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6-7

Várias histórias bem
contadas da história do Brasil

LUIZ SUGIMOTO

A professora Silvia Hunold Lara, coordenadora da coleção: “São estudos que oferecem sempre uma contribuição nova para a área da história social”  (Foto: Antoninho Perri)Sobre o Debret historiador, que procurou construir uma idéia de nação para o Brasil, embora os livros escolares nos tenham imposto apenas o pintor de imagens da família real, escravos e indígenas. Sobre a existência de irmandades religiosas de homens pardos no Brasil colonial, que ajuda a compreender identidades, alianças, conflitos e tensões na sociedade escravista. Sobre o trabalho e o modo de vida dos “proletários de casaca”, os caixeiros do comércio do Rio de Janeiro, na segunda metade do século 19.

Já chegam a 27 os títulos da coleção

Três temas, três novos livros para dar mais densidade ainda à coleção Várias Histórias, denominada assim, no plural, por causa da proposta de investigar a história social da cultura de diferentes perspectivas e contá-la de modo igualmente diferenciado. Os livros serão lançados pela Editora da Unicamp no dia 6 de março e elevam para 27 os títulos da coleção – bibliografia que já foi tomada como referência por especialistas daqui e de fora.

A maior parte dos títulos da Várias histórias resulta de uma seleção rigorosa de dissertações de mestrado e teses de doutorado desenvolvidas no âmbito do Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult), do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. A seleção se dá por concurso interno, mas os trabalhos inscritos são avaliados por uma banca externa, formada por professores de outras instituições. A decisão é ratificada pela comissão editorial da coleção.

“Sãos estudos que oferecem sempre uma contribuição nova para a área da história social, além de terem uma qualidade intrínseca em termos de estruturação, comunicação, forma de utilização das fontes e diálogo com a historiografia”, afirma a professora Silvia Hunold Lara, coordenadora da coleção.

Gravura que ilustra a capa do livro "O idioma da mestiçagem", de Larissa Viana  (Ilustração: Reprodução/Divulgação)Mesmo com uma tiragem padrão de 2.000 exemplares, considerada bastante razoável para livros acadêmicos, os títulos costumam se esgotar e vários deles vêm sendo reimpressos. “Este é um bom indicativo do impacto da coleção. Mostra que as pessoas lêem de fato os trabalhos e que estamos atingindo o objetivo de divulgar a produção do Cecult”.

O professor Paulo Franchetti, diretor da Editora da Unicamp, informa que o mais vendido é A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro, de Carlos Eugênio Líbano Soares. Lançado em 2001, o livro teve uma segunda edição revista e ampliada em 2004, que foi reimpressa naquele ano e voltará a sê-lo agora em março. “Várias Histórias é nossa coleção mais antiga e bem-sucedida e a Editora vai publicá-la indefinidamente, enquanto surgirem teses com esta qualidade”.

Silvia Lara observa que outra forma de aferir a repercussão dos livros são as resenhas em revistas acadêmicas brasileiras e de outros países. “São avaliações aprofundadas e bastante positivas. Vários títulos da coleção já foram resenhados na Hispanic American Historical Review, tradicional revista de estudos latino-americanos dos Estados Unidos. A coleção também já é bem conhecida na América Latina e na França”.

A qualidade da escrita, mais para literária que para acadêmica, acessível à maior parte dos leitores, é comum nas teses e dissertações selecionadas para a coleção, embora não seja critério obrigatório. “Se o grupo do Cecult pesquisa a história social da cultura dos trabalhadores tendo como preocupação o ponto de vista dos trabalhadores, esta abordagem aparece nos resultados e na forma do texto”, compara a coordenadora.

Diferencial – Silvia Lara atenta que cada tema escolhido também apresenta seu diferencial, como em A capoeira escrava. “Não se trata da história da capoeira em si, mas da capoeira em determinado contexto histórico, usada por um grupo de escravos e ex-escravos como elemento de identidade e, por vezes, instrumento para reivindicações. Há sempre uma questão cultural ligada ao social”.

Neste livro, Carlos Eugênio Soares recorre a farta documentação, principalmente registros policiais, para mostrar a evolução da capoeira no contexto político e social e a presença dos capoeiristas em motins e movimentos urbanos. Mas mostra-os, também, em ações de repressão e enquanto capangas de senhores, ascendendo por isso a outros grupos sociais como de parcelas da elite e da população livre em geral.

