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Nasa busca, na constituição geológica marciana,características
análogas às formações rochosas da Terra

Carajás, Marte

PAULO CÉSAR NASCIMENTO

O professor Carlos Roberto Souza Filho, do IG: busca de evidências tem como parâmetros achados mineralógicos em terrenos brasileiros (Foto: Antoninho Perri)Quase uma década de envio de satélites e robôs para prospectar o planeta Marte permitiu aos cientistas confirmar que algumas regiões da superfície do planeta já foram cobertas por água e tiveram ambiente propício à existência de vida. A conclusão aguçou ainda mais a curiosidade dos que se debruçam sobre os mistérios do astro e só fez intensificar os esforços para determinar se, de fato, o avermelhado corpo celeste alguma vez abrigou seres vivos. Agora, a busca de evidências tem como parâmetros achados mineralógicos em terrenos brasileiros e inclui a participação de um pesquisador do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.

Carlos Roberto Souza Filho, professor de Geologia, é o único representante de instituições de pesquisa latino-americanas em um ambicioso projeto financiado pela Nasa (agência espacial norte-americana) para identificar na constituição geológica marciana, a partir de sensores a bordo de satélites e robôs automatizados, características análogas às formações rochosas da Terra que abrigaram estruturas biológicas muito primitivas.

Fotos: DivulgaçãoA Serra dos Carajás, no Pará, maior reserva mundial de minério de ferro, é também o sítio mineralógico com um dos mais antigos vestígios de vida no mundo. Seu manancial geológico é objeto das pesquisas de Carlos. Ele e os demais integrantes do programa acreditam que a comparação de ambientes entre os dois planetas ajudará a encontrar, em Marte, locais onde possa ter existido vida num passado distante ou mesmo onde possa existir atualmente algum tipo de organismo.

Ao alto, pesquisadores em trabalho de campo (destaque) na Serra dos Carajás, cuja reserva de minério de ferro é a maior do mundo; acima, robô de prospecção (destaque) e solo marciano:  cientistas acreditam que comparação de ambientes entre os dois planetas ajudará a encontrar, em Marte, locais onde possa ter existido vidaBandas – Por meio de pesquisas de campo e de técnicas de sensoriamento remoto, Carlos estuda uma formação ferrífera denominada jaspelito, rocha que dá origem ao minério de ferro explorado desde a década de 80 pela Companhia Vale do Rio Doce na Serra dos Carajás. Essas rochas formaram-se há 2,75 bilhões de anos, período de constituição dos grandes continentes do planeta conhecido como Precambriano. Visualmente, diferenciam-se por apresentar em sua composição bandas avermelhadas e bastante definidas de quartzo, intercaladas por bandas de minerais de ferro, como hematita.

Segundo o professor, essa forma de deposição mineral pode ter sido influenciada pela ação de um ambiente marinho, tese reforçada por outro peculiar achado relacionado ao jaspelito de Carajás: o minério encontra-se intercalado por basalto, uma rocha magmática que, nesse caso, muito provavelmente formou-se a partir de erupções vulcânicas submarinas, com extravasamento de lava e resfriamento pela ação da água do mar.

“Esse ambiente geológico caracterizado pela intercalação de rochas vulcânicas basálticas com rochas sedimentares do tipo formações ferríferas bandadas, muito provavelmente existe em Marte”, salienta Carlos. “Boa parte dos terrenos marcianos são cobertos por basaltos, mas a confirmação de analogia depende da associação com jaspelitos. Se isso for verificado é grande a chance de encontrarmos um ambiente que teria sido propício à formação de alguma vida primitiva”, observa.

Ao alto, pesquisadores em trabalho de campo (destaque) na Serra dos Carajás, cuja reserva de minério de ferro é a maior do mundo; acima, robô de prospecção (destaque) e solo marciano:  cientistas acreditam que comparação de ambientes entre os dois planetas ajudará a encontrar, em Marte, locais onde possa ter existido vidaVida na rocha – Outro detalhe capaz de reforçar essa possibilidade é o fato de já terem sido identificados organismos unicelulares muito primitivos em amostras de jaspelito, conforme descrição de um ex-aluno de doutorado do IG, Joel Macambira. Atualmente professor da Universidade Federal do Pará, Joel analisou estruturas esferoidais milimétricas (14-27 mm) contidas nas formações ferríferas, com núcleo de hematita (2-4 mm), circundados por quartzo microcristalino (“chert”), que por sua vez são envoltos por um halo de hematita. O pesquisador interpretou essas estruturas como cianobactérias (micróbios que fazem fotossíntese) fossilizadas na rocha.

Ao alto, pesquisadores em trabalho de campo (destaque) na Serra dos Carajás, cuja reserva de minério de ferro é a maior do mundo; acima, robô de prospecção (destaque) e solo marciano:  cientistas acreditam que comparação de ambientes entre os dois planetas ajudará a encontrar, em Marte, locais onde possa ter existido vidaEssas espécies de algas microscópicas também foram identificadas por pesquisadores na Austrália em sedimentos ainda mais antigos do que Carajás. Lá, em rochas com idade estimada em 3,5 bilhões de anos, encontraram estromatolitos, estrutura semelhante ao limo produzida por micróbios.

A diferença entre os dois achados, explica Carlos, está no seguinte: não há ainda um consenso científico de que a formação dessas estruturas contidas no jaspelito de Carajás, conforme descrito por Joel, seja resultado de ação bacteriana. Para uma corrente de geólogos, a deposição do ferro depende da disponibilidade de oxigênio, cuja origem seria produto de fotossíntese bacteriana. Já para outra, o fenômeno da deposição mineral pode ocorrer exclusivamente de forma química, sem depender de bactérias.

