| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 325 - 29 de maio a 4 de junho de 2006
Leia nesta edição
Capa
Artigo: Semicondutores
Cartas
Instituto de Computação
Mundialização
Mandarim 26
Futebol
Estudo: Jornal da Unicamp
Painel da semana
Teses
Unicamp na mídia
Livro da semana
Portal da Unicamp
Inglês para crianças
Leis para refugiados
Cárie e gengivite
Educação moral
 


2

Artigo

A política industrial e
tecnológica de semicondutores


JACOBUS W. SWART
WILHELMUS VAN NOIJE

O professor Jacobus Swart, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação: economia e tecnologia baseadas em silício avançarão até 2020 (Foto: Neldo Cantanti)No segmento dinâmico da nano e microeletrônica, de US$ 230 bilhões por ano, o Brasil não tem participação como produtor – e consome cerca de 2% da produção mundial. A declaração do ilustre Sérgio Mascarenhas (em entrevista a Luís Nassif, FSP de 25 de abril último) afirmando que os semicondutores representam uma das áreas em obsolescência ou um ciclo de esgotamento tecnológico merece ser confrontada com os fatos. A produção de chips avança cerca de 12% anualmente, em dólares, e o avanço tecnológico previsto pela indústria internacional, segundo documento consenso da indústria, disponível em itrs.net, informa que a economia e tecnologia baseadas em silício avançarão até 2020. O Brasil tem política industrial e tecnológica para semicondutores, e corretamente busca incentivar laboratórios e também atrair fábricas de semicondutores para o país, em contrapartida à definição da TV digital, por exemplo. A corrente comercial (importação mais exportação) do Brasil em componentes eletrônicos e elétricos foi de 11,9 bilhões de dólares em 2005.

À exceção dos pontos com os quais concordamos com o ilustre cientista, como a importância de formação de redes de pesquisa, necessidade de “trabalhar na guerrilha”, ou seja, um desenvolvimento gradual, em várias frentes e intenso, no detalhe da estratégia para o futuro o cientista se equivoca e diverge de centenas de empresas que crescem globalmente há 40 anos. As grandes contribuições do Dr. Mascarenhas foram com base na instrumentação eletrônica baseada em chips, e assim fazem mais de 50 mil engenheiros e cientistas, que dedicam aos semicondutores mais de US$ 40 bilhões anualmente em P&D e capital fixo em fábricas de altíssima tecnologia.
O debate sobre o tema é de grande importância para a implementação correta da política industrial e científica da área. Pretendemos contribuir com este debate.

Obsolescência ou ciclo de esgotamento dos semicondutores? Esta colocação é muito forte e equivocada. O mapa de estrada (roadmap) elaborado pela ITRS (International Technology Roadmap for Semiconductors) prevê a evolução da tecnologia de chips CMOS até pelo menos o ano 2020. Isto não significa que esta tecnologia terá vida apenas até 2020, muito pelo contrário, a eletrônica baseada no semicondutor de silício deverá prevalecer ainda por muito tempo, muitas décadas. A tecnologia CMOS em silício (Si) é uma tecnologia madura, resultado de enormes investimentos feitos ao longo de décadas e por inúmeras pessoas e entidades.

Novidades – Certamente, novidades virão. Muitas estão em desenvolvimento nos laboratórios de empresas e universidades. Várias das idéias possivelmente nunca vão se tornar produtos, por falta de praticidade ou baixa competitividade com outras tecnologias. Existem várias idéias, propostas ao longo da história, prometendo um futuro brilhante, sendo que continuam esperando por este futuro. Uma frase histórica (ouvimos desde os anos 70) sobre o semicondutor de GaAs para substituir o Si: “o GaAs é o material do futuro e sempre será um material do futuro”. Ele tem propriedades superiores ao do Si, porém isto não é suficiente. Mas, seguramente, novos dispositivos poderão um dia substituir o CMOS. Porém é mais provável que estes novos dispositivos sejam antes adicionados à tecnologia CMOS, mantendo por exemplo o CMOS como interface com o mundo externo do sistema.

