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‘Brasil precisa dar à China a mesma
atenção que dá aos EUA e à Europa’
Guilhon Albuquerque analisa as relações do governo brasileiro com o país asiático

O professor José Augusto Guilhon Albuquerque, titular aposentado da USP e referência obrigatória em relações internacionais, veio reforçar o Grupo de Estudos Brasil-China do Centro de Estudos Avançados (CEAv) da Unicamp, onde é fellow desde dezembro passado. Com uma formação considerada sui generis, o filósofo e cientista político se notabilizou por pesquisas e publicações em teoria política e comportamento eleitoral, política externa brasileira, integração regional, Mercosul e relações bilaterais com os EUA.

Convencido de que a área de estudos Brasil-China vai se tornar uma das mais importantes – “se não a mais importante” – das relações internacionais do país, afirma que seu ingresso no CEAv elevará seus próprios estudos sobre o tema a uma dimensão que ainda não possuem. Na entrevista que segue, o fellow comenta as relações do Brasil com a China e também com o resto do mundo, agora que Dilma Rousseff já completou um ano no lugar de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência.


Jornal da Unicamp – Diante da importância que ganharam as relações Brasil-China, poderia traçar um panorama que de como elas eram, como estão e como deverão ficar?

José Augusto Guilhon Albuquerque
– Voltando no tempo: o Brasil não reconheceu a então criada República Popular da China [1949] e manteve relações diplomáticas com Taiwan, para onde se transferiu o antigo regime nacionalista chinês (Kuomintag). Houve uma tentativa de reaproximação nos anos 60, no governo de João Goulart – que, como sabemos, estava em visita à China quando da tentativa de golpe para impedi-lo de assumir a Presidência. Naquela época, estavam-se estabelecendo relações comerciais entre os dois países. Por razões puramente políticas internas, o governo militar simplesmente prendeu e expulsou os diplomatas chineses que estavam no Brasil em missão comercial, foi um grande alvoroço.

As relações com a China foram reatadas nos anos 70, no governo Geisel, reatamento que dizia mais respeito à relação do Brasil com os Estados Unidos: era um pouco para criar ou manter certo distanciamento do governo americano. Nos anos 90, entretanto, essa aproximação se tornou mais positiva, quando o governo Fernando Henrique lançou a ideia de uma parceria estratégica entre Brasil e China, visto que eram dois países em desenvolvimento, dois países continentais, dois países que lutavam pelo progresso econômico e social.

Acontece que a parceria estratégica permaneceu muito mais como algo simbólico do que como uma realidade. Numa ocasião, o cônsul-geral do Japão me perguntou por que o Brasil dava tão mais importância para a China, quando seu país tinha muito mais investimentos aqui: ‘Por que vocês mandam os melhores diplomatas para a China e não para o Japão?’.

Não há a menor dúvida de que a ideia da parceria estratégica tomou uma dimensão maior com o governo Lula, que dela tirou proveito no momento exato em que a China estava se tornando, entre os países emergentes, aquele que emergia mais rápido; no momento em que o comércio com a China estava crescendo e que o Brasil também crescia, ambos na sequência de todas as reformas e investimentos feitos nos dois países nos últimos 25 anos. O que era simbólico apenas, passou a ser dinamizado. Hoje o nosso principal parceiro comercial é a China, que também é um grande investidor no Brasil, ainda que os investidores europeus continuem tendo maior peso e que os Estados Unidos, em termos de estoque de investimentos, continuem imbatíveis.

Na verdade, ‘parceria estratégica’ é um termo bonito, mas simboliza o que não existe na realidade: o Brasil não tem qualquer interesse estratégico naquilo que é o maior interesse estratégico da China, que consiste no Leste e no Sudeste Asiáticos; então, não se pode dizer que exista uma parceria estratégica propriamente dita. Mas, lendo o que Lula tem dito nas visitas que fez à China, temos várias áreas em que existe uma confluência bastante grande de interesses e, por outro lado, questões que são radicalmente diferentes. Sem dúvida, o Brasil precisa dar à China uma atenção igual à que dá aos Estados Unidos, Europa e outros parceiros importantes.

JU – O senhor acredita numa aproximação maior com a China também em outros campos, além do comercial?

José Augusto Guilhon Albuquerque
– Esta é a política que os dois governos tentam levar adiante. Por enquanto, acho que isso não depende apenas de política de governo, as relações ainda estão completamente limitadas aos setores governamentais e empresariais. Do ponto de vista social, existe o turismo, mas é um país longínquo, fica caro viajar para lá e vice-versa. Depois, existe a barreira da cultura, não tanto da língua, mas da maneira de olhar o mundo, de comportamento, etc. Um ponto que pode ser fundamental é que as elites não empresariais e não governamentais busquem essa aproximação, sobretudo a elite acadêmica. Embora esteja muito voltada para seus estudos, a academia acaba sempre compartilhando e divulgando conhecimentos, o que provavelmente vai acontecer, pois brasileiros e chineses estão interessados nisso.

Uma barreira é que os dois países são muito autocentrados, voltados para o próprio umbigo. A China, durante milênios, sempre desconsiderou o seu entorno, enquanto que no Brasil, até dez anos atrás, relações internacionais eram coisa do Itamaraty, nem sequer do governo como um todo. Hoje já existe uma página internacional significativa nos jornais e várias câmaras de comércio procuram se dirigir à população. As coisas estão andando, e isso vai devagar.

JU – Falando agora de política externa de forma geral, e com um ano de governo Dilma, quais mudanças o senhor percebe em comparação ao governo Lula?

José Augusto Guilhon Albuquerque
– Acho que há mais continuidade do que mudanças. As alterações estão no detalhe, na ênfase e envoltas em reações mais para o público interno que para o público externo. Foram apontadas como mudanças na política externa as declarações da presidente sobre a questão dos direitos humanos no Irã – em resposta às críticas surgidas no período eleitoral por causa do apoio do governo Lula ao regime de Teerã e que teve repercussões nas pesquisas de opinião. Mas até agora o Brasil não apoiou nada condenando a questão dos direitos humanos e, quando a detentora do Nobel da Paz e refugiada política do Irã [Shirin Ebadi] aqui esteve, não foi recebida pela presidente. A questão dos direitos humanos em Cuba está nos jornais, não preciso nem comentar [essa entrevista foi concedida no dia seguinte à chegada de Dilma Rousseff a Havana].

JU – Em uma entrevista, o senhor sugere que a presidente não tem a mesma pretensão de Lula de se tornar uma liderança internacional.

José Augusto Guilhon Albuquerque
– Claramente, a presidente Dilma não tem a política externa como sua prioridade. Nos oito anos em que participou do governo Lula, ela nunca demonstrou maior interesse nessa questão. E, nas oportunidades que tem tido para tomar uma atitude na política externa, ela claramente optou por não tomar. Ela mantém um low profile, quer dizer, um perfil modesto. Isso fica claro num fato: embora houvesse uma pressão muito grande para que tivesse como chanceler o então assessor de Relações Internacionais Marco Aurélio Garcia, a presidente optou por ter um diplomata de carreira [Antonio de Aguiar Patriota], o que pode significar uma diplomacia mais afinada com as tradições do Itamaraty.

JU – Voltando a Cuba: Dilma Rousseff lá esteve alegando interesses apenas comerciais. O Brasil pode ser um parceiro importante da ilha nesta área?

José Augusto Guilhon Albuquerque
– É difícil dizer que a visita tenha sido sobretudo comercial. Na verdade, a presidente levou uma espécie de mala preta com 700 milhões de dólares para distribuir – e isso é uma atitude política. Fazer doações, empréstimos com juros subsidiados para um país que não consegue empréstimos (ainda que a juros normais), é uma atitude política. Dizer que ‘não vou tratar de questões de direitos humanos’ é uma atitude política. Surgiu uma nova diplomacia, que é a diplomacia do ‘eu fico calado, não falo nada’.

