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Biotecnologia produz aromas
de frutas a partir de resíduos
Compostos podem ser usados
pela indústria de alimentos e
colocados em rações

ISABEL GARDENAL

Trabalho de doutorado desenvolvido na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) por Daniele Souza de Carvalho resultou na produção de aromas naturais de frutas por via biotecnológica, obtidos a partir de resíduos agroindustriais. Além disso, comprovou-se a sua viabilidade de uso por reduzir o tempo de processamento, o que deve diminuir também os custos. Esses aromas mostraram-se promissores para aplicação sobretudo na indústria de alimentos, podendo serem adicionados ao leite fermentado, iogurtes e rações animais, entre outras possibilidades. Do processamento da indústria cervejeira, foi aproveitado o bagaço de malte, que sobressaiu no experimento com um aroma puxado para o abacaxi, e do processamento da mandioca, a manipueira, um aroma puxado para o morango.

Daniele, que é química de alimentos, expõe que o tempo de processamento foi encurtado para um dia, em oposição às 72 a 96 horas que em geral demandariam pelos processos convencionais para obtenção deste composto. Isso porque, se o microrganismo fosse colocado direto no meio, teria que passar por uma fase de adaptação, que envolve a curva de crescimento normal. Ela explica que ativou o microrganismo em meio convencional e, após 24 horas, foi adicionado no resíduo, desenvolvendo a produção máxima desse composto em 24 horas de fermentação.

Os achados já apontam que é possível beneficiar diferentes setores da indústria, salienta a autora, principalmente com a diminuição dos custos, já que os processos biotecnológicos exigem, em geral, um longo tempo de fermentação e têm um substrato caro. Por reunir essas características, Daniele pensou em utilizar resíduos como substrato para o processo fermentativo. “Sem fazer a etapa de pré-inóculo (quando adiciona-se o microrganismo ao meio), o microrganismo teria que passar pela fase de adaptação, entretanto, com o auxílio da etapa do pré-inóculo, ele já estaria com todo o aporte enzimático ativo e começaria a produzir os compostos de aroma.”

Na tese, orientada pela docente da FEA Gláucia Maria Pastore, quando comparado o extrato de malte, que seria o meio sintético comum de se usar, com o resíduo de bagaço de malte, ambos apresentaram a mesma performance. “Tivemos a visita de um aromista, que ficou encantado com o produto oriundo do extrato fermentado. O aromista já trabalha com a possibilidade de saltar a etapa da purificação”, aborda Daniele, outra desvantagem do processo biotecnológico. “Assim chegaremos mais perto da escala industrial.”

O éster, objeto de estudo, foi o hexanoato de etila, o qual possui um intenso aroma frutal. A linhagem, que é o microrganismo (no caso o Neurospora sp.), foi isolado de uma massa de mandioca proveniente do Estado do Maranhão, por ser muito recorrente naquela biota, ao passo que os resíduos agroindustriais partiram de indústrias do interior do Estado de São Paulo.

Da manipueira (uma espécie de líquido tóxico originado no processamento da mandioca, que surge na prensagem da massa da raiz da mandioca), sobressaiu um aroma de morango e, do bagaço de malte, um aroma de abacaxi. Isso em grande parte ocorre devido às diferentes concentrações obtidas e a outros compostos formados. Na literatura, o hexanoato de etila tanto pode ser descrito como aroma de abacaxi quanto de banana, maçã, morango e pêssego. Ora pode assumir a característica de uma fruta, ora de outra. “No nosso caso, conseguimos que o buquê geral dos extratos fosse diferenciado”, informa a pesquisadora.

Aplicações

Normalmente, o bagaço de malte serve como ração animal, seu principal destino. Aqui ele serviu para alimentar o microrganismo responsável por produzir o aroma. Na verdade, esclarece a doutoranda, vão se esgotando os seus compostos – as macromoléculas, os carboidratos, os lipídios e as proteínas – e, por mecanismos secundários, produz-se o aroma.

Em países como a China e o Japão, por exemplo, o hexanoato de etila é adicionado em bebidas como os saquês e licores. Nos dois países, são consumidas, no total, mais de duas mil toneladas do produto por ano, que ainda pode estar presente nas balas, geleias, perfumes e numa série de compostos nos quais se almeja o aroma frutal.

Na tese, o bagaço de malte foi escolhido pelo fato de ser o extrato de malte, o melhor meio sintético onde se produz maior quantidade de hexanoato de etila, já a manipueira porque já é muito estudada no Laboratório de Bioaromas e Compostos Bioativos da FEA para a produção de biossurfactantes, compostos de origem microbiana. Como estava praticamente disponível, conta a autora, tentou-se empregá-la não só para a produção de biomassa, o que já é realizado em alguns estudos no laboratório, mas também para a produção de hexanoato.

