| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 325 - 29 de maio a 4 de junho de 2006
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Livro traz reflexões sobre a ética e seu ensino
entre os temas transversais no currículo das escolas

Que autoridade temos para dar
educação moral a crianças e jovens?

LUIZ SUGIMOTO

A professora Geni Ramos da Silva em aula de unidade da Febem (Foto do Livro Teia do Saber): necessidade de fomentar em crianças e jovens a atitude reflexiva sobre temas ético-morais (Foto: Antonio Scarpinetti)Ética e Educação – Reflexões filosóficas e históricas é um livro inspirado em conversas de corredor na Faculdade de Educação da Unicamp, entre os professores José Claudinei Lombardi, Pedro Goergen e José Luís Sanfelice, e consolidado a partir de subsídios colhidos em três mesas-redondas no 14º Encontro Nacional de Educadores em Paulínia (Enep), que teve cerca de 3.000 participantes. Logo no prefácio, Pedro Goergen observa que a ética é o tema do momento, fato que se deve, em sua opinião, à desestabilização dos valores tradicionais que pautavam a conduta humana e ao exponencial poder de manipulação, tanto do homem como da natureza, mediante o uso dos recursos da ciência e da tecnologia. “O homem perdeu os parâmetros éticos e sua vida tornou-se arriscada”, escreve, referindo-se às causas e efeitos da miséria, fome, guerras, discriminações, desemprego, marginalidade e outras tragédias do mundo de hoje. E, diante desse mundo, quais são os valores que os educadores devem transmitir aos jovens, é a questão que o autor procura realçar, recorrendo a Nietzsche: “Em nome de quem exercer tal influência se os deuses antigos estão mortos e novos deuses ainda não surgiram?”.

Educadores criticam imposição de valores e normas

Em entrevista sobre o livro que organizou juntamente com José Lombardi, Pedro Goergen lembra os dois processos que permeiam a formação ética das pessoas: em primeiro lugar, a socialização, que leva o indivíduo a assumir tradições, valores e normas, inserindo-se no ethos social; em segundo lugar, a individuação, que representa a constituição da autonomia moral do sujeito, por meio da conscientização e reflexão que lhe permitem assumir posições e decisões próprias. “Esses dois movimentos enfrentam importantes dificuldades num momento histórico em que se manifestam graves ambivalências e contradições no interior da sociedade, na medida em que valores e comportamentos tradicionais entram em crise e novos consensos não são encontrados”, reitera.

Os professores Pedro Goergen, José Luís Sanfelice e José Claudinei Lombardi, da Faculdade de Educação: conversas de corredor inspirando o livro (Foto: Antonio Scarpinetti)Goergen acrescenta que, nesse contexto, a educação moral se defronta com sérios problemas porque perde o fundamento de sua autoridade. “A pergunta é: em nome de quem, de qual autoridade podemos fazer educação moral? Família e escola, bem como outras instâncias sociais, se vêem diante dessa difícil pergunta, que a meu ver não pode ser respondida sem levar em conta a dimensão social do ser humano. No livro Ética e Educação busco argumentar que a principal tarefa da escola não consiste na imposição de valores e formas de conduta, mas no fomento em crianças e jovens de uma atitude reflexiva a respeito dos grandes temas ético-morais da contemporaneidade, tendo como perspectiva tanto as exigências individuais quanto as carências e urgências sociais”, explica Pedro Goergen.

Modismo – O professor José Lombardi, por sua vez, ressalta que a ética é um dos temas transversais introduzidos na grade curricular do ensino fundamental – ao lado de outros temas sociais como saúde, meio ambiente, pluralidade cultural, orientação sexual e trabalho e consumo. Parte-se do princípio de que a escola é o lugar de formação do cidadão. A proposta dos temas transversais surgiu no processo de elaboração dos chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para a reforma educacional brasileira, justificada pela necessidade de adequação da educação ao atual momento histórico, marcado por uma grande mudança econômica e social, a propalada globalização do capitalismo.

Na visão de Lombardi, porém, o que se pretendeu com os temas transversais, na prática, foi ocupar o espaço do ensino religioso e da educação moral e cívica. “Não existe uma discussão única sobre ética, mas várias discussões possíveis. Entretanto, nas reformas curriculares, a ética acaba aparecendo como tema da moda, banalizado, alçado como panacéia para todos os males. É como se houvesse uma essência que estabelece o que é bom e o que é ruim, o que é válido e o que não é válido para todos os homens. Na forma como vem sendo adotada, confunde-se a ética com moral, colocando-se em segundo plano a discussão sobre o que está por trás de problemas reais como a fome e a violência”, observa o educador.