Os presidentes, quando fazem visitas oficiais, têm uma agenda própria que, na maioria das vezes, inclui relações também com a oposição, é quase uma regra. E, no caso do Brasil, mais de uma vez em visitas oficiais a Cuba, o representante brasileiro recebeu dissidentes. O governo cubano ficava chateado, brigava, mas são dois trabalhos: ficar chateado e deixar de ficar, pois isso não incomoda o Brasil; incomoda uma parte da opinião brasileira, respeitável mas muito pequena, que acha mais importante a democracia cubana do que a democracia americana, por exemplo, fazendo uma opção entre as duas, quando uma nada tem a ver com a outra.

JU – E o setor empresarial brasileiro, não teria interesse em investir em Cuba?

José Augusto Guilhon Albuquerque
– Pelo que sei, os investimentos espanhóis chegaram antes e são muito mais importantes que os investimentos brasileiros. E, aparentemente, também são mais bem-vindos. Existem alguns projetos de investimentos do Brasil, mas a economia cubana é muito pequena. A menos que o Brasil quisesse usar seus investimentos de uma maneira ‘imperialista’, mas se daria mal. O papa, que não tem nenhum investimento lá, e a Espanha, que tem investimentos, conseguiram muito mais que o Brasil em termos de direitos humanos, influindo na política interna. E por que o Brasil não influi? Porque não quer. Se quisesse, influiria, pois desde quando o regime militar reatou as relações diplomáticas, o Brasil vinha sendo a única porta aberta a Cuba no continente. E havia uma expectativa de todos os países latino-americanos de que seria pela mão do Brasil que Cuba voltaria, digamos, ao convívio do continente. Isso não aconteceu porque o Brasil, de certa forma, nem quis tentar.

JU – E quanto aos vizinhos de baixo, Dilma deve manter uma relação mais fria, por exemplo, com a Venezuela de Chaves?

José Augusto Guilhon Albuquerque
– Talvez não seja questão de uma relação mais fria, mas existe no continente uma expectativa – a não ser nos países da Alba [Alternativa Bolivariana para as Américas] – de que o Brasil seja uma espécie de moderador da Venezuela, que possa conter os exageros do presidente Chaves e dar um sentido mais positivo para a política regional, desempenhando o papel de diminuir conflitos, como por exemplo, entre Colômbia e Equador. Mas não se consegue isso sem fazer alguma forma de pressão. Quando se pede a um país amigo para interceder, é justamente por ser amigo que esse país deve interceder. Acho que o Brasil tem desempenhado, com relação à Venezuela, uma política de observador neutro. Mas se quer ter um papel de liderança na América do Sul, tem que tomar posições. Ninguém lidera esperando todos falarem para dar a sua palavra no final.

JU – Em outra entrevista, o senhor disse que o Mercosul está sofrendo de paralisia. Esse acordo tem futuro?

José Augusto Guilhon Albuquerque –
O Mercosul está paralisado e a paralisia continua, quando o problema precisa ser encarado de frente: admitir a paralisia, diagnosticar o porquê e tentar contorná-la. Entretanto, o que tenho visto ultimamente, é que todas as propostas que aparecem são para dinamizar o Mercosul, como se ele já estivesse numa velocidade de cruzeiro. Isso não cola. Para dar uma arrancada, é preciso ligar o motor de arranque, não adianta colocar em quinta ou sexta marcha porque o carro não sai do lugar.

JU – E nas relações com os Estados Unidos, vê mudanças?

José Augusto Guilhon Albuquerque
– As relações em geral são boas. Nunca foram tão boas. Também nunca houve atritos tão grandes em alguns momentos, justamente porque são próximos: dois irmãos brigam mais do que quaisquer outros, brigam no dia a dia, sobretudo quando jovens – e são dois países jovens. Acho que as relações não são melhores por culpa dos dois: os Estados Unidos não sabem explorar bem a sua relação com o Brasil e vice-versa. As relações seguem a linha da menor resistência, da inércia. A inércia é grande porque o Brasil decolou nos anos 90 e pode subir mais. Já os Estados Unidos estão praticamente sem crescimento, mas o volume estagnado é tão significativo que, mesmo que continue nesse passo, vai levar mais vinte anos para o país declinar. E eles continuam tendo a força de decolagem e um crescimento de 1%, que seja, é muito crescimento em relação ao Brasil. Algo análogo ocorre com a China, que se passar a crescer 3% ao ano, todos acharão uma catástrofe; mas a China crescer 3% é muita coisa.

