Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 273 - de 16 a 21 de novembro de 2004
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Pesquisador revela em livro detalhes da criação do
Ministério da Defesa, que subordinou os militares à direção civil

As novas diretrizes
para a defesa nacional



LUIZ SUGIMOTO


O professor Eliézer Rizzo de Oliveira: “Viegas acabou usado como escudo para uma crise política”

As negociações conduzidas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para vencer a resistência das Forças Armadas à criação do Ministério da Defesa, subordinando os militares à direção civil, compõem o eixo do livro de Eliézer Rizzo de Oliveira, professor aposentado do Departamento de Ciência Política e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da Unicamp, obra que será lançada em 24 de novembro na Livraria Saraiva do Shopping Iguatemi, em Campinas. Em Democracia e Defesa Nacional. A criação do Ministério da Defesa na Presidência de FHC (Editora Manole), o autor traz uma entrevista com o ex-presidente contando como ele conseguiu fazer valer, junto às Forças Armadas e ao Legislativo, o conceito de que não cabe às instituições militares apoiar o governo, mas sustentar o país e o Estado, elevando o Ministério da Defesa a um dos símbolos da democratização.

O livro de Eliézer de Oliveira chega justamente no momento em que o ministro José Viegas Filho se demite do Ministério da Defesa, tema abordado na entrevista abaixo. Além de se valer das pesquisas realizadas no Núcleo de Estudos Estratégicos, com apoio do CNPq e da Fapesp, o autor assumiu um posto de observação privilegiado desde agosto de 2003, como membro de um grupo convidado pelo ministro Viegas para discutir a “Evolução do pensamento brasileiro em matéria de defesa e segurança – Uma estratégia para o Brasil”. O professor também opina sobre questões polêmicas como a defesa da Amazônia e o emprego das Forças Armadas para o combate ao narcotráfico e à violência urbana.

Jornal da Unicamp – Em quais circunstâncias foi criado o Ministério da Defesa?
Eliézer Rizzo de Oliveira – A criação do Ministério da Defesa foi uma opção do presidente Fernando Henrique Cardoso, no sentido de reforçar a direção civil sobre as Forças Armadas. Durante a campanha eleitoral de 1994, ele foi muito discreto, não localizei qualquer menção a respeito em seu programa de governo ou discursos. No entanto, ao convidar os militares para ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica, ele adiantou que criaria o Ministério da Defesa e condicionou a aceitação de seus cargos à boa vontade com o novo formato. Antes, as Forças Armadas se representavam dentro do governo através dos ministérios do Exército, Marinha, Aeronáutica, Estado Maior das Forças Armadas e do Gabinete Militar da Presidência.

Jornal da Unicamp – É de se supor que houve resistências dos militares à subordinação diante de um ministro civil.
Eliézer de Oliveira – As discussões não transcorreram sem disputas. Dos militares vieram diferentes propostas, sempre visando preservar sua influência política dentro do governo. Uma delas adiava a implantação da direção civil, colocando o Ministério da Defesa (que surgiria de uma transformação do Emfa) em linha com os ministérios do Exército, Aeronáutica e Marinha. Somente em médio prazo, o Emfa e os ministérios militares deixariam de existir. Outra proposta postergava a decisão, alinhando no mesmo nível os ministérios militares, Emfa e o Ministério da Defesa, que então seria criado para nada. Fernando Henrique chamou para si a decisão de impor sua diretriz: que os ministérios militares seriam extintos e transformados em comandos militares, ficando abaixo do Ministério da Defesa. E o fez através de um Grupo de Trabalho Interministerial sob seu controle.

Jornal da Unicamp – E como os militares reagiram à decisão?
Eliézer de Oliveira – É evidente que, de lá para cá, houve problemas. Fernando Henrique escolheu como ministro o senador Élcio Álvares, que não era relacionado com os temas de defesa. Ele, ao assumir, determinou que as Forças Armadas iriam participar diretamente do combate ao narcotráfico, ao crime organizado, e acabou colocado para fora porque seu escritório de advocacia foi acusado de defender narcotraficantes. Foi substituído pelo advogado geral da União Geraldo Quintão, muitíssimo discreto, mas que teve o cuidado de consultar parte da sociedade para renovar a política de defesa nacional. Agora, no governo Lula, o terceiro ministro foi um embaixador, José Viegas Filho.

Jornal da Unicamp – Seu livro, a propósito, é lançado durante nova crise, com a saída de Viegas.
Eliézer de Oliveira – No processo de criação do Ministério, um dos nomes mais cotados era do embaixador Ronaldo Sardemberg, mas já naquela época havia um claro desconforto das Forças Armadas com a hipótese de serem dirigidas por alguém do Itamaraty. São duas instituições muito enraizadas no Estado, com grande tradição e pensamentos próprios, e nem sempre suas relações foram fáceis. Os militares usavam ainda o seguinte argumento: é viável imaginar um general como ministro das Relações Exteriores? Ainda hoje, há desconforto no Itamaraty quando o presidente indica nomes que não são dos quadros de carreira, como Itamar Franco, que tem sido acomodado como embaixador. Penso que um dos elementos da crise que levou à renúncia do ministro Viegas, e que não tem sido abordado nos jornais, é esta tensão entre Itamaraty e Forças Armadas.

