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Jorge Ávila reconhece que, para consolidar a prática
inovativa, o país precisa acelerar o processo de transição

Para presidente do INPI, cultura da
inovação tecnológica já foi semeada

CLAYTON LEVY

O presidente do INPI, Jorge Ávila, que esteve no último dia 7 na Unicamp: "para os países em desenvolvimento, o acesso aos mercados é um ponto fundamental" (Foto: Antoninho Perri)O Brasil já iniciou a transição para um modelo de desenvolvimento baseado numa cultura de inovação tecnológica, mas ainda falta acelerar esse processo. A avaliação foi feita pelo presidente do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), Jorge Ávila, no último dia 7, pouco antes de proferir palestra no Fórum Permanente de Inovação, promovido pela Agência de Inovação da Unicamp (Inova). Na entrevista que segue, ele analisa o desempenho do país nessa área e aponta caminhos para a consolidação da prática inovativa como estratégia de crescimento social e econômico.

Jornal da Unicamp – A produção científica do Brasil vem crescendo de modo significativo nos últimos anos, mas esse crescimento não se reflete em patentes depositadas no INPI ou em outros países. A que o senhor atribui esse descompasso?

Jorge Ávila – A principal razão para isso é a falta de uma cultura de inovação na economia brasileira, aliada à tradição de não se transferir os resultados das pesquisas para a atividade econômica. Talvez isso se deva ao nosso próprio modelo de desenvolvimento. Como estamos num país de industrialização tardia, era natural que baseássemos nosso desenvolvimento na transferência internacional de tecnologia. Essa foi a maneira que aprendemos a conceber para desenvolver nossa indústria. Nossos produtos foram desenvolvidos a partir de produtos originalmente criados em outros países. Portanto, há uma cultura que associa desenvolvimento tecnológico à adaptação local de algo que foi produzido lá fora.

“A Lei de Inovação
teve um
impacto
importante nas universidades”

JU – Alguns países emergentes, como China e Índia, também tiveram um processo de industrialização tardio, mas ainda assim estão depositando mais patentes que o Brasil. Por que o país continua atrás nesse ranking?

Ávila – Embora o Brasil esteja atrás de China e Índia, é importante perceber que temos um número relevante de patentes nacionais. Esse número é muito menor que o da China e da Índia, mas ainda assim não é desprezível. Estamos no mapa. Pessoalmente, associo esta distância em relação à China e à Índia ao modelo de desenvolvimento adotado aqui. O Brasil sempre fez um movimento de desenvolvimento orientado para o mercado interno. Isso nos permitiu tratar de uma maneira muito peculiar a questão industrial, sem nos preocuparmos com o resto do mundo. Não aconteceu o mesmo com a China porque os chineses, nos últimos anos, basearam o seu desenvolvimento industrial no acesso aos mercados externos. E desenvolver patentes foi a maneira encontrada por eles para participar dos mercados externos com mais musculatura. A abertura da economia chinesa se deu pouco a pouco. Por isso, a China foi forçada a desenvolver uma cultura de inovação. Esse mesmo mecanismo é utilizado por muitos países desenvolvidos.

JU – Esse modelo serviria para o Brasil, ou as diferenças sociais e econômicas entre os dois países impõem a necessidade de se encontrar outro caminho?

Ávila – Esta é uma pergunta difícil. Temos de avaliar. Ainda acredito que, para os países em desenvolvimento, o acesso aos mercados é um ponto fundamental. Não sei se seria a melhor estratégia legitimar o uso do sistema de patentes como uma barreira ao comércio. Mas seguramente temos de reconhecer esse modelo, entender como ele opera e agir de maneira estratégica frente a isso. O ideal seria desenvolver o maior número possível de patentes brasileiras para o país entrar nessa competição.

JU – Levando em conta que o Brasil adotou um modelo de desenvolvimento baseado na adaptação de produtos externos, como reverter esse processo e consolidar uma cultura de inovação, principalmente nas indústrias.

Ávila – Acredito que já estamos fazendo essa transição. Talvez a questão agora seja aumentar a velocidade desse processo. O esgotamento do modelo anterior se evidenciou na estagnação. O Brasil parou de crescer. Essa sensação de estagnação produziu reações. O estado brasileiro rompeu alguns paradigmas e abriu a economia, enquanto a indústria percebeu que não teria condições de sobreviver se não passasse a encarar a competição como um fenômeno global. Acredito que a maneira de acelerarmos esse processo é adequar as instituições brasileiras a essa forma de competir.

JU – Um dos mecanismos para tentar acelerar o processo foi a Lei de Inovação. Passados três anos desde a sua introdução, já é possível avaliar resultados?