Em relação aos estromatolitos australianos, contudo, não há qualquer controvérsia: eles têm origem comprovadamente biológica. Por isso, a grande expectativa agora é tentar verificar a presença desses organismos nas formações ferríferas de Carajás, a exemplo do achado australiano.

“Estromatolito é prova sine qua non de evidência biológica. Se confirmarmos essa cianobactéria em jaspelito tão antigo quanto o de Carajás, será um dos poucos achados nesse tipo de rocha no mundo. E o fato de existir organismos associados a essa rocha em particular acentua de maneira muito séria a chance de existir vida em formações análogas que venham a ser encontradas em Marte”, ressalta o pesquisador da Unicamp.

Assinaturas espectrais identificam sedimentos

O trabalho de Carlos e dos demais pesquisadores que integram o programa Estudo de Ambientes Análogos Terra-Marte consiste em extrair das rochas informações mineralógicas do ponto de vista espectral. Ou seja, detalhes a respeito de sua composição são obtidos por meio de sensores específicos e transformados em dados matemáticos distintos para as diferentes formações encontradas no universo mineralógico. Essas assinaturas espectrais é que permitem identificar esses sedimentos mesmo sem tocá-los, a partir de sensores posicionados a distâncias que podem variar de poucos centímetros a 700 quilômetros, como ocorre nos satélites de prospecção.

Como ainda não é possível empreender pesquisa de campo fora da Terra, é graças a esse recurso tecnológico batizado de sensoriamento remoto que tem sido possível conhecer, com riqueza de detalhes, aspectos da constituição geológica de Marte. As sondas orbitais e os robôs em operação em solo marciano são alimentados com bancos de dados espectrais das formações rochosas de interesse dos cientistas, e mais do que as imagens de alta resolução da superfície – as sondas orbitais atuais conseguem imagear objetos de até 25 centímetros –, são essas informações que permitem aos aparatos teleguiados encontrar e identificar formações similares às da Terra, ainda que estejam parcialmente expostas em terrenos marcianos, comparando os dados geológicos armazenados com aqueles coletados por sensores cada vez mais sensíveis.

A crença de que Marte sempre foi desértico, por exemplo, só mudou depois que a interpretação das informações enviadas pelos sensores espectrais a bordo de sondas orbitais e robôs, que vasculharam a superfície marciana nos últimos anos, permitiu identificar evidências incontestáveis da presença de água líquida no passado de Marte, como a existência de minerais de argila e sulfatos (que somente se formam na presença de água líquida), além de traços físicos devido à erosão por fluxo de água.

Agora, para descobrir a existência de jaspelito em Marte e – torcem os cientistas – a presença de cianobactérias capaz de evidenciar a existência de vida, será necessário municiar sondas e robôs com os dados espectrais dos achados em Carajás e na Austrália.

“Se conseguirmos identificar em alguma região do solo marciano um conjunto similar dos elementos que encontramos aqui na Terra, ou seja, os mesmos minerais, a mesma assinatura espectral, a intercalação de formações ferríferas com rochas basálticas, aí teremos que concentrar e aprofundar as observações das futuras missões nessa área, porque seria o achado que mais se aproximaria de uma evidência de vida primitiva em Marte”, defende Carlos. “Isso tem uma série de implicações. Uma das mais drásticas é que a probabilidade de existir vida em outras planetas aumenta astronomicamente se encontrarmos alguma evidência de vida em Marte”, sentencia.

Grupo de Ciências Planetárias da Unicamp é o único do país

Além do laboratório montado no IG da Unicamp, a análise espectral das amostras do projeto ocorre simultaneamente em outros dois centros de investigação: no Jet Propulsion Lab (o laboratório de propulsão a jato da Nasa, responsável pelas missões a Marte) e no Serviço Geológico norte-americano, de forma a assegurar que os resultados sejam semelhantes nos três e possam ter a confiabilidade necessária. Outras instituições integrantes do programa são a Universidade do Arizona e o Instituto SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence) dos EUA.

O projeto conta com recursos anuais da ordem de US$ 1,5 milhão e nasceu há dois anos quando alguns pesquisadores, entre os quais Carlos, decidiram unir suas expertises em sensoriamento remoto para estudar regiões geológicas muito antigas no mundo todo e utilizar os resultados para a busca de ambientes análogos em outros planetas.

Contribuiu decisivamente para o ingresso do professor da Unicamp no seleto grupo de oito cientistas do programa as pesquisas pioneiras que ele desenvolve em uma área da Geologia praticamente incipiente no Brasil: as Ciências Planetárias.

“Um dos braços desse ramo científico é a formação dos planetas, que envolve, de A a Z, processos geológicos”, justifica o especialista. “Os processos que ocorreram na história evolutiva tanto de Marte como da Terra são processos essencialmente geológicos e, portanto, similares”, esclarece o responsável pela criação, há quatro anos, na Unicamp, do único grupo de Ciências Planetárias dentro da área de Geociências no País.

Além das pesquisas com formações ferríferas que remontam a períodos muito primitivos de nossa história geológica, a equipe internacional também estuda formações representativas de outros períodos evolutivos da Terra e de Marte com o intuito de identificar possíveis formas de vida. Exemplo são os lagos secos do Vale da Morte, ou Death Valley, uma árida depressão geográfica localizado ao norte do Deserto de Mojave, nos Estados Unidos, Estado de Califórnia. Trata-se de um tipo de superfície já observado em solo marciano, em áreas que corresponderiam ao período mais recente de sua evolução.

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