Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 289 - 23 de maio a 5 de junho de 2005
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Carta de Campinas expõe
a estagnação da economia



CLAYTON LEVY


Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, na sala de reunião do Copom, em Brasília, no final do ano passado: política econômica do governo no centro do debate (Foto: Lula Marques/ Folha Imagem)Faltando apenas pouco mais de um ano e meio para o fim de seu mandato, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não conseguiu encontrar o rumo certo para combater a inflação e promover o crescimento sustentável, com geração de emprego e justiça social. Este deverá ser o tom do documento que a Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP) pretende divulgar no X Encontro Nacional de Economia Política, que acontece de 24 a 27 de maio no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. O evento, que contará com três conferências, três sessões especiais e 37 mesas de debate, ocorre apenas uma semana após o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central ter elevado, pela nona vez consecutiva, a taxa básica de juros (Selic), de 19,50% para 19,75%. Estão confirmadas as presenças de convidados de relevo no cenário nacional e internacional, entre eles Peter Gowan (University of North London); Gary Dimsky (University of California); e Tony Lawson (Cambridge University).

A Carta de Campinas, como está sendo chamado o documento, deverá acentuar e ampliar as críticas expostas na Carta de Uberlândia, divulgada pela SEP em junho do ano passado durante o IX Encontro Nacional de Economia Política. “Dessa vez a idéia é adotar um tom ainda mais crítico”, diz a presidente da entidade, Leda Maria Paulani, professora livre docente do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP). Na Carta de Uberlândia, os participantes do encontro afirmavam ser “fundamental desmistificar as justificativas oficiais e os comentários econômicos da mídia sobre a necessidade de contingenciamento do orçamento fiscal ou da geração de superávits primários incompatíveis com a recuperação do crescimento”. Para os signatários do documento, “as alternativas a esta política econômica existem, são viáveis, socialmente inadiáveis e teriam o apoio da ampla maioria dos brasileiros que elegeu Lula para mudar a política econômica”.

Um ano depois da divulgação da Carta de Uberlândia, as críticas dos economistas prosseguem, só que agora agravadas, segundo eles, pela falta de perspectivas no campo da macroeconomia. “No governo Lula, o tecido social se esgarça ainda mais, as instituições se degradam, os trabalhadores perdem e choram, enquanto os banqueiros e os latifundiários ganham muito e gargalham”, dispara o professor titular de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Reinaldo Gonçalves. “E a macroeconomia revela sua verdadeira cara, fútil e frágil, quando as expectativas de crescimento econômico do país são rebaixadas em decorrência das expectativas de desaceleração da economia mundial”, completa o economista, que é um dos diretores da SEP.

Para o professor Wilson Cano, titular do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, apesar de ter encerrado o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil continua atrelado a uma política “ortodoxa e equivocada”. Cano, que participará do Encontro abordando o tema “América Latina e Economia Mundial”, usa cores fortes ao compor o quadro que, segundo ele, reflete o contexto nacional. “No que diz respeito ao crescimento econômico, o vôo do Brasil está mais para galinha do que para gavião, enquanto as medidas para combater a inflação lembram um cachorro mordendo o próprio rabo”. Por sua vez, Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor do IE da Unicamp e um dos organizadores do Encontro, também afirma que há problemas com a economia. “O governo do presidente Lula resolveu abandonar os compromissos históricos do Partido dos Trabalhadores e da militância de esquerda e centro-esquerda brasileira e está procurando garantir, a qualquer custo, sua credibilidade perante o mercado e empresas endividadas no exterior”, aponta. Na entrevista que segue, os quatro docentes analisam a atual política econômica do governo Lula, antecipando o fio condutor que deverá caracterizar a Carta de Campinas.

Jornal da Unicamp – No início de maio, o mercado financeiro elevou pela décima semana consecutiva a previsão de inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que baliza o sistema de metas inflacionárias. A estimativa média subiu de 6,28% para 6,30%, o que está bem acima da meta de 5,1% perseguida pelo Banco Central, e mais distante ainda dos 4,5% pretendidos para o ano que vem. Ao mesmo temp, o mercado reduziu a projeção de crescimento da economia neste ano. A aposta na expansão do Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 3,64% para 3,60%. Para 2006, a expectativa se mantém em 3,50%. Trata-se de mera coincidência ou há algo de errado com a política econômica do governo Lula?