Em todo caso, um sistema com dispositivos novos, muito provavelmente, no mínimo usarão a plataforma tecnológica desenvolvida para os circuitos integrados CMOS sobre Si, usando inclusive o Si como substrato. Serão as empresas de semicondutores que dominarão esta transição. Em outras palavras, quem não dominar a tecnologia de microeletrônica, dificilmente terá sucesso ou participação significativa no futuro da nanoeletrônica e associados. Ou seja, não se iluda em pegar o próximo bonde, sem dominar o atual. Veja a história: as empresas que dominavam eletrônica a válvula e chaves eletromecânicas, no período pós-guerra, foram as que introduziram os dispositivos e circuitos a semicondutores.

O mercado da eletrônica cresceu à média anual de 9% nos últimos 40 anos, enquanto o mercado de semicondutores cresceu cerca de 16% ao ano. Em aproximadamente 15 anos, o custo de um sistema eletrônico será igual ao de seus componentes, resultado da tendência de alta integração, em nível de sistema em chip (system on chip) ou sistema em cápsula (system in package). Ou seja, quem não fabricar componentes estará fora do mercado de eletrônica e de hardware para informática, telecomunicações, etc. Oportunidades para produtos eletrônicos não param de crescer. Há muita demanda por inovações com aplicações nas várias atividades humanas, entre as quais citamos a automatização total (casas, edifícios, estradas, automóveis inteligentes), a computação ubíqua, integração dos meios de comunicação (todos conectados em qualquer lugar), agricultura de precisão, medicina moderna, etc. Mesmo lâmpadas a filamento serão substituídas por emissores de luz a semicondutor.

Migração – Uma indicação da alta demanda por inovação e o não esgotamento dos semicondutores é a migração de várias grandes empresas para países emergentes. Só no final do último ano, IBM, AMD, Intel, Broadcom e Cisco anunciaram grandes investimentos na Índia, não apenas por seu potencial mercado, mas sobretudo pela disponibilidade de grande número de engenheiros talentosos e de menor custo (IEEE Spectrum, março 2006). O Brasil pode e deve participar desta oportunidade.
Além de representar um grande mercado, a eletrônica faz parte dos equipamentos necessários nos vários setores econômicos e das atividades humanas, e assim deveria ser considerada uma área estratégica. Os circuitos integrados agregam valor aos produtos e os tornam mais competitivos. Ficar fora do mercado de componentes é abdicar da eletrônica no futuro, constitui uma opção equivocada e perigosa para um país com dimensões continentais como o Brasil. O país necessita de uma política efetiva para o setor de semicondutores e de ações concretas para sua efetivação.

Atrair fábricas do exterior deve fazer parte desta política e não devemos desperdiçar oportunidades como a da definição do padrão da TV digital. Há espaço para diversos níveis de fábricas, incluindo fábricas do tipo back-end, front-end, leading edge, bem como de tecnologias mais simples para nichos de mercados. Todos contribuem com empregos, divisas e implantação de um ambiente sinergético. Estabelecimento de centros de projeto de circuitos integrados e sistemas é também de fundamental importância. O modelo não deve se restringir a um ou outro tipo de iniciativa.

Um e outro – A atração para o país de empresas e/ou estímulo à criação de novos empreendimentos requer superar custos do Brasil, questões tarifárias (hoje um chip pronto tem alíquota menor que a de insumos para a sua fabricação no país), logística alfandegária, e sobretudo capacitação de recursos humanos. Países como Coréia do Sul, Taiwan e mais recentemente China e Índia apresentam sucesso em parte pelo seu investimento contínuo e diferenciado em engenharias e ciências correlatas. Concordamos com o professor Mascarenhas sobre a importância de formação de redes de pesquisa para o desenvolvimento de aplicações e tecnologias, porém não podemos concordar com sua colocação da “decadência de grandes centros de pesquisa”. É verdade que alguns centros de pesquisa de empresas foram desmantelados em parte, como aconteceu com a Bell Labs por exemplo, mas há inúmeros grandes centros trabalhando a todo vapor e outros sendo criados atualmente, inclusive nos Estados Unidos. O desenvolvimento de tecnologias complexas necessita de infraestrutura sofisticada, a qual não pode ser distribuída. Novamente, não pode ser “um ou outro” ao se tratar de nano e microtecnologias, e sim “um e outro”. Ambos se complementam e devem trabalhar de forma integrada.


Jacobus W. Swart é coordenador da rede de pesquisa Namitec (Instituto de Milênio do CNPq/MCT) e professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp.

Wilhelmus van Noije é presidente da SBMicro (Sociedade Brasileira de Microeletrônica) e professor da Escola Politécnica da USP.



SALA DE IMPRENSA - © 1994-2005 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP