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A solução que se transformou em problema
Estudo avalia impactos da implantação
de conjuntos habitacionais em Campinas

ISABEL GARDENAL

Cerca de 200 mil pessoas residem na região dos conjuntos habitacionais conhecidos como Distrito Industrial (DIC), localizados na periferia de Campinas. Trata-se de uma amostra que bem poderia representar uma cidade paulista de médio porte. Além dos conjuntos habitacionais, essa população vive também em ocupações irregulares. Essa paisagem é bastante comum em bairros populares que enfrentaram, em sua urbanização, várias carências, sobretudo devido ao deficit habitacional. Esses moradores estão em condição de vulnerabilidade, com riscos e perigos de ordens social, ambiental e espacial. Paradoxalmente, converge para ali um ideário de futuro: o município já se debruçou sobre novos projetos para a região, entre os quais o da ampliação do Aeroporto de Viracopos, e o governo federal tem endossado, por meio de pronunciamentos oficiais, a construção de um trem-bala saindo desse aeroporto que conduzirá os passageiros ao Rio de Janeiro, no âmbito das obras previstas para a Copa do Mundo de 2014.

Um estudo de mestrado desenvolvido na Unicamp pela arquiteta Ana Letícia Guimarães Garcia, recentemente apresentado à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), pôs o seu olhar nos DICs e apontou que o planejamento urbano efetuado pelo Estado nessa região não foi suficiente para suprir a demanda por habitação, permitindo o aparecimento das ocupações em seu entorno. Por conta disso, o modelo de gestão em curso mostrou-se ineficiente como objetivo de melhorar a qualidade de vida dessas populações, não evitando adensamentos e ocupações irregulares.

A investigação de Garcia, orientada pelo professor da FEC Lauro Luiz Francisco Filho, comparou a interferência dos conjuntos habitacionais nas ocupações e analisou até que ponto a estrutura urbana de um tem melhorado a qualidade de outro. Foram igualmente estudadas as características comuns entre ambos, bem como os pontos positivos e negativos desta modalidade de moradia, que tipo de gestão municipal há nestes locais, além das dificuldades encontradas pela população, inclusive suas identidades.

Os DICs são conjuntos habitacionais que começaram a ganhar contornos na década de 1980, recorda Garcia. O DIC I, comenta, surgiu em 1981. Depois vieram outros e, atualmente, são seis no total. Garcia ainda avaliou três ocupações vizinhas aos CH: a do Parque Vista Alegre, a de Eldorado dos Carajás e a do Núcleo Nossa Senhora Aparecida.


A pesquisadora expõe que, cogitando a viabilidade de pesquisar alguma área periférica da cidade, constatou que seria muito interessante compreender a história dos DICs, cuja concepção primeira foi concentrar um parque industrial dentro dos seus domínios. Isso na década de 1970.

Tudo começou, segundo a arquiteta, com a Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) coordenando a formação desse parque. Com isso, passaram a surgir indústrias no local. Ela conta, porém, que a Emdec entrou em falência e, em razão disso, houve um impasse de transferência das glebas para os reais proprietários das indústrias. “Não foram estabelecidas tantas indústrias como se planejava, gerando a necessidade de reestruturar a área”, resgata. Foi feito um “plano b”, relata, e assim a Companhia de Habitação Popular (Cohab) – em parceria com o Banco Nacional de Habitação (BNH) – construiu os conjuntos. Nesse contexto nasceram então os DICs.

Fronteiras
O perfil populacional dos CHs e das ocupações é semelhante. Todos têm baixo poder aquisitivo. São mulheres em sua maioria. Estão numa faixa etária compreendida entre 20 e 40 anos. “O que vemos a priori nas ocupações é uma grande informalidade em termos de trabalhos e, nos CHs, as pessoas atuam em postos mal remunerados, como empregadas domésticas, auxiliares de limpeza e estoquistas. Elas não dispõem de uma boa qualificação para alcançar empregos melhores”, informa a arquiteta.

Nos CHs, foi feito um adensamento populacional, prossegue Garcia, pois esta era a meta da Cohab na época. “Portanto, há uma monotonia impressa na habitação, sem grande preocupação com a estética e com a sua inserção no tecido urbano. Logo, esta monotonia habitacional é bem aparente na paisagem urbana dos conjuntos”, revela.


Por mais que as duas populações tenham um perfil de faixa etária que deveria estar inserida no mercado de trabalho, elas não estão. Os poucos inseridos demonstram uma carência de investimentos na capacitação profissional para que ocupem outros patamares, desta vez em empregos formais.

Logo que chegou às ocupações, a pesquisadora percebeu grande diversidade de usos, possibilitando aos moradores usufruírem melhor de serviços, de comércio e de soluções que atendessem às suas necessidades. Também percebeu que nas ocupações havia maior funcionalidade do que nos conjuntos, locais onde notou um planejamento bastante setorizado.

A despeito de não ter feito uma proposta de intervenção urbana, Garcia imagina que esse seria o caminho natural a ser trilhado. Mas sua ideia se restringiu, nesta etapa, à realização de uma análise da morfologia urbana a fim de comparar duas áreas tão próximas, porém com marcas específicas.