(Foto: Jefferson Coppola/Folha Imagem)


“O governo de Lula podia ter efetivamente tomado a dianteira e liderado um processo de resgate do poder político da América Latina”

Leda Paulani, professora da USP

Leda Maria Paulani — A pergunta está muito bem colocada porque de fato há uma enorme contradição no discurso do governo. Meses atrás, os resultados menos raquíticos na esfera do crescimento transformaram-se em álibi para justificar a elevação pelo Copom da taxa básica de juros. A arenga de sempre veio à tona: crescimento mais elevado, demanda crescente, pressão sobre os preços, inflação fora de controle. Aceso o sinal vermelho, o remédio veio rápido e em doses elevadas: nada de manutenção da taxa de juros, redução então nem pensar; a receita é: juros reais crescentes, não importa que eles já sejam os maiores do mundo (mais do que o dobro da taxa do segundo colocado nesse ranking tenebroso: a Turquia).

Agora, encontramo-nos na situação exatamente oposta àquela prevista pela receita barata de política econômica do governo: PIB em queda e inflação em alta. De fato, algo de muito equivocado parece haver com essa política. O que ocorre é que por trás desse tipo de prescrição está o diagnóstico monetarista de que elevação de preços é sempre, qualquer que seja a circunstância, resultado de demanda excessiva na economia. E na realidade, na economia brasileira de hoje, com o grau de desemprego e de capacidade ociosa existentes, um diagnóstico desses é muito pouco plausível.
Atualmente, os movimentos dos índices de preços são ditados muito mais pelo comportamento dos chamados preços administrados (aqueles que sobem por conta das autorizações oficiais como energia elétrica, combustíveis, remédios, gás de cozinha, telefonia etc.) do que por pressões de demanda. Isso sem falar na contradição que está envolvida no fato de se tentar segurar a inflação por meio de um regime de metas quando a economia funciona sob um regime de câmbio flexível (no segundo semestre de  2002, a pressão sobre o preço da divisa, gerada pelo chamado terrorismo eleitoral, levou à breca o controle inflacionário, a despeito do regime de metas já então adotado).


(Foto: Antoninho Perri)

“A reação brasileira à globalização resume-se, em poucas palavras, a aceitar, passivamente, ser puxado pelos humores da economia mundial”

Pedro Paulo Bastos, professor da Unicamp

Pedro Paulo Bastos — A política econômica do governo Lula resolveu abandonar os compromissos históricos do Partido dos Trabalhadores e da militância de esquerda e centro-esquerda brasileira, procurando garantir, a qualquer custo, sua credibilidade perante credores (o “mercado”) e empresas endividadas no exterior. O custo pago pelo “contrato de credibilidade” é aprofundar o modelo de política econômica herdado: 1) aumento dos juros para atrair capitais especulativos e apreciar o real, para limitar o impacto inflacionário do câmbio alto e reduzir o custo da dívida externa do setor privado; 2) elevação de metas de superávit primário para arcar com o impacto crescente da política de juros sobre a dívida pública; e 3) recusa a qualquer renegociação de contratos privados de reajuste de preços e tarifas indexados aos preços no atacado (e indiretamente indexados ao câmbio).
Com isto, o crescimento econômico fica aprisionado pela política de juros, sem que as causas profundas da inflação (a instabilidade do dólar, o custo do crédito e os contratos indexados) sejam atacadas. Neste modelo perverso, quando os juros caem e/ou o câmbio aumenta, as empresas tentam recompor margens de lucro aumentando preços, o que leva o Banco Central a voltar a elevar os juros, depois de definir metas de inflação ambiciosas demais. Por isto, tanto as expectativas de crescimento quanto de inflação são constantemente frustradas.

