, com o samba de roda. Ainda segundo a docente da Unicamp, diferentemente do que ocorre com algumas pesquisas científicas, cujos resultados ficam adormecidos numa prateleira, os elementos culturais resgatados pela investigação dos especialistas do CMU estão tendo uma aplicação prática. O Grupo Cupinzeiro, de Barão Geraldo, utiliza várias dessas informações em uma palestra musicada que apresenta junto com a própria professora Olga.

O objetivo da “aula-show”, que já teve apresentação na Casa do Lago da Unicamp, é reconstruir a trajetória sócio-histórica e cultural do samba paulista, mostrando suas origens rurais e interioranas e sua gradativa integração à vida urbana de Campinas e São Paulo. As informações, como não poderia deixar de ser, são intercaladas com a execução de peças novas e tradicionais. Como se vê, o resgate da memória dá muito resultado. Dá, inclusive, samba da melhor qualidade.

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