Daniele e Gláucia Pastore já festejam os bons resultados e acabam de entrar com um pedido de patente – junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) – para proteger o processo de obtenção de aroma. Não havia pesquisa semelhante empregando-se o hexanoato de etila. Falta agora, de acordo com a química de alimentos, se debruçar mais sobre a área de purificação e de ampliação de escala, quiçá usando o microrganismo liofilizado, que aceleraria o processo, já que eliminaria a etapa de pré-inóculo.

Esse estudo tem a seu favor o fato de ser conduzido num país de base agrícola, com uma grande carga de resíduo agroindustrial capaz de poluir muito o meio ambiente. “Com a nossa pesquisa, abrimos um leque para futuras investigações com vistas a ampliar os seus usos e diminuir o impacto ambiental, no momento em que estamos reduzindo a carga orgânica dos compostos que estão sendo utilizados pelos microrganismos, além de agregar valor aos resíduos”, realça Daniele.

Na opinião de Gláucia Pastore, a sua orientada deu uma clara demonstração de que é factível aplicar conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico na produção de compostos de importante valor agregado. Além de serem valiosos para a saúde e bem-estar da população, através da agroindústria de alimentos, geram subprodutos que seriam mal aproveitados – como substâncias ou produtos de baixo valor –, descartados inadequadamente em termos de segurança ambiental. “A aplicação da C&T como foi feita nesse trabalho, com a produção de aromas naturais a partir de substratos, mostrou-se altamente estimulante.”

Dia a dia

Há algumas décadas, o Laboratório de Bioaromas e Compostos Bioativos da FEA vem se dedicando aos subprodutos da agroindústria brasileira: de cana-de-açúcar, de café, de soja e de cerveja, entre outros. A resposta disso é simples. Existe mundialmente uma preocupação com a biomassa, o quanto dela poderá ser transformado ou biotransformado. “O Brasil, nesse quesito, tem uma série de substratos muito destacados dentro das diversas cadeias alimentares, contudo sem aplicação nobre. Utilizam-se subprodutos como ração ou para geração de energia”, ensina Gláucia Pastore.

Ocorre que este material tem potencial de trazer um valor agregado muito alto. São subprodutos para a indústria farmacêutica, aditivos para a indústria de alimentos ou substratos para serem transformados via biotecnologia. “Então o mundo se depara hoje com isso, e o nosso país começa a pensar nesta direção. A ideia foi localizar esses subprodutos para ver o que gerariam como valor agregado elevado e quais poderiam ser transformados em aromas”, relata a docente.

Conforme ela, têm sido testados vários subprodutos. Da cadeia do trigo, pesquisaram-se o farelo de trigo e o farelo de arroz. Prosseguiu-se testando, trabalho que envolveu a inoculação de microrganismos, potenciais produtores de aroma de fruta. O próximo passo foi observar o que ia acontecendo. Chegou-se a um substrato muito mal aproveitado e que sequer se desconfiava disso. “Como já estava disponível e tinha uma alta carga de açúcar e proteína, notava-se que era totalmente desperdiçado. Era um resíduo da indústria da cerveja, aquela cevada transformada que seria praticamente jogada ou empregada na alimentação do gado”, descreve.

Daniele investigou os resíduos, avaliando a sua viabilidade. Aproveitou para verificar o que continham e foram inoculados alguns microrganismos produtores de aroma. O resultado foi muito bom: conseguiu-se a produção de aromas via biotecnológica – os aromas naturais de morango e de abacaxi, sem ter morango e sem ter abacaxi. O trabalho foi efetuado dentro da linha de pesquisa “Obtenção de ingredientes em compostos bioativos de produtos oriundos de subprodutos da agroindústria brasileira”, dirigida por Gláucia Pastore.

Surgiram inclusive as primeiras conversas com as indústrias de aromas e de leite, que pretendem conceber produtos aromatizados naturalmente. Especula-se o seu emprego em iogurtes e leites fermentados. “Pretendemos também auxiliar a indústria de ração, já que o cheiro de seus produtos é um item a ser reconsiderado, por não ser nada agradável”, comenta a orientadora. Como a produção de aroma frutal por microrganismos é considerada natural pela legislação, este apelo vem bem ao encontro da crescente demanda por produtos mais saudáveis.

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■ Publicação

Tese: “Produção de aroma frutal por linhagens de Neurospora sp. em meios sintéticos e resíduos agroindustriais”
Autora: Daniele Souza de Carvalho
Orientadora: Gláucia Maria Pastore
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Financiamento: Capes

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