(Foto: Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem)

“Com a tendência de desaceleração, o Brasil deverá enfrentar maiores obstáculos na sua inserção econômica internacional”

Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ

Reinaldo Gonçalves – Que tem algo errado, não há a menor dúvida. A política econômica do governo Lula é inconsistente. Os dados mostram que, de um lado, há uma pressão inflacionária crônica e, por outro, um erro grave que é focar a política monetária única e exclusivamente no controle da inflação através da taxa de juros. Um dos problemas centrais do Brasil é o desequilíbrio das finanças públicas e a política monetária compromete ainda mais esse desequilíbrio. O aumento dos juros implica no aumento do serviço da dívida pública. Por essa razão, a política monetária é contraditória em relação à política fiscal.

O governo Lula está errando de forma muito grave no combate à inflação, deixando de lado as questões relacionadas à oferta e centrando sua política nas questões da demanda, particularmente usando a taxa de juros. É um erro grave de diagnóstico. Durante os dois primeiros anos do governo Lula, a inflação foi tratada como se fosse um problema de demanda, ou seja, excesso de gastos. Isso, naturalmente, não tem sentido porque o consumo das famílias caiu 1,5% em 2003 e cresceu 4,3% em 2004, ou seja, média anual 1,4% – na prática, um crescimento per capita nulo. O crescimento do consumo do governo é ainda pior (média de 1,0%; crescimento per capita negativo). O crescimento do PIB foi de 0,5% em 2003 e 5,2% em 2004 – média anual de 2,85%. Essa taxa é a metade da taxa média de crescimento econômico do país durante o século 20.

A inflação no Brasil nos últimos dois anos tem sido determinada, em grande medida, pelos seguintes fatores: mecanismo de correção de tarifas públicas, gargalos existentes no aparelho produtivo e abuso do poder econômico. A política do Banco Central, via uma simples regra de política monetária (aumento das expectativas de inflação implica elevação da taxa de juro), opera, portanto, sobre o sintoma, e não elimina as causas do processo inflacionário. O resultado do foco da taxa de juro no combate à inflação é o fraco desempenho da economia em termos de renda, emprego, acumulação de capital e desequilíbrio fiscal.

Wilson Cano — Como se vê, embora tenha terminado nosso “acordo” com o FMI, continuamos com uma política econômica ortodoxa e equivocada. Com relação ao PIB, o próprio governo já começa a falar em 3,5% para este ano, mas o resultado poderá ser ainda menor, dadas algumas manifestações setoriais da indústria, a respeito deste início de 2005, cujo vôo está mais para galinha do que para gavião.

Com relação à inflação, os contratos de concessões e privatização permitiram às empresas corrigirem seus preços e antigas tarifas, pelo IGP, que sabidamente está sempre acima do IPCA. E olhe que o dólar caiu muito, não pressionando o IGP para uma alta ainda maior. Mas, se tivermos uma desvalorização acentuada, então não haverá camisa de força (as tais metas de inflação) capaz de segurar o IGP e os demais índices de preços.

Por outro lado, a contínua e absurda alta dos juros (Selic) pelo BC implica em elevação dos custos das empresas (e das famílias), pressionando a inflação para cima. Há uma semana, a insânia do BC elevou-a para 19,75%! É o cachorro mordendo seu próprio rabo. Quanto à “coincidência”, de fato há grande similaridade na política monetária, e uma suicida política fiscal, que, pretendendo reduzir a relação Dívida/PIB mas elevando os juros sobre essa mesma dívida, agrava ainda mais a situação e impede a realização do investimento público. Isto por sua vez inibe parcialmente o investimento privado.

‘Essa pirotecnia gera o

desprezo dos países mais fracos

e a gargalhada dos ricos’

JU – Estão cada vez mais evidentes os impasses político e econômico com a Argentina no que diz respeito ao Mercosul. Os argentinos exigem uma política industrial comum, não querem ser tratados como “mercado desprezível” e dizem que o bloco, do jeito que está, “não é viável”. Como o senhor analisa a política do governo Lula para seus parceiros da América do Sul?

(Foto: Antoninho Perri)

Deixamos de financiar (com recursos públicos) privatizações e semelhantes, mas passamos a financiar a criação de empregos e de produção no exterior”

Wilson Cano, professor da Unicamp

Leda Maria Paulani – A política externa é sempre levantada como contra-argumento quando se critica o caráter não-progressista do governo Lula. Todos concordam que a política econômica é pra lá de conservadora, mais realista que o rei, que a política social está muitíssimo aquém do que se esperaria de um governo do PT, que a reforma agrária, que se esperava finalmente ver concretizada, patina há dois anos e meio, que o fisiologismo e a corrupção não deixam nada a dever à história pregressa da política no Brasil, e por aí vai.