Acho que a presença do Brasil no mundo é tal, que os Estados Unidos não podem mais nos ignorar. O Brasil tenta ignorar os Estados Unidos, faz um esforço terrível para isso, mas não pode, ainda. A Europa está decadente, numa sinuca de bico, mas também não podemos esquecê-la e olhar para o outro lado. Não podemos esquecer a China. Não deveríamos esquecer a África, mas vamos continuar esquecendo, a meu ver, durante mais algum tempo. A África do Sul ganhou importância do ponto de vista político, mas do ponto de vista comercial tenta um acordo de livre comércio com o Brasil há 10 ou 15 anos e a coisa não anda. Acordo que o Brasil poderia firmar, se quisesse.

JU – O Brasil e os outros emergentes realmente vão ganhar mais peso nas negociações internacionais?

José Augusto Guilhon Albuquerque –
Veja o que antes acontecia: as últimas crises do final do século passado e início deste século foram provocadas em países em desenvolvimento e solucionadas a partir dos países desenvolvidos. A solução veio de lá. Dos Estados Unidos vieram vários planos para resolver a crise asiática, depois a mexicana, depois a russa, depois a brasileira, e eles é que ajudaram a equilibrar a conta, sendo o FMI o grande ponto de referência.

Hoje o FMI não é mais a referência porque a crise começou nos países grandes. E de tal maneira que, sem a participação dos países emergentes, essa crise não seria equacionada – ainda não está, mas muito do que se atenuou da crise precisou do apoio dos emergentes. Vamos ver o que acontece com a crise do euro. Se houver uma depressão global, tal como está se anunciando, e se os países emergentes não souberem se proteger previamente, como a China está fazendo, então pode ser que essa debacle atinja os países em desenvolvimento: a Índia está com uma inflação muito alta, na China ela está caindo e no Brasil fica nesse sobe e desce, ninguém sabe para onde vai.

JU – E como o senhor acha que o Brasil vai reagir?

José Augusto Guilhon Albuquerque –
Só Deus sabe. O problema é que não há transparência. Quando o governo brasileiro fala sobre a crise, fala como se estivesse numa campanha eleitoral. Nunca se sabe exatamente o que está sendo feito e o que se vai fazer. O ministro da Fazenda anuncia um crescimento de 5% e temos 0,5%, é uma brincadeira. Especialistas da área de juros acompanham tudo em detalhes, como se fossem sinólogos antigos: já que ninguém entende o que está escrito, ficam interpretando cada ideograma. Uns interpretam para mais, outros para menos, mas nada é transparente, nem o que se diz é o que se faz. Sinceramente, é difícil dizer como o Brasil vai reagir, precisamos de um sinólogo da economia.

JU – O senhor é um otimista em relação ao Brasil?

José Augusto Guilhon Albuquerque
– Acho que ninguém sobreviveria no Brasil sem ser otimista. Sou otimista em relação ao Brasil, sou pessimista em relação à política brasileira.

QUEM É

José Augusto Guilhon Albuquerque é bacharel em Filosofia pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (hoje UFRJ), mestre e doutor em Sociologia do desenvolvimento pela Université Catholique de Louvain, livre-docente em Ciência Política pela USP – onde fundou e dirigiu o Departamento de Ciência Política e o Núcleo de Relações Internacionais. Professor titular aposentado da USP, atualmente é também diretor da Sociedade Brasileira de Estudos das Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet).

Guilhon Albuquerque é comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, comendador da Ordem do Ipiranga, oficial da Ordem do Mérito da Defesa e detentor do Prêmio Marcus Garvey de Pesquisa da OEA. Foi professor visitante na Cátedra Jacques Leclerq (Louvain), na Georgetown University, na Cátedra Brasil da Universidade Central de Venezuela, titular da Cátedra Rio Branco e Visiting Fellow no Royal Institute of International Affairs (Chatham House – Londres).

 






 
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