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As conexões do mercado de câmbio
Tese investiga as relações entre agentes e instituições que atuam no Brasil

O governo brasileiro iniciou o mês de março adotando uma nova medida dentro da guerra cambial. Determinou, via decreto, a elevação para 6% da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos externos com prazo de até três anos. Objetivo é tentar conter a valorização do real frente ao dólar. “Se fôssemos comparar a guerra cambial a um jogo de futebol, eu diria que o Brasil está atuando no campo defensivo. A iniciativa não resolve todos os problemas, mas está na direção correta”, analisa o economista Pedro Linhares Rossi, que acaba de se doutorar pelo Instituto de Economia (IE) da Unicamp com um trabalho sobre a formação da taxa de câmbio no país. No estudo, orientado pelo professor Ricardo Carneiro, Rossi investiga de forma pormenorizada as conexões entre os vários agentes e instituições que atuam no mercado de câmbio. E conclui: a taxa de câmbio brasileira é formada essencialmente no mercado derivativo, que é uma dimensão “virtual e ultrafinanceirizada”.

A se manter a tendência do jogo, conforme Rossi, a probabilidade é de que os países centrais, que ainda enfrentam as duras consequências da crise, partam para o ataque. Às nações periféricas, entre elas o Brasil, restará reforçar a zaga. “É o que nos cabe fazer. Se a taxa de câmbio se valorizar muito, o país correrá o risco de perder tecido industrial. Ademais, taxa de câmbio elevada é incompatível com desenvolvimento de longo prazo. Em um cenário com câmbio muito apreciado, os produtos brasileiros perdem competitividade em relação aos estrangeiros. Há setores no país, como alguns segmentos manufatureiros, que já foram dizimados por causa disso. Eles perderam espaço para os produtos chineses, como pode ser constatado no comércio das médias e grandes cidades. A manutenção da taxa de câmbio em patamares exagerados tem efeito positivo apenas para o consumo de produtos importados e para quem, por exemplo, quer viajar ao exterior”, detalha e economista.

Segundo o autor, o seu trabalho de doutorado segue a tradição da chamada Escola de Campinas, tanto do ponto de vista metodológico, pela importância dada ao contexto histórico-institucional e por sua ambição de ser diretamente aplicável à elaboração de políticas econômicas, quanto do ponto de vista teórico, por ressaltar a moeda como um ativo financeiro e elemento constitutivo do capitalismo, como é notório nas abordagens de Marx e Keynes. O economista considera que a conjuntura internacional atual revela a “disfuncionalidade” do sistema monetário internacional. “Os mercados financeiros – como os de câmbio, commodities e de ações – tornam-se extremamente voláteis e sujeitos a bolhas de preços, e as economias com altas taxas de juros, como o Brasil, sofrem de sobreapreciação de suas moedas. Não por acaso, assiste-se a uma disseminação dos controles de capital e de intervenções não coordenadas nos mercados de câmbio em países como o Brasil, Coréia, África do Sul, Turquia, Indonésia, Peru, Tailândia, Suíça e Japão.”

Quando a presidente Dilma Rousseff diz que o Brasil enfrenta um tsunami financeiro, ela quer dizer, segundo Rossi, que os países centrais estão injetando muito dinheiro no sistema. “Qual o problema disso? O problema é que sobra dinheiro nos países centrais, que passa a ser aplicado nos países periféricos, principalmente aqueles com taxas de juros elevadas, como é o caso do Brasil. Assim, os investidores tomam dinheiro emprestado a 1% e aplicam aqui a 10,5%. O rendimento é fantástico! A reação do governo para conter esse tipo de especulação vem na forma da imposição de barreiras, como o caso recente da elevação do IOF. Isoladamente, a medida não resolve o problema porque o mercado é muito complexo. Ainda é preciso fechar outras portas e vigiar a atuação dos agentes. Na minha tese, dentre outras coisas, eu procuro mostrar que o que promoveu a valorização do real foi a forte presença de estrangeiros e investidores institucionais especulando no mercado derivativo”, sustenta.