Mas a  política externa, não! Não se pode criticá-la. Ela é a salvação da lavoura de uma esquerda ainda iludida com as possibilidades do governo do PT. O suposto enfrentamento dos interesses dos EUA, a criação do G22, a realização da cúpula América do Sul-Países Árabes são sempre apontados como indicações seguras das intenções verdadeiramente confrontadoras do governo de Lula frente aos países hegemônicos. Contudo, há uma enorme inversão nessa percepção: com o cacife político angariado pelo PT, com sua dura história de lutas construída ainda nos anos da ditadura, com o papel naturalmente central ocupado pelo Brasil em todos os assuntos que dizem respeito ao continente, o governo de Lula podia ter efetivamente tomado a dianteira e liderado um processo de resgate do poder político da América Latina, tão avariado depois de pelo menos uma década de governos submissos.

Mas para isso seria preciso ter outro governo também internamente. Com uma política interna tão conservadora e tão partidária dos interesses financeiros, uma política tão privatista e tão amiga dos grandes capitais não é de espantar que o governo Lula, ao invés de tentar recuperar o Mercosul, o que seria um bom começo para o desempenho da tarefa aqui sugerida, tenha tratado de, ao contrário, por meio de suas burocracias técnicas, jogar areia no processo de renegociação da dívida argentina.

Pedro Paulo Bastos — A América Latina é encarada pelos Estados Unidos da América, há mais de um século, como uma região econômica estratégica, destinada a garantir insumos baratos e mercados livres para exportações e investimentos. É encarada, em poucas palavras, como uma zona do dólar, e tanto mais depois da difusão do Consenso de Washington e da proposta da Alca na década passada. A política externa do governo Lula resiste à subordinação completa ao projeto estadunidense, mas não parece apresentar uma alternativa viável de integração aos vizinhos latinos que, em bloco, resista à ofensiva do Norte.

Pelo contrário, muitos de nossos vizinhos concorrem entre si para fechar acordos bilaterais em que cedem às exigências ianques em troca de ganhos marginais de exportação para os EUA. Como a política macroeconômica conservadora brasileira disputa dólares com nossos parceiros regionais e não permite que o país ofereça um mercado dinâmico para eles, ou os apóie contra exigências dos credores externos (quer queira o Itamaraty ou não), a política de Celso Amorim para a América Latina é prejudicada pelo núcleo duro da área econômica. Sem uma reversão mais coerente e integral do Consenso de Washington, é pouco provável que os esforços de integração avancem muito além de acordos de liberalização comercial, que são sempre sujeitos a pressões dos grupos prejudicados que desgastam a cooperação regional, dada a ausência de um projeto estratégico comum.

Reinaldo Gonçalves – É uma verdadeira trapalhada. O máximo que o Brasil conseguiu até agora foi o “privilégio” de oferecer asilo ao ex-presidente do Equador, que foi deposto. Além disso, o presidente Lula não tratou adequadamente as relações com um país importante como a Argentina. O Brasil não apoiou a Argentina na sua briga com o sistema financeiro internacional e agora faz essa pirotecnia toda. O governo brasileiro tem de abandonar a política da pirotecnia e adotar uma postura mais compatível com a realidade brasileira. O Brasil tem um déficit de poder muito grande e também uma grande escassez de recursos diplomáticos. O governo deveria focar os recursos bilaterais. O país não ganha nada com a pirotecnia. O que isso tem gerado é o desprezo dos países mais fracos e a gargalhada dos países ricos.

Wilson Cano – O lado bom da política econômica é justamente, até o momento, o externo, que está tentando alargar a presença e o comércio brasileiros para outros espaços até então pouco explorados, como a América do Sul – se excluirmos o Mercosul. A Argentina não é mercado desprezível, pois representou em 2004, 7,7% de nossas exportações e 8,9% das importações (o Mercosul, respectivamente, 9,2% e 10,2%).