Jornal da Unicamp – Qual é sua avaliação da gestão de Viegas?
Eliézer de Oliveira – Ele iniciou o processo de renovação do pensamento estratégico brasileiro. Para isso, criou uma Secretaria de Estudos de Cooperação Institucional, que realiza reuniões mensais, havendo um grupo permanente do qual faço parte. Já foram publicados dois livros e terceiro sairá em breve. Outro aspecto positivo é que Viegas conseguiu retirar a previdência dos militares da pauta da reforma da Previdência; eles tinham bastante a perder em razão de uma carreira muito específica. Entretanto, havia insatisfações fortes. Como dizem os militares, os navios não navegam, os aviões não voam, os equipamentos do Exército estão em situação precária. Pessoas lúcidas nas Forças Armadas afirmam que essa situação é insustentável. E veio a matéria no Correio Braziliense, que colocou o ministro Viegas de frente tanto com o presidente da República quanto com o comandante do Exército. Penso que Lula já estava decidido a substituir nomes do primeiro escalão, dentre eles Viegas, que acabou usado como escudo para uma crise política.

Jornal da Unicamp – O que esperar do vice-presidente José Alencar à frente do Ministério da Defesa?
Eliézer de Oliveira – Pode ser que Alencar tenha sido colocado de forma provisória, para ser trocado depois. Da mesma forma, o fato de o comandante do Exército ter sido preservado, não significa que não venha a ser trocado futuramente. Acho que a crise teve alguns passos, mas não todos. Ignoro se Alencar é afeito às questões de defesa. Dos três ministros anteriores, Viegas efetivamente era o que mais conhecia essas questões.

Jornal da Unicamp – Nesta renovação do pensamento estratégico, quais são as prioridades?
Eliézer de Oliveira – O grande ponto é a Amazônia, com uma diferença: até pouco tempo, a defesa da região era vista primeiramente na perspectiva terrestre, do Exército. Hoje existe uma perspectiva mais ampla de Defesa Nacional, isto é, foram transferidas unidades do Exército e criadas outras, há novos comandos da Aeronáutica e a Marinha tem presença bem maior.

Jornal da Unicamp – Como defender a Amazônia?
Eliézer de Oliveira – No caso hipotético de um país mais poderoso ocupar a região, a estratégia será a de resistência: a guerrilha de selva, graças ao treinamento intensivo e competente dos nossos militares, que é reconhecido no exterior. A Marinha, por sua vez, está desenvolvendo um novo conceito de defesa, que se chama Amazônia Azul, considerando o tamanho de nosso mar territorial (200 milhas dentro do oceano por 7.000 km de costa) e seu interesse para o comércio, petróleo, pesca, turismo e toda uma riqueza estrategicamente equivalente à da Amazônia Verde.

Jornal da Unicamp – Tudo isso não exigiria maior aporte de verbas?
Eliézer de Oliveira – As três Forças, mesmo levando em consideração as condições de grande restrição econômica, precisam de recursos para estarem minimamente preparadas em termos de equipamentos. A idéia é de que cada Força possua núcleos de excelência. No Exército, o núcleo de excelência é a chamada força de resposta rápida. Por exemplo: uma brigada em Anápolis (GO) teria condições de se deslocar para a Amazônia e para as fronteiras rapidamente.

Jornal da Unicamp – O que o senhor pensa sobre a intervenção do Exército na área de segurança pública?
Eliézer de Oliveira –Acaba de ser publicado no Diário Oficial da União a transformação da Brigada de Campinas numa brigada especial para atuar na ordem pública. Também foi modificada a Lei Complementar 97/99, a fim de que as Forças Armadas tenham poder de polícia nas fronteiras. Isso significa que os militares, por decisão do presidente da República, podem atuar como policiais. A gravidade da situação está conduzindo à militarização da segurança pública, o que considero um equívoco. É preferível uma solução intermediária, em curso pelo governo Lula, que é a criação de uma força policial federal, composta por contingentes de diversos Estados, ligada ao Ministério da Defesa, com capacidade de atuar em nome do governo federal em situações de crise.

Jornal da Unicamp – E quanto à utilização das Forças Armadas nas fronteiras para combater o narcotráfico?
Eliézer de Oliveira – O narcotráfico é combatido primeiramente pela Polícia Federal e também pelas polícias estaduais. Mas, em algumas situações como as fronteiras com selva, traficantes e contrabandistas fazem o que querem. A poucas centenas de metros de um posto policial, na floresta, é possível passar qualquer tipo de coisa. Quem defende a idéia de militarizar as fronteiras, esquece que elas medem cerca de 13.000 km, sendo 7.000 km de florestas. Há uma expectativa exagerada a respeito do que o Exército possa fazer. Este, ao contrário, tem os pés no chão.

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