Para melhor compreensão do que isso representa, o autor da tese oferece uma explicação do que vem a ser esse mercado derivativo, em termos menos técnicos. Dito de modo simplificado, trata-se de um mercado de apostas. Por hipótese: um estrangeiro chega ao Brasil para vender dólar no mercado futuro. Na prática, ele não está entrando com dinheiro, mas sim com uma aposta. Tal aposta pode ou não vir a se realizar. É uma abstração. Quando ocorre a venda maciça de dólar no mercado futuro, ocorre a valorização da taxa de câmbio futura. “Quando o dólar futuro fica barato, os bancos compram. E simultaneamente, vendem a moeda à vista. A essa operação nós damos o nome de ‘arbitragem’. Atualmente, são negociados todos os dias no mercado futuro perto de US$ 15 bilhões. No mercado à vista, esse valor cai para somente US$ 3 bilhões. Ou seja, existe uma grande assimetria de liquidez entre eles. Na prática, é o mercado mais robusto que dá o preço. No caso brasileiro, é aí que se forma a taxa de câmbio”, esmiúça Rossi.

Ainda no campo da analogia, o economista cita outro caso hipotético, este de um cidadão japonês que decide apostar no real contra o dólar, utilizando para isso as possibilidades oferecidas pela internet. Na realidade, ele não tem interesse na moeda brasileira. Tampouco possui a moeda norte-americana. O que ele deseja é auferir lucros com base nessa aposta, materializados na forma de ienes. “O mercado derivativo permite essa ação um tanto estranha de a pessoa vender o que não tem, comprar o que não quer e eventualmente ganhar o que deseja. Traduzindo, esse hipotético cidadão japonês tem a possibilidade de afetar a taxa de câmbio brasileira a partir do seu quarto. Isso é extremamente perverso. A formação da taxa de câmbio brasileira deveria ficar isenta dessas distorções financeiras. Ela deveria refletir muito mais o mercado a vista do que o mercado futuro”, considera Rossi.

Na opinião do economista, nada indica que os países centrais conseguirão superar os efeitos da crise no curso prazo. Assim, é provável que eles aprofundem suas posições atuais, o que vai requerer do Brasil, de modo particular, ações de controle do mercado derivativo. “Penso que o país terá que se fechar em termos financeiros. Não estou defendendo um fechamento comercial, obviamente. Não é o caso. Mas temos que manter a nossa competitividade pela administração da taxa de câmbio. Qual a outra forma de se fazer isso? Seria deflagrar uma guerra comercial, cujas consequências são muito mais nocivas. Seria sobretaxar os produtos estrangeiros. Creio que os países optarão pela saída cambial. O problema é que não existe um fórum internacional adequado para discutir esse tipo de tema. Além disso, até aqui, essas questões têm sido tratadas isoladamente pelas nações, quando o mais adequado seria conduzir as eventuais negociações de forma multilateral”.

Para desenvolver a tese, Rossi realizou um exaustivo trabalho de campo. Ele entrevistou profissionais do mercado de câmbio, para compreender melhor a operacionalidade do setor, e ouviu representantes do Banco Central, Ministério da Fazenda e Tesouro Nacional. Também passou um período pesquisando junto à Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), órgão da ONU instalado em Genebra, na Suíça. O objetivo da Unctad é aumentar as oportunidades de comércio, investimento e progresso dos países em desenvolvimento, ajudando-os a enfrentar os desafios derivados da globalização e a integrar-se na economia mundial em condições equitativas. “Lá, eu tive acesso a uma importante base de dados e conversei com pesquisadores que vem tratando há bom tempo do tema da especulação com moedas. Penso que isso enriqueceu bastante a tese. Outra contribuição importante foram as discussões travadas no âmbito do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) da Unicamp”, avalia o economista, que contou com bolsa de estudos concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência vinculada ao Ministério da Educação, e do Centro Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, órgão que conta com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Petrobras, Caixa Econômica Federal, Eletrobras e Banco do Nordeste do Brasil (BNB).

Publicação

Tese: “Taxa de câmbio no Brasil: dinâmicas da especulação e da arbitragem”
Autor:
Pedro Linhares Rossi
Orientador
: Ricardo Carneiro
Unidade: Instituto de Economia (IE)






 
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