O que não é viável é a forma de Mercado Comum que se pretendeu dar, dadas as inúmeras (e algumas muito grandes) diferenças estruturais entre os quatro países. A despeito que o mercado intra-bloco para os países subdesenvolvidos é restrito (varia de 5% a 15% das exportações totais dos blocos), há muito a explorar, principalmente na área de produtos industrializados. Mas a política com a América do Sul não se limita ao comércio, e pretende se estender à infra-estrutura, investimentos produtivos etc. A questão difícil, aí, é saber quem vai bancar o financiamento disso tudo, pois não temos recursos nem para resolver nossos próprios problemas.

JU – A globalização econômica impõe desafios comuns ao conjunto dos países emergentes. No entanto, as respostas a estes desafios são muito variadas. O governo brasileiro, por exemplo, gosta de citar números internos para justificar os rumos de sua política econômica, mas quando se compara o Brasil com outros blocos emergentes percebe-se que o país avançou pouco. Em 2004, enquanto a economia brasileira crescia 5,2%, o conjunto dos países emergentes crescia 6,5%. Ao mesmo tempo, enquanto a taxa interna real de juros chegou a 12% ao ano, a média de outros mercados emergentes ficou em 2%. Como o senhor avalia a resposta do Brasil frente à globalização econômica?

Leda Maria Paulani – No governo de Fernando Henrique, particularmente em sua primeira gestão, a tese corrente sobre essa questão era a de que o Brasil precisava sofrer um “choque de competitividade”, que só seria obtido por meio de uma abertura radical da economia. Somente assim, dizia-se, o Brasil teria condições de pegar o bonde da história e enfrentar os desafios da globalização. Como se sabe, nos primeiros quatro anos de FHC combinou-se a essa abertura radical uma valorização sem precedentes da moeda nacional, ao mesmo tempo em que se vendia a ilusão de que uma moeda forte era indicador inequívoco da solidez da economia em questão. A radicalização da abertura foi assim mais do que potenciada pela política cambial fundamentalista de Gustavo Franco.

O vendaval de crises financeiras que assolou o mundo nos últimos anos do milênio, promovido justamente pelos ataques especulativos às supostas moedas fortes dos países “emergentes” demonstrou, a um custo muito elevado para o país (foram US$ 44 bilhões de reservas que evaporaram entre setembro de 1998 e janeiro de 1999) que a proposição estava invertida: não é uma moeda forte que faz uma economia forte; ao contrário, é uma economia forte que torna forte sua moeda. Passados já alguns anos desde a primeira crise cambial da era do Real, estamos vendo novamente o mesmo filme: moeda nacional indevidamente valorizada, política monetária amarrada aos humores do mercado internacional de capitais, superávits primários asfixiantes etc. É por isso que se diz que o Brasil cresceu em 2004 não por causa da política econômica, como afirma o governo, mas a despeito dela.

Pedro Paulo Bastos – A postura brasileira perante a globalização é prejudicada pela insistência na livre mobilidade de capitais e no incentivo imprudente ao endividamento externo de curto prazo. Isto torna o Estado brasileiro refém do “mercado”, dos juros elevados e da ameaça permanente de apreciação cambial (com prejuízos comerciais) ou depreciação abrupta (com danos inflacionários e financeiros). Outros países controlam fluxos de capitais a curto prazo, orientam investimentos externos e o sistema de crédito, a baixas taxas de juros, para investimentos produtivos (e não em papéis rentáveis), além de preservarem maior grau de liberdade para gastos públicos em finalidades sociais e infra-estruturais. A reação brasileira à globalização resume-se, em poucas palavras, a aceitar, passivamente, ser puxado pelos humores da economia mundial, seja na oferta de recursos financeiros, seja na demanda de bens, pagando o preço exigido para manter uma credibilidade ilusória e volátil perante o “mercado”.

Reinaldo Gonçalves – A política do governo Lula tem aumentado a vulnerabilidade externa da economia brasileira, tanto na área comercial como na monetária, financeira e tecnológica. Há evidências conclusivas nesse sentido. Na área comercial, o que tem havido é um aumento da reprimarização da pauta de exportações. O Brasil está cada vez mais dependente da exportação de produtos primários. A melhora conjuntural das contas externas do Brasil deve-se à interação de um conjunto de fatores: fraco desempenho da economia doméstica (absorção interna); extraordinário crescimento do comércio internacional; elevação dos preços das commodities; e, condições relativamente estáveis de liquidez internacional. A ausência da pressão de demanda interna leva as empresas a orientar a produção para o mercado externo.

