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Concebido pelo professor Aruy Marotta, equipamento
é testado com sucesso em siderúrgica de grande porte


Tocha de plasma desenvolvida no
IFGW melhora qualidade do aço

MANUEL ALVES FILHO

O professor Aruy Marotta, coordenador das pesquisas: país não precisará mais recorrer a empresas internacionais especializadas na tecnologia ( Fotos: Antoninho Perri/Divulgação)Quando deu início às pesquisas que objetivavam desenvolver uma tocha de plasma para ser aplicada na indústria siderúrgica brasileira, o professor Aruy Marotta, do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, pioneiro na área no país, foi considerado excêntrico, para empregar um termo eufemístico. Decorrida quase uma década, os resultados dos estudos dão razão à ousadia do docente. No final do ano passado, ele e sua equipe testaram com sucesso, pela primeira vez no Brasil, o equipamento numa siderúrgica de grande porte. “A experiência abre perspectiva para que o país passe a utilizar tochas de plasma para elevar a produção e a qualidade do seu aço, sem ter que recorrer a empresas internacionais especializadas nesse tipo de tecnologia”, comemora o cientista, que já trabalha em novo projeto, um desdobramento do anterior.

Energia elétrica é transformada em térmica

O teste em questão foi realizado na Villares Metals, maior produtora de aços especiais não-planos de alta-liga da América Latina, instalada em Sumaré, cidade da Região Metropolitana de Campinas. A empresa colabora com as pesquisas em torno da tocha de plasma desde 1998, quando ingressou juntamente com o grupo liderado pelo professor Marotta no programa denominado Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), mantido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A pesquisa também contou com apoios financeiros do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ambos vinculados ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

A tocha de plasma em funcionamento na siderúrgica Villares Metais: otimização da produçãoNa avaliação do físico da Unicamp, o experimento demonstrou a total aplicabilidade da tecnologia. “Nós não testamos a tocha de plasma diretamente na linha de produção da Villares porque isso atrapalharia a operação da empresa, visto que ela dispõe de uma máquina de lingotamento contínuo apenas. Entretanto, nós reproduzimos as condições reais de operação na própria aciaria, num distribuidor com capacidade para três toneladas de aço líquido. Os resultados foram excelentes”, avalia. A expectativa do professor Marotta é que a tecnologia desenvolvida no país passe a ser empregada pelo setor siderúrgico nacional. Diversos países no mundo já se valem desse recurso, com destaque para o Japão. “A partir de agora, se alguma indústria brasileira quiser usar a tocha de plasma, ela não precisará mais recorrer ao conhecimento externo”.

Dito de maneira simplificada, a tocha de plasma funciona como uma espécie de resistência, que transforma energia elétrica em térmica. Em vez de um fio de metal, o equipamento é composto por um arco elétrico que gera um “relâmpago” contínuo. A tecnologia produz temperaturas altíssimas, da ordem de 3 mil a 70 mil graus centígrados. Incorporada ao sistema de lingotamento contínuo de uma siderúrgica, ela permite manter estável a temperatura do distribuidor, tanque intermediário que recebe o aço na forma líquida, que na seqüência será transformado em lingotes. Esse cuidado é fundamental para assegurar a qualidade do metal, conforme o professor Marotta.

A tocha de plasma em funcionamento na siderúrgica Villares Metais: otimização da produção

O docente da Unicamp explica que durante o método convencional de produção dos lingotes ocorre grande oscilação de temperatura. O distribuidor que recebe o metal líquido tem uma temperatura muito alta. Com o passar do tempo (o processo leva perto de duas horas), tanto o tanque quanto o aço vão esfriando, comprometendo a qualidade do produto final. Segundo o pesquisador, quando o metal está muito quente, ocorre o que os especialistas chamam de segregação, ou seja, a sua estrutura perde a homogeneidade. Quando esfria, a tendência é que partículas de cerâmica (inclusões) sejam formadas em seu interior, o que também é indesejável.  A tocha de plasma mantém a temperatura constante ao longo do processo. “Com isso, o aço ganha em qualidade e em valor agregado, pois pode ser usado por segmentos como a indústria aeronáutica”, informa o professor Marotta.