Ávila – Ainda é cedo. Podemos fazer uma avaliação qualitativa com base nas experiências daqueles que estão tentando aplicá-la. Pessoalmente, acredito que a lei foi um avanço, especialmente no que diz respeito à consolidação de uma nova mentalidade na academia e na indústria. A Lei de Inovação introduz de maneira mais clara nas universidades a responsabilidade de transferir conhecimento para algum tipo de aplicação que possa significar desenvolvimento econômico ou social. Na indústria, o impacto ainda é pequeno porque os mecanismos que viabilizam contratos entre universidades e empresas ainda não ocorrem de maneira fluida. Talvez seja necessário aperfeiçoar alguns pontos.

JU – Quais seriam os principais gargalos?

Ávila – Algo que percebo é que a lei não privilegia como deveria o pesquisador-inventor. Não está totalmente claro se o pesquisador tem direito automaticamente à licença do seu invento, caso venha a se afastar das atividades acadêmicas para constituir uma empresa. Que sentido tem o pesquisador se licenciar para constituir o seu negócio se ele não vai poder trabalhar com o próprio invento?

JU – Recentemente, ao falar sobre a legislação da propriedade intelectual, o senhor defendeu três metas que devem ser observadas: segurança jurídica, redução dos custos de transação e incentivo à inovação. Poderia explicar?

Ávila – Incentivo à inovação é a primeira razão de ser do sistema de propriedade intelectual. Ao conferir certos privilégios ao inventor, espera-se que ele transforme o seu invento num produto capaz de atrair investimentos e chegar ao mercado. É um incentivo à atividade inventiva. Para que esse incentivo se materialize, não basta oferecer o privilégio de comercialização exclusiva por vinte anos. É preciso que isso seja obtido de maneira simples e previsível. Isso tem a ver com custos de transação. De uma certa forma, os envolvidos têm de entender o processo para obter o privilégio. A lei e os procedimentos institucionais têm de ser claros. O processo de transação deve ser simples. Se o inventor necessitar de um investidor para lançar o produto no mercado, os contratos têm de ser elaborados com clareza e simplicidade. Já a segurança jurídica é fundamental para que o investidor acredite que todo esse processo irá funcionar de fato. Uma patente que não resiste à contestação jurídica deixa de ser um documento confiável para que a empresa invista seu dinheiro.

JU – A legislação atual não contempla estes três aspectos de maneira adequada?

Ávila – Estão contemplados, mas sempre podem ser aperfeiçoados. A lei brasileira é boa. Mas há pontos que podem ser melhorados. No que diz respeito ao incentivo à inovação, é preciso atentar para os campos em que ainda não é possível obter patente no Brasil. Nos campos em que há menos proteção também há menos incentivo à inovação. Com relação à segurança jurídica e custos de transação, em algumas áreas há um regramento complexo sobre obtenção da patente, particularmente na interface com a saúde pública e nas questões que envolvem meio ambiente. Essa complexidade agrega custos de transação e insegurança jurídica.

JU – A legislação brasileira está acompanhando a evolução do cenário mundial ou está defasada?

Ávila – Estamos fazendo um grande esforço para acompanhar. Diria que ela está em linha com o cenário mundial. Mesmo assim, é preciso manter uma antena ligada permanentemente, não apenas para acompanhar, mas também para participar das discussões no plano internacional. Não apenas ressoar, mas também influenciar no debate. Estamos tentando qualificar mais o Brasil como um interlocutor na discussão sobre o futuro do sistema de patentes.

JU – Nesse contexto, o Brasil pretende aderir ao Protocolo de Madri?

Ávila – O INPI já estudou o tema, que foi apresentado ao Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual. Daí resultou uma recomendação para que o presidente da República promova a adesão do Brasil ao Protocolo de Madri. Isso facilitaria o depósito de marcas brasileiras nos países signatários desse acordo. A proposta de adesão ao protocolo, que tornará mais ágil e barato o registro de marcas em vários países, está em análise na Casa Civil da Presidência da República e ainda depende de aprovação do Congresso Nacional.

JU – O meio acadêmico ainda responde por boa parte das patentes depositadas. Qual a sua avaliação sobre o desempenho das universidades no sistema de inovação?

Ávila – Está crescendo muito. A Lei de Inovação teve um impacto importante nas universidades. Trata-se de um passo muito importante. Não há interação com o setor produtivo se o objeto a ser transferido não for bem construído juridicamente para a celebração de contratos. As universidades estão avançando nesse terreno. Mesmo que ainda não haja resultados expressivos em termos de contratos, elas estão criando as bases para que futuramente essa transferência ocorra de maneira mais fluida. A Unicamp, que lidera o ranking de depósito de patentes no meio acadêmico, ainda é o maior exemplo nesse aspecto. Mas ela já está sendo acompanhada de perto por outras universidades, o que evidencia uma competição saudável. Todos saem ganhando, principalmente o Brasil, que terá uma participação maior nas redes internacionais de desenvolvimento tecnológico.

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