De acordo com ela, um ponto positivo das ocupações foi o fato de ela ter essa diversidade de usos e cada habitação ser construída de um jeito, sem um padrão rígido. Mesmo se levada em conta a questão do acabamento (não em relação a emboço, reboco, e sim se aquela unidade habitacional promovia conforto e qualidade), ele não estava tão precário, embora nos CH a qualidade fosse mesmo superior.

Tanto as ocupações como os conjuntos, quando pareados, descortinaram um panorama das unidades habitacionais com áreas muito reduzidas. Por este motivo, a população acabou por estreitar de vez a relação público/privado e, assim, atividades que seriam desempenhadas dentro de casa passaram a sê-lo nas ruas. As crianças, afinal, brincam nesses espaços, os adultos conversam na porta de casa, os jovens se encontram nas esquinas – tudo pela falta de espaços para lazer. Deste modo, a rua deixa de ter o designativo de área de circulação de carros somente para ser lugar de convívio social.

Nos moldes para os quais foram concebidos, os espaços nas ocupações proporcionam uma maior qualidade que o planejamento urbano setorizado dos DICs, onde a população local ficou presa porque, por mais que tenham áreas separadas para uso institucional, comercial e de lazer, eles ainda são mínimos. “Existem áreas nos CHs pensadas com esses propósitos, contudo não foram implementadas. Hoje se tornaram matagais e servem de depósito de lixo”, afirma a pesquisadora.

As áreas úteis não conseguem atender à demanda da população, ainda que haja muitos espaços ociosos, com vazios urbanos. Na saúde, faltam equipamentos e o público é bem superior ao que o sistema pode suportar. As maiores dificuldades da população dos CHs e das ocupações estão na marcação de consultas médicas e de exames laboratoriais. Para eles, o Hospital mais próximo é o Ouro Verde e há dois centros de saúde – um que fica dentro do DIC I e outro do DIC III, para atender pessoas dos seis DICs. Já nas ocupações, o único centro de saúde fica localizado no Parque Vista Alegre.

Algumas poucas indústrias estão ali situadas. A proposta inicial, de um parque industrial, hoje ganhou um uso mais habitacional. “Acredito que esse deslocamento ocorreu decorrente de processos que ficaram engessados no meio do caminho, não conseguindo atraí-las para a região”, problematiza Garcia.

Ponderações
A pesquisa de campo e a observação sistemática foram as principais estratégias utilizadas pela arquiteta neste estudo, que compreendeu os anos de 2008 a 2010. Garcia reuniu um arcabouço de fotografias, entrevistas sobre a qualidade dos espaços, mapas de destinações e relatórios.

O fato de as ocupações terem uma diversidade de usos e os CHs um planejamento setorizado, com a ressalva de tornarem os moradores sem muitas opções de lazer e comércio, foram indicados como pontos característicos das áreas estudadas na dissertação. Já a questão das áreas institucionais não aproveitadas sobressaiu como um aspecto desfavorável tanto para as ocupações como para os conjuntos.

Por mais que se justifique que nos conjuntos esses espaços tinham um destino, não houve um nítido investimento nesta direção, ao passo que, nas ocupações, diante da pouca interferência política, fez com que os moradores se apropriassem dos espaços e os transformassem em área de lazer, como os campos de futebol. Mas a falta de espaço para lazer foi notável nas duas amostras analisadas.

Conforme Garcia, o DIC III não teve destinação comercial pois somente em 1988, vigorando a Lei de Uso e Ocupação do Solo, foi que se admitiu esta possibilidade. Na verdade, os conjuntos têm características residenciais, por isso diz-se de um planejamento setorizado. Com isso, a sua preocupação é adensar ao máximo para abrigar a população de baixa renda. Fato é que ali têm casas e também apartamentos.

Há áreas dentro das ocupações nas quais se consegue visualizar a horizontalidade e, ao fundo, apartamentos que revelam a verticalização dos CHs, como tentativa de adensar ainda mais. “Campinas deve olhar com carinho para esta região. Isso porque, dentro de um zoneamento feito pela Prefeitura Municipal, ela é uma área prioritária de qualificação, fato que poderia melhorar a sua qualidade espacial”, salienta Garcia.

Para a arquiteta, foi curioso concluir que nas ocupações houve uma preocupação da população inclusive em destinar espaços para as ruas e as calçadas, mesmo não havendo pavimentação e rede de esgoto. “É uma visão de futuro. É certo que há pontos em que se identificam faixas não edificantes, com rede de alta tensão passando no meio do bairro e que acabam sendo ocupadas. Isso não é permitido. O ideal é retirar essa população dali por estar ocupando uma faixa que a expõe diariamente a risco de morar embaixo de uma rede de alta tensão”, avisa. O interessante nas ocupações é que, mesmo sem o Estado, as pessoas buscam soluções que adaptam os espaços às suas necessidades.

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Publicação
Dissertação:
“Espaços urbanos derivados da implantação de conjuntos habitacionais e áreas de ocupação ilegal: o caso do Distrito Industrial de Campinas”
Autora: Ana Letícia Guimarães Garcia
Orientador: Lauro Luiz Francisco Filho
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
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