Em seu ensaio no livro, José Lombardi combate esta perspectiva essencialista na discussão da ética, mostrando como ela ocorre dentro do marxismo, onde as questões relativas às práticas humanas não estão colocadas no plano do que é bom para todos os homens, mas no plano das classes sociais. “A luta de classes não se dá ao nível de um debate abstrato, etéreo, mas na prática fundamentalmente política. Como outras, a questão da ética é uma questão de classe. Não podemos imaginar que a ética defendida por um banqueiro seja a mesma defendida por um trabalhador. É óbvio que os princípios que cada um sustenta regerão suas ações”, pondera.

Sendo assim, Lombardi defende que, ao invés de se colocar a ética como um dos temas transversais que cortam a educação, se busque uma formação filosófica mais sólida para os educandos, em cima de conteúdos amplos que possibilitem para todos o acesso a um saber universal, que interessa a toda a população. “Não devemos trabalhar a ética como um tema escolástico, metafísico, que em tese ofereceria respostas para todas as questões, mas inseri-lo no âmbito da história. Cada sociedade, cada modo de produção responde de maneira diferenciada às questões de seu tempo, entre elas a questão da ética”, insiste.

A violência – O professor José Luís Sanfelice, que colabora no livro com o ensaio “Educação, trabalho e ética”, explica que toma a ética como ciência teórica dedicada a estudar a moral como prática social e histórica. “Essa maneira de conceber a ética implica em uma visão imanentista. Considerei a essencialidade do trabalho e da educação nas sociedades capitalistas, onde acontece sempre uma margem de violência: seja em decorrência da exploração do trabalho pelo capital, seja a educação como uma tentativa de conformação dos indivíduos ao status quo. A violência estrutural da sociedade passou então a ser a categoria de análise principal do texto”, esclarece.

Segundo Sanfelice, a violência estrutural, inerente às sociedades capitalistas, decorre da divisão de classes sociais, do privilégio ao capital, do acesso preferencial de alguns segmentos aos bens materiais e culturais. A violência estrutural não aparece nas imagens apresentadas pela mídia. “A questão central é não se perder em atentar para as manifestações de violência cotidianas, sem se perceber uma organização social intrinsecamente geradora de todas elas”, afirma. O professor afirma que, de um ponto de vista progressista, trata-se de fazer a denúncia da violência essencial do modo de produção capitalista, admitindo-se, inclusive, a possibilidade de uma prática social violenta que vise o extermínio das condições de violência que regem as atuais relações sociais. “Essa é uma possibilidade histórica com a qual a educação necessita contar para não se enclausurar em práticas de mera reprodução”, acrescenta.

Sexualidade – Ética e Educação tem a colaboração de César Nunes, também professor da Faculdade de Educação da Unicamp, que não participou das mesas-redondas no 14º Enep, mas liberou para publicação o conteúdo de sua conferência sobre “Ética e sexualidade”. Segundo Pedro Goergen, o texto de Nunes coloca em debate um dos temas mais candentes da atualidade, visto que paralelamente à libertação sexual e de eventos preocupantes como a disseminação da Aids, a educação sexual tornou-se uma das importantes dimensões do processo educativo. De acordo com César Nunes, não basta abrir um espaço formal no currículo escolar para tratar desse assunto, mas se dedicar ao desenvolvimento de uma sólida teoria de feição histórico-cultural que desvende as profundas dimensões ontológicas da sexualidade humana e que evite os reducionismos biologistas, psicologistas, hedonistas ou moralistas da educação sexual.

O livro lançado pela editora Autores Associados também reúne artigos de outros autores que compuseram as mesas no encontro de educadores: Antonio Joaquim Severino, professor da Faculdade de Educação da USP, que escreve sobre “Educação e ética no processo de construção da cidadania”; Cláudio Almir Dalbosco, professor de filosofia da Universidade de Passo Fundo (RS), sobre “Desafios ético-educacionais diante da crescente colonização do mundo da via”; e Gaudêncio Frigotto, professor da pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ, sobre “Educação, trabalho e ética”.


SERVIÇO

Ética e Educação: Reflexões
filosóficas e históricas
José Claudinei Lombardi &
Pedro Goergen (orgs.)
Editora Autores Associados
ISBN: 85-7496-159-0
Páginas: 188 – Ano 2005
R$ 29,00

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