Gravura que ilustra a capa do livro "Proletários de casaca", de Fabiane Popinigis  (Ilustração: Reprodução/Divulgação)As experiências dos escravos são analisadas sob diversas óticas. Em Encruzilhada da liberdade (2006), Walter Fraga Filho aborda os 20 anos anteriores e os 20 anos posteriores à publicação da Lei Áurea, tendo como cenário o Recôncavo Baiano. Combinando documentos como registros de nascimento e de óbito, ocorrências policiais, inventários e depoimentos orais, o autor reconstruiu a história de vida de escravos e libertos, refazendo a trajetória de muitos deles fora do cativeiro.

O primeiro livro da coleção Várias Histórias foi a dissertação de mestrado Orfeu de Carapinha (1999), em que Elciene Azevedo narra a trajetória de Luiz Gama, filho de uma quitandeira africana com um fidalgo português. Luiz Gama viveu na condição de escravo doméstico, lavando, engomando e costurando, até ganhar a liberdade para se tornar um literato e advogado abolicionista radical.

Literatura – A literatura também está muito presente em Várias Histórias. A professora Silvia Lara ressalva, porém, que os pesquisadores do Cecult fazem uma leitura diferente dos chamados textos literários, em comparação com os colegas do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). “Estamos mais atentos ao seu sentido social e em como as questões do tempo são postas nesses textos”.

Nessa interface entre história e literatura, a coleção traz a coletânea História em cousas miúdas (2005), sobre as crônicas do período que vem de meados do século 19 e avança pelo século 20, de Sidney Chalhoub, Margarida Neves e Leonardo Pereira. Sobre a crônica, persistia a opinião de muitos de que ela é “a filha bastarda da arte literária”. Os autores, no entanto, mostram que ao cronista cabia “interagir com as coisas de seu mundo e meter-se onde não era chamado para transformar o que via e vivia”.

O teatro de revista, outro gênero um tanto desprezado da arte, é resgatado como um espaço de manifestação pública em dois trabalhos da coleção. Fernando Mencarelli, em A cena aberta (1999), lembra o sucesso de O bilontra, de Arthur Azevedo, espetáculo baseado em notícia da imprensa sobre um rico comerciante português que entrou na Justiça por estelionato contra o caixeiro, que lhe prometera adquirir mediante suborno um título de barão.

A estréia ocorreu quando a briga judicial ainda se arrastava e, por meses, um clima de deboche extrapolou do palco para a imprensa e o tribunal, onde o advogado se aproveitou do sucesso do bilontra para conseguir a absolvição do réu, no mês da centésima apresentação. O próprio Arthur Azevedo criticaria o júri popular por inocentar o caixeiro apenas por achá-lo engraçado.

Um espelho no palco (2004), de Tiago de Melo Gomes, mostra o teatro de revista brasileiro como importante elemento de massificação cultural. O autor pesquisa o contexto das identidades mestiças do Rio de Janeiro na década de 1920, a partir de Tudo preto, que foi o espetáculo mais importante da Companhia Negra de Revistas.

Conexões – Silvia Lara destaca que os livros da Várias Histórias, ao mesmo tempo em que contribuem para um tema específico, dialogam com vários outros da coleção. Ela mesma organizou, juntamente com Joseli Maria Nunes Mendonça, Direitos e Justiças no Brasil (2006), que reúne artigos sobre o direito nos períodos da escravidão e do trabalho livre. “Os estudos que aproximam história e direito vêm aparecendo com força nos últimos tempos”

Dentro da coleção, este tema já havia sido abordado em Pajens da casa imperial (2001), por Eduardo Spiller Pena. O título se refere aos jurisconsultores emancipacionistas e suas atitudes em relação ao discurso nas discussões sobre a lei da escravidão. “O tema da escravidão – e, por conseguinte, as questões da mestiçagem e do racismo – perpassa inúmeros livros, mesmo quando não é o foco principal do pesquisador”.

Sobre a importância de alimentar uma coleção como Várias Histórias nos dias de hoje, a diretora do Cecult lembra que a história é construída pelos indivíduos a cada instante e que o historiador precisa lidar com isso. “Talvez, o objeto por excelência do historiador seja o conflito, aqui entendido não apenas em termos tradicionais, mas também em termos de valores culturais”.

Na opinião de Silvia Lara, pode-se aprender muito olhando para o passado e observando como os antepassados lidaram com as situações de crise, buscando realizar os seus projetos de vida, individual ou coletivamente. “Por vezes, predomina uma perspectiva de desesperança, alimentada inclusive pela mídia. Acho que, nesse sentido, os livros da coleção podem impactar positivamente nas pessoas”.

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