Além de ajudar a elevar a produtividade e qualidade do aço brasileiro, a tocha de plasma também deverá contribuir para a redução dos custos de produção, conforme o coordenador do projeto. Como o equipamento mantém a temperatura do sistema constante, não haverá a necessidade de o metal ser superaquecido em sua etapa inicial. Isso fará com que haja economia de energia e ampliação da vida útil do material refratário e dos eletrodos que compõem os fornos industriais. Uma das características da tocha de plasma, acrescenta o professor Marotta, é o fato de ela ser altamente eficiente na conversão da energia elétrica em térmica, com índices de até 95%.

Ademais, a tecnologia pode se valer de qualquer gás para conduzir a corrente elétrica. As tochas de plasma, destaca o pesquisador, têm inúmeras aplicações nas áreas de metalurgia, meio ambiente, química e novos materiais. “Freqüentemente somos procurados por empresas interessadas”, diz o professor Marotta. O cientista esclarece que o plasma é um gás ionizado, considerado como o quarto estado da matéria. Os outros três são os estados sólido, líquido e gasoso. O plasma pode ser dividido em frio e térmico. Um exemplo do primeiro é a lâmpada fluorescente. O relâmpago é um exemplo natural do segundo.

Histórico – De acordo com o professor Marotta, as pesquisas em torno da tocha de plasma tiveram início no país em seu laboratório na Unicamp, em 1980. Seus alunos ajudaram a criar laboratórios de plasma térmico no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). O docente da Unicamp colabora intensamente com especialistas estrangeiros, principalmente das ex-repúblicas soviéticas, onde se formou. Sua dedicação às tochas de plasma para aplicações metalúrgicas partiu da necessidade do setor produtivo.

Em 1997, a Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais (ABM) enviou à professora Cecília Zavaglia, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, carta convidando-a a participar do esforço para o desenvolvimento de novas tecnologias que pudessem conferir maior eficiência ao segmento. “A professora Cecília entrou em contato comigo e me colocou a par dessa chamada. Formatei três projetos de pesquisas em torno do plasma térmico, mas infelizmente eles não foram acatados”, lembra o cientista. Ato contínuo, o docente da Unicamp buscou uma alternativa de financiamento. Procurou a direção da Villares Metals e propôs parceria para o desenvolvimento da tocha de plasma para ser usada no processo de lingotamento contínuo da empresa.

Sugestão aceita, as duas partes submeteram o projeto à Fapesp, que aceitou bancar parte da empreitada. “O projeto era ousado desde o início, visto que exigiria uma infra-estrutura semelhante à da indústria. Na época, algumas pessoas pensaram que eu estava louco. Dez anos depois, porém, ficou provado que estava certo”, diverte-se o professor Marotta. Para chegar ao estágio de teste na indústria, porém, o pesquisador e seu grupo precisaram vencer algumas etapas e muitas dificuldades. A primeira delas foi a construção do Laboratório de Plasma Industrial (LPI), que foi concluído em 2001, com o apoio da Unicamp e das agências de fomento já mencionadas.  

Outro desafio foi o desenvolvimento, no próprio LPI, de uma fonte com 500 quilovolts-ampére (kVA) de potência para alimentar a tocha de plasma. A fabricação do equipamento coube a uma empresa particular contratada. Conforme o professor Marotta, a Villares Metals demonstrou intenção de incorporar a tocha de plasma ao seu sistema de lingotamento contínuo, o que deve acontecer a partir de 2010, segundo Celso Barbosa, representante da empresa. A demora se deve ao custo de implantação, que pode alcançar a casa dos US$ 2 milhões. Sobre a proteção dos direitos de propriedade intelectual envolvidos na pesquisa, o docente da Unicamp informa que a questão está sendo analisada e encaminhada pela Agência de Inovação Inova Unicamp. “O pessoal da agência tem dado um excelente suporte em todas as etapas do projeto”, destaca o cientista.

De acordo com ele, a infra-estrutura dedicada ao desenvolvimento de tecnologias de plasma térmico em nível de plantas-piloto montada no LPI já está servindo a diversos outros tipos de estudos, entre eles um que também está sendo financiado pela Fapesp, mas por meio do programa denominado Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe). O objetivo é conceber um forno a plasma que promova a separação do aço contido na lama gerada pela produção das indústrias de ferramentas. O metal, segundo o professor Marotta, possui grande valor agregado, mas é descartado como rejeito. Aos que considerarem a iniciativa mais uma excentricidade do professor Marotta, ele avisa: aguardem pelos resultados da pesquisa.

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