Para ilustrar, a relação entre a exportação de bens serviços e o PIB aumentou continuamente de 10% em 1999 para 18% em 2004. O comércio internacional teve um crescimento extraordinário em 2003-04. Segundo os dados das Nações Unidas, o crescimento do valor das exportações mundiais foi de 16,3% em 2003 e 18,5% em 2004. No entanto, as previsões para 2005 indicam uma desaceleração do comércio internacional. A estimativa das Nações Unidas é um crescimento do valor das exportações mundiais de 10,3% em 2005. As exportações brasileiras cresceram 21,1% em 2003 e 32,0% em 2004.

Esses números mostram que o Brasil aumentou sua competitividade internacional, mas o que se verifica é que esse aumento de competitividade ocorreu, em grande medida, em setores de reduzido crescimento no comércio mundial e de baixo conteúdo tecnológico. A reprimarização das exportações brasileiras também se acentuou no governo Lula. Em 2003, o valor das exportações totais cresceu 21,1%, enquanto o das exportações de produtos básicos cresceu 24,9%. As taxas correspondentes para 2004 foram 32,0% e 34,7%, respectivamente. Essa reprimarização aumenta a vulnerabilidade externa da economia brasileira na esfera comercial, conforme os ensinamentos da Cepal desde o final dos anos 40. O aumento dos preços das commodities agrícolas foi determinante importante do crescimento das exportações brasileiras.

Entretanto, as previsões a respeito dos preços das commodities no mercado mundial não são favoráveis para o futuro próximo. As Nações Unidas, por exemplo, projetam uma queda no preço médio das commodities (exceto petróleo) de 3,9% em 2005. As condições de liquidez internacional se mantiveram estáveis nos últimos dois anos. O ingresso líquido de capitais privados nos países em desenvolvimento aumentou de US$ 61 bilhões em 2002 para US$ 120 bilhões em 2004. Como resultado desse aumento de liquidez internacional, houve uma redução generalizada dos prêmios de risco dos mercados emergentes. O crescimento extraordinário do comércio internacional e as condições favoráveis de liquidez internacional permitiram, então, que os países em desenvolvimento experimentassem uma significativa elevação do nível de reservas internacionais. Para ilustrar, no período 1996-2002 o aumento médio anual das reservas internacionais dos países em desenvolvimento foi da ordem de US$ 110 bilhões. Em 2003, esse aumento foi de US$ 367 bilhões. Esse número é, provavelmente, um recorde histórico. Em 2004 já houve uma redução do ingresso líquido de capitais privados nos países em desenvolvimento para US$ 82 bilhões.

As estimativas do FMI para 2005 mostram também uma queda (ingresso estimado de US$ 48 bilhões). Essas observações indicam, então, que a conjuntura internacional foi extraordinariamente favorável em 2003-04. No entanto, as previsões disponíveis apontam, tanto no sistema mundial de comércio como no sistema financeiro internacional, uma tendência de desaceleração. Ou seja, o Brasil deverá enfrentar maiores obstáculos na sua inserção econômica internacional.

Wilson Cano – A taxa de 5,2% foi excepcional, mas muito pequena diante da recessão de 2001-2003, e, assim mesmo, graças a um internacional “céu de brigadeiro”. Ainda assim, dificilmente se repetirá tão cedo, pois afinal de contas, nossas exportações não podem continuar a apresentar taxas maiores de crescimento, mas as importações já começam a ameaçar crescer acima daquelas. Por outro lado, o que faz uma economia crescer a longo prazo é o investimento, mas este continua deprimido pela própria política econômica do governo. Assim, é pouco provável termos sucesso em formular políticas externas se, internamente, “perdemos a vontade de investir e de crescer”. É verdade que deixamos de financiar (com recursos públicos) privatizações, shoppings e semelhantes, mas passamos a financiar a criação de empregos e de produção no exterior.



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